O Dilema da Inovação — os fundamentos do clássico de Clayton Christensen

Felipe Ribbe
Felipe Ribbe
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9 min readApr 11, 2018

*Texto publicado em 11/04/2018

“O Dilema da Inovação” é um livro clássico sobre o tema, publicado em 1997 pelo ex-professor de Harvard Clayton Christensen, falecido em 2020. Apesar dos mais de 20 anos da sua publicação, o livro permanece bastante atual (suas previsões para a ascensão dos veículos elétricos a partir da década de 2010 são impressionantes, dado o que estamos vendo atualmente). Mesmo assim, a grande maioria das empresas tem dificuldades para enxergar de que maneira a teoria e as soluções expostas no livro podem ser aplicadas em suas realidades. São inúmeros os casos de companhias bem estabelecidas que se acomodaram e, quando perceberam um movimento indo de encontro ao seu modelo de negócios, tentaram agir, mas fracassaram. Blockbuster e Kodak são, talvez, os principais exemplos. O objetivo deste post é resumir basicamente o que se trata este dilema e de que maneira, segundo Christensen, as empresas devem se comportar para evitar serem deixadas para trás por novos entrantes em seus mercados.

A ideia básica do livro é que empresas grandes e bem administradas são excelentes em relação ao desenvolvimento de inovações incrementais, mas falham nas inovações disruptivas, justamente pelo fato de seguirem os preceitos de uma boa administração. Soa contraditório? Vou explicar.

Mas antes, é importante definirmos o que são inovações incrementais e o que são inovações disruptivas.

  • Inovações incrementais são inovações que melhoram o desempenho de produtos (ou serviços) já estabelecidos, cujo mercado e os clientes são conhecidos. Essas melhorias vêm justamente para satisfazer estes clientes, que são os responsáveis por gerar a receita que mantém as empresas. As inovações incrementais são as mais comuns de acontecer.
  • Inovações disruptivas trazem uma proposição de valor diferente, geralmente criando um mercado totalmente novo ou se posicionando, quando lançadas, em uma parte baixa (low-end) de mercado que já existe, atendendo a exigências de clientes até então marginais. Como características, as inovações disruptivas, quando surgem, são simples, mais baratas para os clientes, com desempenho inferior e com uma margem de lucro menor (têm um custo maior para a empresa que desenvolve e menor para quem está comprando).

Um outro conceito chave para entender o “dilema” é a Teoria de Dependência de Recursos, cunhada em 1978 no livro “The External Control of Organizations: a Resource dependence perspective”. Ela diz basicamente que são as forças externas (clientes e investidores) que ditam o que a empresa fará, relegando os gerentes a papéis simbólicos na organização. Ou seja, somente as empresas que fornecem produtos e serviços exigidos por clientes e investidores conseguirão prosperar. As demais estão fadadas ao fracasso.

Apesar de polêmica, esta teoria relaciona-se diretamente com o ponto abordado no início deste texto. As boas práticas de administração demandam justamente que se ouça os clientes, que se invista no que eles dizem querer e que se coloque foco em mercados com grandes potenciais no curto prazo. Tudo que empresas consolidadas estão acostumadas a fazer. Por isso, essas grandes empresas não enfrentam dificuldades com inovações incrementais. Porém, esta capacidade de inovar e melhorar desempenho de produtos e serviços já estabelecidos gera incapacidade dessas mesmas empresas sobressaírem em tecnologias de disrupção.

O motivo é claro. Como já comentado, as inovações disruptivas têm como características o fato de se encaixarem na parte baixa de mercados já existentes ou de terem que criar um novo mercado para se estabelecer, e têm desempenho inferior, ou seja, vão na contramão do que as práticas administrativas clássicas pregam, de seguir a vontade dos clientes. Além disso, o fato das margens de lucro serem piores também afasta grandes companhias de investir recursos nas mesmas, abrindo caminho para novos entrantes.

O roteiro para a “tragédia” futura é parecido, não importa a área de atuação:

  1. Empresas estabelecidas têm capacidade técnica de disrupção e até desenvolvem projetos nesta linha, que irão competir com outros focados em incrementação por recursos financeiros e humanos junto à alta administração;
  2. O responsável por levar a frente tais projetos sonda os clientes atuais acerca dos mesmos e, claro, tais clientes dão aval aos que satisfazem seu interesse atual de desempenho, deixando de lado os disruptivos. Logo, os departamentos de marketing, financeiro e de vendas, focados nos números trimestrais, dão anuência aos resultados da pesquisa e a alta administração libera recursos para os projetos incrementais, de olho em um aumento na participação do mercado;
  3. As companhias investem bastante em melhoria de desempenho de seus produtos atuais, a ponto de tais melhorias irem além do que os clientes esperam. Além disso, a competição entre as empresas estabelecidas em inovações incrementais faz com que, naturalmente, este ritmo diminua, uma vez que vai ficando cada vez mais difícil conseguir aprimorar produto ou serviço oferecido;
  4. Enquanto isso, a tecnologia disruptiva, até então relegada, passa a ser adotada por novas empresas, que buscam um mercado (diminuto) para ela. Uma vez encontrado, tais empresas começam a investir em melhorar o desempenho desta tecnologia (inovações incrementais). Esta crescente melhoria, somada ao ritmo mais lento de evolução das tecnologias estabelecidas pelas grandes empresas, faz com que o gap de desempenho entre ambas vá diminuindo, até que se torne irrelevante;
  5. Neste momento, os novos entrantes começam a atacar o mercado mainstream, já que não existe mais diferença em relação a desempenho e seu custo para os clientes é menor (menor margem) em relação ao produto das grandes empresas*;
  6. Após assistir passivamente o crescimento desses novos modelos de negócio e ver que sua fatia de mercado está diminuindo, as grandes companhias correm para desengavetar os projetos disruptivos que haviam sido deixados de lado lá atrás. Porém, a inércia anterior fez com que as novas empresas conseguissem criar vantagens competitivas em relação à fabricação, estrutura de custos e melhorias incrementais, tornando a tarefa das empresas estabelecidas de se recuperar bastante complicada. Isso faz com que elas fiquem em segundo plano (ou até desapareçam) na nova ordem que foi criada.

O roteiro acima foi descrito há duas décadas e mesmo assim todos os dias o vemos se repetir. Se verificarmos com cuidado, veremos que uma figura importante nesta sequência é o do responsável por colocar os projetos para frente, geralmente um gerente de nível médio na corporação. O papel dele é justamente fazer uma triagem para que somente as principais ideias sejam levadas até a alta direção. E, como manda o manual do bom gerente, seguir a palavra do cliente e medir o potencial lucrativo no curto prazo são os pontos fundamentais para sua função. Para que arriscar a aposta em uma tecnologia disruptiva, na qual os consumidores atuais não têm interesse e cujo mercado é muito pequeno ou inexistente? Se o gerente faz esta aposta, coloca este projeto para frente e o mesmo fracassa, desperdiçando milhões de investimento, ele será visto como o responsável direto e, mesmo que não perca o emprego, suas chances de promoção serão bastante reduzidas, uma vez que sua capacidade de análise e julgamento serão colocadas em questão. Soma-se a isto o fato de que, muitas vezes, este gerente de nível médio fica pouco tempo no cargo, por conta de programas de desenvolvimento de lideranças, que estimula o rodízio entre funções dentro da empresa. Assim, ele prefere apresentar à alta administração projetos incrementais, cujo potencial de retorno está no curto prazo, enquanto ele ainda estará no cargo para receber os louros do sucesso. O famoso “fazer o seu, sem comprometer”.

Há ainda uma outra razão pela qual muitas empresas exitam em adotar inovações disruptivas: o medo de que tais inovações canibalizem seu core business atual. Neste caso, a “culpa” não é do gerente médio e sim da alta direção.

*Antes de continuar, cabe a aplicação de um conceito interessante, de Hierarquia de Compras. Este conceito diz que existem quatro fases de evolução de um produto e como os clientes optam pelos mesmos: funcionalidade, confiabilidade, conveniência e preço. Uma vez que dois ou mais produtos atendam à demanda de funcionalidade dos clientes, a base para escolha transfere-se para confiabilidade, ou seja, o cliente passa a comprar baseado não na função e sim na confiança que tem no vendedor; uma vez estabelecidos padrões de confiabilidade, a base passa a ser a conveniência e, quando tais padrões de conveniência são atingidos, o preço passa a ser o balizador da compra.

A Solução para o Dilema

Mas então, como romper este ciclo vicioso nas grandes empresas e impedir que novos entrantes destruam a participação de mercado das mesmas?

A capacidade de uma companhia pode ser medida por meio de três classes de fatores: recursos, valores e processos. Escreve Christensen:

Nos estágios iniciais de uma organização, muito do que se realizou é atribuível aos seus recursos — seu pessoal. A chegada ou partida de pessoas importantes pode ter profunda influência em seu sucesso. Ao longo do tempo, contudo, o local das capacidades de uma empresa muda em direção a seus processos e valores. À medida em que as pessoas trabalham em conjunto, com êxito em implantar as tarefas periódicas, os processos tornam-se definidos. E, como o modelo de negócios toma forma e se torna claro quais tipos de negócios necessitam ser atendidos com a mais alta prioridade, os valores crescem juntos.

Porém, como já citado anteriormente, a capacidade atual de uma empresa de desenvolver inovações incrementais é, ao mesmo tempo, sua incapacidade de reagir às mudanças em seu mercado. Diz ainda o autor:

Quando as capacidades da organização residem principalmente em suas pessoas, mudar para resolver novos problemas é relativamente simples. Mas, quando as capacidades passam a residir em processos e valores e, especialmente quando elas se tornam inseridas na cultura, a mudança pode revelar-se extraordinariamente difícil.

Por conta disso, quando uma empresa percebe que suas capacidades não são adequadas a uma nova tarefa, ela tem três opções para criar novas capacidades:

  1. Adquirir uma organização diferente — caso processos e valores tenham sido os motivos do sucesso desta empresa que está sendo comprada, a companhia adquirente deve manter os negócios em separado, apenas alocando seus recursos dentro da adquirida. Se o motivo da compra for os recursos, então os mesmos devem ser integrados aos processos e valores da empresa adquirente;
  2. Criar novas capacidades internas — recursos de qualidade em processos antiquados são praticamente irrelevantes. E mudar processos e valores é uma tarefa bastante complicada, uma vez que os mesmos são inflexíveis, ou seja, existem para fazer com que “as mesmas coisas sejam realizadas de modo consistente repetidas vezes”. É algo que demanda bastante energia e que dificilmente terá êxito;
  3. Criar capacidades por meio de uma organização independente — é complicado para uma empresa que tem uma estrutura de custos para competir no mercado mainstream passar a alocar recursos em um mercado low-end ou em um novo mercado. Isso certamente não seria lucrativo, por conta das margens mais baixas já associadas à inovações disruptivas. Soma-se a isso também o tamanho insignificante destas novas oportunidades perante às necessidades de crescimento desta companhia já estabelecida. Nestes casos, a melhor saída é apostar em um spin-out, ou seja, uma unidade independente (seja ela uma divisão ou uma nova empresa) da matriz, na qual uma nova estrutura de custos possa ser criada e onde um mercado diminuto é suficiente para satisfazer suas ambições e manter seus funcionários motivados a continuar crescendo. Porém, é importante deixar claro que esta nova organização não deve, de forma alguma, disputar recursos com a matriz, senão a existência dela não fará sentido.

Um exemplo de sucesso de um spin-out foi o Kindle, o dispositivo criado pela Amazon para leitura de livros digitais. Na época em que teve a ideia, Jeff Bezos, fundador e CEO da gigante de comércio online e diversos outros negócios, tinha lido “O Dilema da Inovação” e ficara preocupado. A Apple, havia pouco tempo, tinha lançado o iPod, um dispositivo para ouvir musicas digitalmente que fez grande sucesso. Bezos suspeitava que o próximo passo da empresa de Steve Jobs poderia ser entrar no mundo dos e-books. Como a Amazon já era referência em livros físicos, ele não teve dúvidas em tomar uma atitude para evitar ser deixado para trás. Criou uma unidade autônoma, chamada Lab126, e a localizou na Califórnia, longe de Seattle, cidade-sede da Amazon. Não só concedeu tempo e recursos para que o Kindle fosse lançado, como deu uma ordem expressa de que o objetivo do projeto era justamente destruir o modelo de negócios de venda de livros físicos, maior fonte de receita até então de sua empresa — escrevi aqui uma resenha sobre “A Loja de Tudo”, livro que conta a história da Amazon. O Kindle, como se sabe, é um grande sucesso e responsável por aumentar o valor de mercado da empresa.

Ao longo do Livro, Clayton Christensen mostra diversos exemplos nos mais variados mercados para comprovar sua teoria e demonstrar de que maneira grandes empresas devem agir para manter um crescimento sustentável não só dentro de sua área de atuação, mas eventualmente em ramos até então inexistentes ou ignorados por falta de atratividade.

Termino este texto com uma frase do livro que deve causar calafrios nos professores de administração e marketing: nem sempre o slogan “Fique perto de seus clientes” é um conselho sadio.

Originally published at https://feliperibbe.wixsite.com on April 11, 2018.

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Felipe Ribbe
Felipe Ribbe

Former Director Brazil at Socios.com and Head of Innovation at Clube Atlético Mineiro