Maracanazzo: a revolta da torcida e a derrubada da estátua

Um fato sobre a Copa do Mundo de 1950 que poucos recordam diz respeito a derrubada do busto do general Mendes de Morais, prefeito do Rio à época, que ficava localizado na entrada principal do estádio. Após a derrota para o Uruguai na final, torcedores insatisfeitos atacaram a estátua, levando-a ao chão. O protesto freou os planos do político de dar seu nome ao estádio, e o vazio deixado com a destruição do monumento permitiu que, alguns anos depois, pudéssemos ter em seu lugar — ainda bem — a estátua do capitão do primeiro título mundial, Bellini.

Fellipe Soares
4 min readAug 4, 2020

O tema da derrubada de estátuas e monumentos públicos esteve nos holofotes, nos últimos meses. Aproveitando o momento, lembremos de uma história sobre a Copa do Mundo de 1950, que nem sempre é contada.

Notícia do Jornal dos Sports, de 10/06/1950, informando sobre a estátua e as solenidades de inauguração do estádio.
Notícia do Jornal dos Sports 10/06/1950, informando sobre as solenidades de inauguração do estádio e da estátua.

Durante os preparativos para a inauguração do Maracanã em 1950 — à época chamado de Estádio Municipal -, foi inaugurada uma estátua do então prefeito da cidade do Rio de Janeiro, o general Angelo Mendes de Morais, localizada na entrada principal do estádio. O feito, ao que tudo indica motivado pelo próprio político, deveu-se ao fato de sua relevante participação nas decisões sobre a construção do estádio na então capital federal. Inclusive, houve todo um movimento para batizar a nova praça esportiva do país de “Estádio Mendes de Morais”, sendo assim chamado em algumas ocasiões na imprensa esportiva da época.

Porém, viria a derrota na final da Copa do Mundo para os uruguaios. O Maracanazzo foi um misto de tristeza, silêncio e revolta. Apesar do “espiríto de civilidade” dos brasileiros diante da derrota ter sido bastante elogiado na imprensa, não foram poucos os registros de distúrbios provocados por alguns torcedores mais exaltados. Foi em meio a conturbada saída do público do estádio, após o apito final, que alguns insatisfeitos atacaram, até derrubar no chão, a estátua de Mendes de Morais. As manifestações ufanistas do general, que davam como certa a vitória brasileira, tratando-a como mera obrigação, devem ter sido um dos motivos para tal ato. O fato é relatado no livro “O Rio que corre para o Maracanã”, de autoria da historiadora Gisella Moura, a mais importante produção acadêmica sobre a história da construção do estádio, e também pelo jornalista Teixeira Heizer em “Maracanazo: tragédias e epopéias de um estádio com alma”, um livro repleto de crônicas sobre a final da Copa de 1950. Há indícios de que, possivelmente, o busto de Mendes Morais tenha ido parar dentro do rio Maracanã…

Imagem retirada do livro “O Rio que Corre para o Maracanã”, de Gisella Moura.

“A torcida que testemunhara o desastre histórico frente ao Uruguai, desforrou-se da inferioridade técnico-tática diante de Obdulio Varella e seus comandados, desafiando a resistência da obra colossal. Ardiam incêndios de pequena monta pelas arquibancadas, sanitários quebrados, além de outras danificações de menor importância. Mais de 200 mil pessoas foram se retirando, murmurando impropérios contra tudo e contra todos. Afortunadamente, a revolta — por maior que tenha sido — estava longe de destruir o estádio, então orgulho dos brasileiros. De relevo para a história, a cabeça da estátua que insistia, teimosamente, em boiar nas águas fétidas do riacho poluído” (Teixeira Heizer)

O “legado” desse “protesto” dos torcedores revoltados com a perda do título para os uruguaios foi significativo. Os planos de apropriação e uso político do estádio e do futebol por parte do general, acabaram indo quase que literalmente “por água abaixo”. O projeto de nomear o estádio com o nome de Mendes Morais não se sustentou, sendo, em 1966, oficialmente batizado de Estádio Mário Filho, em referência ao dono do Jornal dos Sports, devido a sua importância também na construção do estádio. Além disso, é válido lembrar que o vazio deixado, após a destruição do busto do ex-prefeito do Rio, foi muito bem preenchido pela estátua do capitão Bellini, inaugurada em novembro de 1960, em justa homenagem ao primeiro título mundial da seleção, dois anos antes.

Estátua do Bellini, em frente ao portão principal do Maracanã.

--

--