Santos Exemplos — Capítulo I

Fellipe Fraga
9 min readOct 13, 2019

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Eles eram homens comuns, sem nada aparente que os justificasse entrar para a história. Pescadores, cobrador de impostos e até um bravo inimigo acabaram por fazer parte da história da humanidade. A nova série do Saber Teológico fala sobre os Apóstolos — Santos Exemplos de Homens Comuns.

Esses estudos tomam por base, essencialmente, dois livros: “Apóstolos — A verdade bíblica sobre o apostolado”, de Augustus Nicodemus Lopes; e “Doze homens extraordinariamente comuns”, de John MacArthur.

Antes de nos confrontarmos com a vida e a morte desses homens, precisamos anteriormente saber o que significa o termo “Apóstolo”.

O livro do Reverendo Augustus Nicodemus objetiva esclarecer quem foram os apóstolos, porque receberam essa nomenclatura e o que de fato é o apostolado segundo a luz da Palavra. Logo na introdução do capítulo I (p. 23 e 24), encontramos detalhes interessantes a respeito do uso do termo no Novo Testamento.

“O termo απόστολος, “apóstolo,” ocorre 81 vezes no texto grego do Novo Testamento. (…) Destas ocorrências, 37 se referem claramente aos doze discípulos de Jesus, cujos nomes aparecem em várias listas, e que foram pessoalmente chamados por ele. O termo também é usado cerca de 17 vezes para se referir a Paulo, quer por Lucas no livro de Atos, quer pelo próprio Paulo em suas cartas. Outras pessoas são referidas como apóstolos cerca de 14 vezes. Em 11 referências não é claro a quem o termo é aplicado. E há em torno de 3 referências ao dom ou ministério do apóstolo. A palavra “apostolado” ocorre 4 vezes, sendo 1 em Atos e 3 nas cartas de Paulo com o sentido do oficio ou cargo de apóstolo.”

Já a obra de John MacArthur trata sobre a história dos doze que primeiro caminharam com Cristo, incluindo aí Judas Iscariotes.

Falaremos assim sobre a vida de cada um deles, não restringindo ao estudo de MacArthur, mas alcançando Paulo e até mesmo Matias, que veio a substituir Judas.

A origem antiga dos “enviados”.

A Bíblia é clara:

Ao amanhecer, chamou seus discípulos e escolheu doze deles, a quem também designou como apóstolos: (…) — Lucas 6:13 (NVI)

O próprio Cristo definiu doze dentre aqueles que já o seguiam como seus enviados diretos. Chamados pelo Mestre para ir e servir.

Bem antes de Jesus, a palavra grega era empregada especialmente para expedições marítimas militares, emissários para um povoado, ou mesmo seu comandante (LOPES, op. cit., p. 24). Ou seja, eram enviados oficiais, representantes autorizados, que tinham legitimidade para falar no nome do seu soberano.

Jesus, contudo, falava aramaico. No mundo judeu, existiam os shaliah, cujo significado também é “enviado”. Em Israel, essa representação autorizada é relata nas Escrituras. Josafá, rei de Judá, conforme relata o livro de II Crônicas:

No terceiro ano de seu reinado, ele enviou seus oficiais Bene-Hail, Obadias, Zacarias, Natanael e Micaías para ensinarem nas cidades de Judá. — 2 Crônicas 17:7 (NVI)

Esses enviados foram mediante determinação direta de Josafá, por sua vontade, o que os qualificava a receber, pela Septuaginta, a nomenclatura de apóstolos (LOPES, op. cit., p. 24). Em outros momentos, o envio (de shaliah) se referiam aos profetas de Deus. Desta forma, os apóstolos de Cristo ultrapassaram esse conceito, que não se limitavam ao envio de uma mensagem, mas com um caráter escatológico da chegada do Reino.

Os apóstolos sucedem aos profetas do antigo testamento, já que falam para o povo da parte de Deus, tiveram suas falas registradas, tinham autoridade para tal. Assim, aqueles dotados do dom de profetizar não são os sucessores dos profetas veterotestamentários.

Lopes, concluindo (p.37–38):

O conceito de apóstolo no Novo Testamento tem origem em Jesus, que o usou para designar doze de seus discípulos, aos quais deu determinações, antes e depois de sua morte e ressurreição. Os contornos desta função foram determinados por fatores que podem ser encontrados no judaísmo do século I e nas Escrituras de Israel. Primeiro, Jesus certamente estava familiarizado com a ideia de representantes autorizados, algo conhecido no mundo de sua época, bem como do conceito que aparece no Antigo Testamento de pessoas formalmente enviadas por uma autoridade para realizar uma missão em um local diferente, com poderes de representação e ação, como se fosse a própria autoridade que o havia enviado. Segundo, ao designar os seus apóstolos, Jesus parece tê-lo feito nos moldes do chamado e da missão dos antigos profetas de Israel, que eram tidos como enviados de Deus para falar as suas palavras com autoridade. Escutá-los era escutar a Deus. Da mesma forma, recusá-los era recusar a Deus. É aqui que encontraremos o fundamento para o argumento de que os apóstolos foram os sucessores dos profetas como canais da revelação de Deus. Terceiro, Jesus demonstrou ter consciência clara de ser enviado do Pai, nos termos do Messias, do Servo do Senhor, anunciado pelos profetas. E, em termos similares, ele também envia seus discípulos ao mundo, seus apóstolos

Caravaggio — La vocazione di San Matteo

A escolha dos primeiros Doze

Os apóstolos já seguiam a Cristo. Eram — como muitas vezes a Bíblia nos relata — seus discípulos, alunos, aprendizes. Andavam com ele, e foram por eles designados para um chamado específico (MACARTHUR, op. cit., p. 15). Vendo que as tribos estavam perdidas, tal qual uma ovelha sem pastor, Cristo separou os seus e os enviou a levar a mensagem.

Estes são os nomes dos doze apóstolos: primeiro, Simão, chamado Pedro, e André, seu irmão; Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão; Filipe e Bartolomeu; Tomé e Mateus, o publicano; Tiago, filho de Alfeu, e Tadeu;
Simão, o zelote, e Judas Iscariotes, que o traiu. — Mateus 10:2–4 (NVI)

Os apóstolos serviriam para julgar as tribos de Israel, subjugando seus líderes que de nada adiantavam. Jesus os criticava, e é nessa crítica que está o relato de Lucas.

Os seus doze discípulos seriam os líderes desta nação espiritual, agora composta de judeus e gentios de todas as partes do mundo, unidos pela fé no Messias. Jesus estava falando da sua igreja, o Israel espiritual. Esta é a razão para o número doze. (LOPES, idem, p. 42)

LOPES, op. cit., p.45

A ordem dos nomes possui uma curiosidade interessante: nas quatro listras encontradas com o nome dos apóstolos (Mateus 10:2–4, Marcos 3:16–19, Lucas 6:13–16, Atos 1:13–26) em todas elas o nome de Pedro aparece em primeiro.

A missão dos doze apóstolos antes da ressurreição de Cristo era estar com ele — sendo essa a principal tarefa para aprendizado, pregar o Reino, chamar ao arrependimento e utilizar dos poderes que lhes foram conferidos para curar e exorcizar.

E aqui que os doze se destacam dos demais discípulos. Os doze recebem diretamente de Jesus a autoridade e o poder espirituais que ele próprio havia recebido por ocasião de seu batismo, da parte de Deus Pai (M t 3.13–17; cf. Lc 4.1,14). Da mesma forma que ele havia sido ungido e enviado pelo Pai, conforme a profecia de Isaías (Lc 4.16–21), agora ele unge (concede autoridade) e envia os doze após uma noite em oração. Como vimos no capítulo 1, Jesus concebia o envio dos apóstolos em termos do seu próprio envio da parte do Pai. Jesus os escolheu em doze e os designou para estarem com ele, para pregar e para exercer autoridade sobre os demônios e curar os doentes (M t 10.1; Mc 3.13–15; Lc 6.12–13). Estas eram as responsabilidades gerais dos doze nesta primeira fase do seu apostolado. (LOPES, idem., p.46)

Após a ressurreição, são designados para algo maior. Partem para o mundo, seguindo o que hoje chamamos de “grande comissão”. Foram comissionados pelo Mestre, ressurreto, a realizar a tarefa que hoje nós, cristãos espalhados pela terra, seguimos — ou deveríamos seguir.

Após a sua ressurreição, Jesus ampliou o escopo da missão dos doze. Eles agora deveríam ir ao mundo todo, começando de Jerusalém até os confins da terra, como testemunhas de sua ressurreição, para fazer discípulos, pregando o arrependimento de pecados a todas as nações, batizando os que cressem e ensinando-os a guardar tudo o que Jesus lhes havia dito. (LOPES, idem., p.49)

Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo — Mateus 28:19 (NVI)

Os apóstolos deveriam ter visto a Cristo ressurreto.

Isto não quer dizer que todos os que viram o Cristo ressurreto naquela época se tornaram apóstolos, pois Paulo menciona uma lista de várias testemunhas da ressurreição que não estão incluídos entre os doze e nem são chamados de apóstolos, como os quinhentos irmãos a quem Jesus apareceu (IC o 15.6). Mas, para ser parte dos doze, esta era uma das condições. O ponto a considerar é que, segundo o apóstolo Paulo, ele foi o último a quem o Cristo ressurreto apareceu: “E, afinal, depois de todos, foi visto também por mim” (IC o 15.8). Não encontramos nos registros canônicos que depois de Paulo mais alguém tenha reivindicado ter visto Jesus depois da ressurreição, nem mesmo pessoas como Timóteo, Tito, Lucas, Marcos ou outros dos colaboradores dos apóstolos, que inclusive escreveram alguns dos livros do Novo Testamento. (LOPES, idem., p.51)

Além disso, foram os apóstolos que lançaram os fundamentos da Igreja, sendo a morte e ressurreição de Jesus os mais importantes.

Estas verdades sobre a pessoa e a obra de Jesus Cristo representam o alicerce sobre o qual se ergue o edifício da igreja cristã. Coube aos apóstolos lançar estes fundamentos pela pregação, estabelecimento de igrejas e ordenação de presbíteros para edificarem sobre o fundamento por eles estabelecido. É assim que Paulo descreve seu ministério na primeira carta aos Coríntios:”… lancei o fundamento … e outro edifica sobre ele. Porém cada um veja como edifica. Porque ninguém pode lançar outro fundamento, além do que foi posto, o qual é Jesus Cristo” (IC o 3.10–11). Neste sentido, resta evidente que o trabalho dos doze e de Paulo já cessou, uma vez que os fundamentos da igreja já foram “postos” desde o século I, Não precisamos mais de apóstolos para lançar os fundamentos da igreja cristã, mas de pastores e mestres que edifiquem sobre eles. (LOPES, idem., p.52)

Alguns deles deixaram cartas e relatos do evangelho, sendo os escritos apostólicos de vital importância. Bem como, sinais e prodígios com o poder outorgado por Cristo. Como bem aponta, Nicodemus, os sinais e maravilhas também foram distribuídos pelo Espírito Santo a todos, sendo parte dos dons, mas primeiramente foram os apóstolos que o receberam.

Por isso é preciso que prestemos maior atenção ao que temos ouvido, para que jamais nos desviemos.
Porque se a mensagem transmitida por anjos provou a sua firmeza, e toda transgressão e desobediência recebeu a devida punição, como escaparemos nós, se negligenciarmos tão grande salvação? Esta salvação, primeiramente anunciada pelo Senhor, foi-nos confirmada pelos que a ouviram. Deus também deu testemunho dela por meio de sinais, maravilhas, diversos milagres e dons do Espírito Santo distribuídos de acordo com a sua vontade. — Hebreus 2:1–4 (NVI)

Os apóstolos detinham a prerrogativa do que Nicodemus chama de concessão do Espírito Santo, que o faziam pela imposição de mãos. Foi por meio dos apóstolos que os samaritanos e gentios receberam as mesmas experiências que os apóstolos receberam durante o pentecostes.

Filipe, um dos sete, mesmo tendo evangelizado Samaria e realizado sinais e prodígios, não tomou para si a prerrogativa de impor as mãos sobre os samaritanos que haviam crido. Ele solicitou a presença dos apóstolos para tal (At 8.14–16), pois este ato representava a entrada oficial dos samaritanos na igreja. (…) A descida do Espírito sobre os gentios da casa de Cornélio, durante a pregação do apóstolo Pedro, de forma similar ao acontecido em Samaria, representou a aceitação oficial dos gentios na igreja de Cristo (At 10.44–47; 11.15–18). (LOPES, idem., p.55).

Ainda, eram quem exercia a liderança em Jerusalém, a primeira etapa do ministério apostólico no início da Igreja. Era Jerusalém o centro do trabalho, de onde saíam os apóstolos para as suas missões.

Todos esses fatores destacam partes das diferenças dos apóstolos verdadeiros para os demais e para os que pretendem usurpar esse título, apossando para si em autonomeação com afã de receberem condão de autoridade frente aos fiéis que os seguem.

Os enviados de Cristo devem ser para nós inspiração, e conheceremos ao longo dos estudos mais a respeito deles, seus exemplos, e como sua vida nos ensina a aplicar importantes princípios para a nossa caminhada com o Senhor.

Non nobis, Domine, sed nomini tuo ad gloriam.

Em Cristo,

Fellipe Fraga.

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Referências:

¹ LOPES, Augustus Nicodemus. “Apóstolos : a verdade bíblica sobre o apostolado”. São José dos Campos, SP . ed. Fiel, 2014.

² MACARTHUR JR., John. “Doze Homens Comuns: a experiência das primeiras pessoas chamadas por Cristo para o discipulado”. São Paulo, SP. ed. Cultura Cristã, 2004.

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