2 semanas trabalhando no Vale do Silício — Impressões/opiniões!

Felipe Klerk Signorini
9 min readMar 6, 2019

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PS: English version

Neste ano eu me mudei para me aventurar do outro lado do oceano, Irlanda, e comecei a trabalhar em uma startup com sede no Vale do Silício, a Udemy que possui escritório em São Francisco, Ankara, Dublin e em São Paulo, sendo o maior marketplace de cursos online do mundo.
Fiquei em SF por duas semanas, trabalhando, aprendendo, visitando outras empresas e conhecendo a cidade. Neste texto foco nas minhas impressões sobre a parte cultural e de negócio observada nas empresas que visitei, meetups que participei, pulando os detalhes turísticos, então vamos a minha visão dessa experiência. ;)

1 — Maturidade, mentalidade e foco, modo Vale do Silício de trabalhar.

É realmente diferente, como eles se organizam, pensam, possuem diferentes robôs, machine learning, mas até então isso não me surpreendeu, era o esperado, agora como as pessoas pensam e tomam decisões, isso me chamou a atenção, é diferente em tudo do que eu tinha visto, ou até lido.
No início tudo é uma aparente novidade, mas quando retiramos as lentes da empolgação nem tudo são flores, o ambiente não me pareceu saudável com foco na qualidade de vida, mas levando em consideração que data-driven, marketing 3.0, sprint design, e dentre outras formas inovadoras de mindset nasceram de companhias e ótimas mentes que residem no Vale, posso dizer pois é de senso comum que é um lugar onde as coisas acontecem!

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Discursos de efeito sem nenhuma ação

Geralmente CEOs/lideres em qualquer empresa no mundo pensa ser o melhor, pelo menos aqueles que lidam com tecnologia, vangloriam-se em frases de efeitos e empurram goela abaixo imposições sobre seus funcionários. Mas será que realmente eles sabem o que estão falando? Sabem o que estão fazendo?E as consequências? É um perfil de liderança que por certo não sobrevive muito tempo nesse habitat chamado de Vale do Silício, ou ao menos não deveriam pois lá discursos são atrelados a uma ação e isso foi ótimo de presenciar!

Somos uma empresa horizontal e empoderada, porém os projetos precisam ser aprovado pelo diretor. (?)

Ser horizontal com times empoderados não é para todos nem em todos os lugares, fácil de entender muito difícil de conseguir, precisa-se de tempo e principalmente maturidade. Ser horizontal é cada time ser habilitado a fazer e finalizar qualquer coisa sozinho, a real autonomia, sem aprovações de superiores, há uma passagem de conhecimento entre pares, não havendo dependências no fluxo de trabalho, e se em algum momento for necessária uma aprovação, que seja por um diretor ou pela área de controle de qualidade o termo “empoderado” já não está sendo usado corretamente.

Empresas no vale do Silício entenderam isso, cada área, como engenharia, RH, vendas são empoderadas, não existem camadas de aprovação, diretor não toma decisões micros, ou de médio porte, ele age mais como um juiz quando necessário, e é consultado sim quando há tomada de decisões que realmente façam valer seu tempo para tomá-la, cada time sabe o que precisa e para onde deve caminhar. Esse estado de trabalho não é uma escolha, digo que é uma evolução da maturidade profissional, criado por contratações corretas e decisões internas com visão e foco em crescimento interno e cultural.

E como grata surpresa eu vi times realmente empoderados, entregando valor de forma isolada, acontecendo em uma sincronia com outros times que chega a ser difícil descrever como e onde acontece.

Somos agile, scrum está em nosso sangue, porém a origem de todos os males está no departamento comercial.

Quanto tempo é necessário para percebemos que ser agile é uma condição cultural para todos dentro da empresa, é um modo de trabalhar, que envolve todos os departamentos, rh, vendas, engenheiros e trata-se de comunicação, modo de se organizar, reconhecer os erros, de tomar decisões e não simplesmente fazer e entregar sem a parte crítica do que se está entregando de fato e depois colocar a culpa em um departamento, o comercial do sub título foi meramente ilustrativo rs.

Cliente em primeiro lugar, até que o dinheiro acabe?

Frases incontestáveis são sempre boas para reforçar opiniões e empresas inteligentes preferem perder dinheiro em um curto/médio período de tempo visando um ganho a longo prazo, fácil de entender, difícil de aplicar, tem que ser corajoso além de requerer planejamento e busca de investimento constante. Consigo contar nos dedos de uma mão quantas companhias que trabalhei foram corajosas nesse sentido. Quantas empresas realmente visam estratégias de longo prazo? Estou falando não só de decisões na área de engenharia, de marketing e sim o mais importante que vejo hoje que são as decisões culturais, investimento em P&D, inovação.

Certas coisas são difíceis de mudar, e com certeza decisões de curto prazo estão na lista dos mais difíceis, mas quando a empresa tem clara a sua cultura e engaja não só os colaboradores mas também seus clientes fica nítido que o foco além no monetário é a qualidade de atendimento das necessidades destes, aumentando a credibilidade de seu produto/serviço e fidelizando esse cliente.

2 — Não é a tecnologia, é como as coisas são feitas!

Usar Kubernetes e ReactJs não diz nada a respeito da empresa, estou cansado de ver vagas com a descrição “nós usamos x, nós somos uma empresa moderna igual ao Google” (…). Amigo o Google não é o Google só por causa da linguagem e ferramentas que utiliza e nem por oferecer comida de graça.

As empresas querem receber resultados a lá Google, porém não conseguem pensar como uma empresa inovadora, quem dirá ser uma . Um ponto que sempre levanto quando analiso atitudes e resultados de forma geral é o verbo querer que claro é diferente de ser, querer ser criativo não significa que você é criativo (querer pode ser um começo, mais não é o final), devem haver provocações, incentivos e abertura para uma Cia transformar sua cultura e ser o que se quer, a questão de colocar em prática toda a teoria romântica que cerca a cultura start up, vai além de utilizar a mesma linguagem de programação, tem mais haver com ação!

O time de engenharia não é o único que deveria ser agile

Em minha experiência, trabalhei em todos os sentidos para ser mais ágil, seja estudando os princípios ágeis, aprendendo e ensinando, mudando cultura, fazendo reuniões citando termos como grooming, daily, sprint planning , dentre outros . Porém quando presenciei a área de vendas e design trabalhando juntas, times diversos nas mesmas reuniões compartilhando os mesmos objetivos, o rh fazendo print planning, veio em minha mente, que realmente algo aqui é diferente! Todas as áreas transformam-se em participantes atuantes dividindo conhecimento, fazendo planejamento que resulta na criação real de sinergia de que a empresa precisa para ser ela em si um só time com um objetivo em comum, sem espaço para ruídos.

RH

Sim RH é faz parte desse time, é parte importante da empresa, e tem o poder de trazer a paz celestial ou guerra infernal rs. Vi a galera usando o Confluence para a documentação de todos os processos com a mesma preocupação que eu documento os meus softwares, percebi que é diferente do que estou acostumado a ver, o resultado são processos para novos colaboradores totalmente automatizados e rápidos, tudo feito para ser acessado facilmente na ferramenta. Eu fiz minha realocação de forma eficaz e tranquila, dentre os motivos, com certeza o RH integrado é uma delas, e de fato uma grata surpresa pois quando a cultura é forte ela é disseminada em todas as áreas.

Um outro ponto que me surpreendeu foi presenciar o time de RH e design participando de Hackthons, meetups, e apresentações junto com o resto da empresa, e eles mandaram muito bem, com boa presença e boas ideias. Dê autonomia para as pessoas e áreas que elas vão te surpreender.

Usabilidade + Engenharia

Difícil de explicar, mas times que lidam com o cliente como taxonomia, ui e seo precisam de maturidade e este é o melhor combustível. Não vi nenhuma ação mirabolante ou diferente, vi uma maturidade na comunicação entre equipes, em uma empresa com o mesmo diretor, vi equipes fazendo o mesmo sprint planning e compartilhando o jeito de trabalhar, o que diminui o conflito entre equipes. As vezes falha? Acredito que sim, mas existe um modo de contornar, com maturidade e uma cultura de empatia.

No mesmo contexto aponto para DevOps/Agile/Management 3 que não irão resolver problemas culturais.

3 — Diversidade cultural existe.

A realidade é: só existem homens em empresas de tecnologia ou melhor dizendo se só há homens em empresas de tecnologia elas são medíocres.

Vamos falar de diversidade, por padrão quando pensamos nos benefícios de um ambiente multicultural pensamos em times mais criativos e inovadores, de fato a ideia tem sua verdade, porém existe outro benefício que para mim é muito mais importante, esses ambientes normalmente são construídos com pessoas de mente mais aberta o que acaba diminuindo ruídos e problemas relacionado a empatia interna da equipe, um ambiente mais respeitável. Não digo que irá criar um ambiente eticamente perfeito pois temos vários exemplos de escândalos por abusos em várias camadas das empresas do Vale do Silício (e em outros lugares claro), mas temos protestos referentes a esses abusos e o mundo tem se posicionado mais ativamente.

Agora o meu único ponto contra ambientes multiculturais é se a empresa não estiver preparada para ser “diversificada” cuidado, pois se não houver cautela no tratamento de problemas como posições religiosas/políticas, haverá entraves na comunicação.

4 — Nem tudo são flores

Excesso de auto-promoção

Um ponto que percebo é a extrema auto-promoção, repetida e por vezes excessiva. Empresas do Vale do Silício adoram se autopromover, seja externo ou interno, fazem conferências, meetups, chamam todo mundo para conhecer e “ se mostrarem”, falam sobre seus produtos, mostram um mundo perfeito, as vezes induzem uma idolatria ao ponto de mesclar o nome da empresa com o nome da pessoa como se quisessem fazer surgir uma nova versão daquele colaborador.

Se você pensa que a auto promoção é somente para os clientes, engana-se é também para os funcionários, mostram o quanto é bom trabalhar no Vale, e quanto você é um cara de sorte em trabalhar aqui. Não consigo distinguir se isto é bom ou não, se eu for pensar naquele filme “ O circulo” diria que há opiniões diversas, pois pode ser uma pegadinha para os novatos, sonham demais e quando a realidade chega, e ela chega, ainda haverá grandes empresas e também grandes problemas.

Bem longe de ser perfeito

Bem longe de ser perfeito, saudável e um lugar tranquilo para se trabalhar. Se fizer uma pesquisa rápida encontrará várias notícias sobre cobrança excessiva, concorrência, rotatividade, problemas políticos e gerentes ruins. Grandes empresas tiveram, tem e terão problemas, é difícil escalar se será relacionado a ruído cultural, falta de habilidades políticas ou outro motivo, mas cada um é único em suas vantagens e desvantagens falando das empresa do Vale, e sendo realista é impossível manter todos felizes com as mesmas regras e cultura.

Relembrando uma regra importante, sozinho irei rápido e junto iremos longe, mas não necessariamente rápido.

Longa jornada

Esta é a primeira parte, a próxima irei falar sobre as impressões sobre machine learning e data-drive em tudo que vi. E como São Francisco está caminhando como um centro de empreendedorismo, o suporte que o Estados Unidos oferece e como se tornar um desenvolvedor no Vale do Silício.

Obrigado e até a próxima!

Felipe Klerk Signorini
SRE

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