O que penso da greve dos caminhoneiros

O movimento dos trabalhadores (e das empresas?) de transporte rodoviário bagunçou posições à direita e à esquerda, numa coisa que começa a parecer com um 2013 invertido

Felipe Silveira
3 min readMay 27, 2018

Quando a greve dos caminhoneiros começou, uma pessoa próxima estava muito preocupada e eu disse a ela que não havia motivos para tanto. “Quando o negócio ficar feio, o governo vai usar a força e desbloquear as estradas, como faz com qualquer manifestação de esquerda”. Isso foi na terça-feira. Na sexta, quem estava preocupado com os rumos da coisa, torcendo para que acabasse, era eu. Explico minha posição aqui.

Nunca fui adepto do “quanto pior, melhor” e do caos como motor da mudança. Não sei se dá pra dizer que isso é de natureza, mas é como se fosse. Das manifestações que participei (todos os anos desde o final da adolescência), o tensionamento sempre me deixou incomodado. Olhava para os lados e via os colegas muito empolgados com aquele momento. Não sem medo das consequências, mas com certa “desenvoltura” naquelas situações. Sentia-me, então, um pouco deslocado, mas sem achar que aquilo estava errado ou era desnecessário. Pelo contrário, sempre considerei necessário e importante esse tensionamento entre patrão/governo/autoridade e trabalhadores/manifestantes.

Porém, sempre entendi que essa situação é pontual. Uma greve de trabalhadores na indústria ou no serviço público, por exemplo, força uma negociação com o patrão, que está tendo prejuízo enquanto não senta para negociar. A ideia de um caos social total e prolongado me perturba demais e não consigo achar “certo”. Acho que é uma irresponsabilidade muito grande colocar cidades e sociedades em uma situação dessa natureza, onde pode morrer gente, pessoas podem perder coisas importantes e ficarem sujeitas a situações degradantes (na TV, vi uma senhora que andou mais de duas horas para chegar ao trabalho, por exemplo).

Parte da esquerda, e até acho que é a maior parte, se empolga com situações “insurrecionais”. Nos primeiros dias do movimento dos caminhoneiros, parecia que quase ninguém queria cravar uma opinião sobre a coisa. Na quinta-feira, quando o governo anunciou o acordo, parece que a coisa mudou e esquerda e direita começaram a disputar o movimento. À esquerda, as palavras de ordem eram/são greve geral, e pelo fim da Nova Política de Preços da Petrobrás. À direita, redução de impostos e intervenção militar. Consenso entre os dois, um novo clássico: Fora, Temer! Ah, mas não o único. Os dois lados são contra o uso de forças de segurança contra o movimento dos caminhoneiros, inclusive quem defende a intervenção militar.

E aqui chego num ponto que fica bem caro pra mim, pelo posicionamento crítico que sempre tive sobre as Forças Armadas e pelo trauma que ela deixou ao povo brasileiro. Apesar disso, com pesar, eu acredito que a projeção de força é necessária nessa situação. Isso não significa, em hipótese alguma, violência contra qualquer caminhoneiro. Projeção de força é diferente de violência, embora a violência possa decorrer da projeção de força. Porém, os caminhoneiros já falaram que não estão dispostos a resistir, no sentido de ir para o pau. Eles pretendem continuar a realizar paralisações e manifestações em outros locais se forem obrigados a se deslocar. Eu defendo a projeção de força porque acredito que é tarefa de qualquer governo, incluindo um desgoverno como o de Michel Temer, garantir que o caos não reine nas cidades, e isso só vai acontecer se as cargas chegarem aos seus destinos.

Ainda sobre as possibilidades de um #ForaTemer, alvo de fé geral da nação, não acredito em hipótese alguma. Não tem greve geral ou intervenção que tire o homem de lá antes da eleição. No entanto, acho que esse processo pode ser bem perigoso para o futuro do país, com o fortalecimento das posições mais retrógradas e o crescimento da pior direita nas eleições. Não tenho dados para sustentar esse achismo, mas fiquei com essa sensação após ver a reação da população ao movimento, ressuscitando a massa #ForaDilma. Não tem como sair coisa boa disso.

Por fim, não acho que os caminhoneiros estão errados. Vim de uma família de caminhoneiros e cresci perto de famílias de caminhoneiros da minha igreja. Acho que a profissão é muito cruel, representativa desse Brasil desigual que esgaça brasileiros e brasileiras. Tampouco acho que o Temer tá certo, obviamente, e derrubá-lo, junto com o projeto entreguista que ele representa, é a coisa certa e necessária. Porém, o caos gerado pela greve dos caminhoneiros é um meio que não é justificado pelo seu suposto fim.

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