Bezos e as narrativas: uma declaração de guerra aos powerpoints

Felipe Ribbe
Felipe Ribbe
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3 min readApr 30, 2018

*Texto publicado em Abril/2018

A Amazon é reconhecidamente uma empresa que não tem medo de apostas ousadas. De um e-commerce de livros para “A Loja de Tudo” — passando por serviços de computação em nuvem, produção de séries de TV e filmes premiados, dispositivos de sucesso como Kindle, operadora de logística e agora entrando pesado no multibilionário mundo do varejo de lojas físicas, entre outros empreendimentos -, a empresa de Seattle é cotada para ser a primeira americana a alcançar a marca de U$1 trilhão em valor de mercado.

Seu fundador e CEO, Jeff Bezos, é atualmente o homem mais rico do mundo. Estudante em um colégio de superdotados na infância, sua personalidade única está espelhada na cultura da empresa (escrevi uma resenha sobre o livro que conta a história da Amazon — clique aqui para ler). São práticas adotadas internamente, vistas como estranhas por quem está fora, uma vez que algumas delas fogem dos padrões das empresas “normais”.

Narrativas de Seis Páginas

Esta talvez seja a mais interessante destas práticas. É bastante comum no mundo corporativo que reuniões iniciem com apresentações acerca de determinados assuntos. Assim, os responsáveis pelas mesmas preparam powerpoints com informações resumidas, sendo questionados pelos demais presentes durante e/ou após a exposição sobre os pontos levantados. Na Amazon não.

Jeff Bezos baniu as apresentações em PPT/PPS na empresa em 2004. No lugar delas, são adotados memorandos em formato de narrativas de seis páginas, explicando detalhes do que se quer apresentar em texto ao invés de figuras e tópicos. A explicação do CEO é clara: em slideshows se obtém pouca informação e esta simplicidade faz com que seja mais fácil para o apresentador esconder ou florescer fatos, nem sempre em favor do bem da empresa. Quando precisam desenvolver suas ideias escrevendo frases e parágrafos completos, com uma linha de raciocínio clara e bem construída, as pessoas são forçadas a pensar mais e melhor, o que, automaticamente, faz com que haja um conhecimento mais profundo sobre o assunto. No caso de uma apresentação de uma oportunidade de negócios, por exemplo, é preciso que se tenha o máximo de dados possíveis e ótimo entendimento sobre o objeto de estudo para que seja desenvolvida uma narrativa bem fundamentada e de fácil entendimento por quem irá analisá-la.

Os memorandos também não são enviados previamente, para serem lidos antes das reuniões; são entregues no início dos encontros, para que todos tenham o mesmo tempo de lê-los e para que os autores saibam que seu trabalho será analisado de maneira igual pelos presentes. Assim, após receberem as narrativas, são tirados de 15 a 30 minutos para leitura, sem interrupções, e depois mais cerca de 40 minutos de debates e esclarecimentos sobre o que foi apresentado.

Importante salientar: não é porque trata-se de uma narrativa (portanto sem gráficos e tópicos em seu corpo) que a quantidade de dados necessárias para gera-la é menor. Pelo contrário, as seis páginas devem necessariamente incluir apêndices com as fontes que embasaram a escrita, caso os presentes queiram verifica-las.

De fato, resumir um projeto, dependendo de seu tamanho, em um texto de seis páginas (incluindo apêndices) é tarefa complicada e isso empurra as pessoas a um nível acima de entrega. É preciso esforço por parte de cada equipe para que o máximo de conhecimento seja adquirido e a narrativa seja clara o suficiente para uma tomada de decisão logo após a discussão da mesma. Por isso, Bezos sempre frisa que não se trata de um exercício de um ou dois dias. É trabalho para algumas semanas, lendo, relendo, acrescentando informações, substituindo outras… Tudo para que aquela história contada tenha um final feliz para a Amazon.

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Felipe Ribbe
Felipe Ribbe

Former Director Brazil at Socios.com and Head of Innovation at Clube Atlético Mineiro