Q&A com Gestores de Fundos Brasileiros — Vitor Péricles de Carvalho

femisapien
15 min readApr 21, 2020

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Fale um pouco sobre você, sua estratégia e sobre o(s) fundo(s) que gerencia:

Minha paixão pelo mercado financeiro começou quando ainda estava no meio do meu curso de Física, na USP, em 1997. Até então eu queria ser físico por puro ideal, por pura paixão, ainda que as possibilidades de mercado para o Físico, no Brasil, fossem bem restritas naquela époc (espero que isso melhore, algum dia). Em 1997, tomei contato com uma simulação promovida pelo centro acadêmico da FEA-USP com o patrocínio da Broadcast, e que era aberta à participação de estudantes de outros institutos, e resolvi participar. Para um Físico, a forma como preços de ativos flutuam pode ser especialmente interessante, até porque o universo de análise é bastante amplo, e resolvi me aprofundar naquilo. Em 1998 larguei a Física, e fui estudar Economia na FEA-USP. Minha experiência profissional, contando meu primeiro trabalho na Rosenberg & Associados que foi breve, mas repleto de aprendizados, já vai para 20 anos. De lá para cá tive minha própria consultoria, trabalhei como trader na tesouraria do Bradesco na mesa proprietária, trabalhei na Tokio Marine Seguradora como Coordenador de Investimentos, trabalhei na Ativa Corretora de Valores como broker de ações, títulos públicos e derivativos, e em 2014 me associei ao Edson Ribeiro, na Laic, para ajudá-lo com o desenvolvimento da gestora e estruturarmos fundos multimercados. Estou na Laic desde 2014, e atuo como Estrategista, encarregado no auxílio ao Edson na gestão dos fundos bem como no trabalho de análise de ativos e de cenários macroeconômicos.
Na gestora, oferecemos a possibilidade de gestão de carteiras administradas e de fundos abertos e exclusivos. Atualmente, temos clientes nas três modalidades, em carteiras administradas, em fundo exclusivo e em fundo aberto. Estamos reestruturando nosso fundo aberto para atuar em segmento de varejo, com menor carência para resgates e aplicação mínima reduzida, além da colocação do fundo em plataformas de algumas corretoras. Devemos ter novidades nesse sentido logo mais. Este fundo está com rentabilidade positiva de 26% em 2020, até o momento.
Minha cabeça, seja pela minha formação, seja pelas características das profissões pelas quais passei, é muito mais macro, no trabalho de gestão de recursos e análise de cenários, do que micro. Com isso, percebo como vantagem comparativa, no meu trabalho, o direcionamento dos meus esforços em asset allocation direcionado a portfólios com características de multimercados, ou hedge funds, que exploram diversas classes de ativos em um escopo de trabalho orientado a explorar cenários prospectivos em prazos mais longos. Minha metodologia é sempre top-down em absolutamente tudo, desde a forma de analisar economia e mercados, até nos trabalhos internos de gestão de recursos.
Tenho 45 anos de idade e pretendo trabalhar por outros 45.

Quais suas referências em termos de outros gestores? Quem são seus ídolos?

Não costumo formar ídolos. A última pessoa próxima à figura de um ídolo que tive foi durante minha juventude, mais de 30 anos atrás. Era um piloto de Fórmula 1, que depois passou pela Fórmula Indy e que já se aposentou há algum tempo. Ele era conhecido pela alcunha de “Leão”, e era frequentemente envolvido em vários acontecimentos polêmicos. Mas sua tenacidade, sua audácia e valentia, em quase a totalidade das vezes completamente destemida, sempre me chamaram a atenção, e foram valores que procurei trazer para a minha vida em todas as áreas. Neste sentido, Nigel Mansell foi o mais próximo de um ídolo que tive até hoje.
Na economia, no mercado de capitais, no meio acadêmico e assim por diante, sempre busquei referências e nutri admiração pelo trabalho e personalidade de diversas pessoas. Ainda durante a faculdade, quando tomei contato com os autores da Escola Austríaca de Economia, a admiração por Menger, Mises e Hayek foi imediata, estimulando a leitura e a adequação à forma de pensamento do liberalismo, da epistemologia e da filosofia da escola austríaca, em absolutamente tudo o que faço na minha vida. Na leitura de gestores e analistas, encontrei admiração nas pessoas de Jim Rogers, Marc Faber, George Soros, Russell Napier, Ray Dalio e especialmente no Stanley Druckenmiller, pessoa por quem nutro especial admiração. Todos esses são homens que, quando falam ou escrevem, tenho que parar para prestar atenção. Não poderia também deixar de mencionar outra pessoa por quem nutro grande admiração e fidelidade na leitura da sua produção literária, teórica e filosófica, que é o Nassim Nicholas Taleb. Taleb é, na minha opinião, um dos maiores pensadores da idade contemporânea no que diz respeito a risco, capitalismo, liberalismo econômico e desenvolvimento social, alguém que ainda está aquém de todo o reconhecimento que merece, mas que já conquistou seu lugar na história humana oferecendo propostas de quebra de paradigmas que serão absolutamente fundamentais para o nosso futuro como espécie.
No mercado doméstico, infelizmente, carecemos de maior desenvolvimento acadêmico e do mercado de capitais para que pessoas realmente dignas de nota possam aparecer e mostrar todo seu diferencial e potencial. Não há dúvidas que bons profissionais existem, assim como bons acadêmicos, mas o ambiente, infelizmente, não os favorece. Ainda há muito a ser feito. Quero destacar, entretanto, a afinidade que possuo, junto com outras pessoas, no âmbito do que ficou conhecido como “Juventude Pró Cautela”, uma confraternidade composta por alguns gestores e economistas, que possui como objetivo oferecer ao mercado uma visão menos atrelada a senso comum, mais independente e crítica, com mais desprendimento porém mantendo o maior rigor analítico possível, em assuntos gerais. Também sinto bastante admiração por você, Femisapien, pela força que possui na busca por seu espaço sob o Sol, por sua inteligência e honestidade intelectual com o que faz e com o que observa daqueles que fazem.

Qual seu livro de cabeceira?

Já tive vários livros de cabeceira. Atualmente estou relendo Duna, de Frank Herbert, um pouquinho por dia, antes de dormir. Outro que já foi meu “livro de cabeceira” é o conjunto de livros da Fundação, de Isaac Asimov. Tenho paixão pela boa ficção científica e Asimov é um gênio absolutamente pouco reconhecido, com uma produção que explora todo tipo de paradigma humano moderno de maneira absolutamente profunda e inovadora, à sua época. Já tive também algumas biografias como livro de cabeceira. Uma biografia que chamou bastante minha atenção foi a do Percival Farquhar, escrita por Charles A. Gauld. Acho essencial dar uma lida nela para entender um pouco melhor como o Brasil funciona desde a proclamação da República. Do Taleb dedico o Antifrágil como livro de cabeceira, até pela importância conceitual. Posso encerrar esta breve lista com Ação Humana, do Mises, e Prices and Production do Hayek. Mas acho muito pouco falar sobre livros de cabeceira em um universo realmente fascinante de livros os quais já tive a honra de poder ter e ler, bem como dos que ainda terei e lerei.

Qual foi sua “maior tacada”, qual o racional para o investimento e o que você aprendeu?

Vou enumerar duas, pois ambas foram igualmente importantes e relevantes para mim: short de S&P futuro no começo de 2008 e short de OGXP3 no começo de 2013. No caso do S&P futuro, em 2008, eu simplesmente estive cético durante todo aquele ano a respeito da capacidade de recuperação da economia americana e do sistema financeiro, subretudo depois que o Fed tentou ajudar o Bear Sterns e não conseguiu. Ainda que desde o começo do ano o Federal Reserve dissesse que não enxergava qualquer possibilidade de recessão da economia Americana, a grande realidade é que o mercado já vinha avesso a risco desde o primeiro semestre de 2007. Eu cheguei a comprar put de S&P para fechamento do ano em 1200 e ele bateu bateu quase metade deste valor em março de 2009. É claro que eu não esperava aquela crise, da forma como aconteceu, com o Lehman quebrando como quebrou e assim por diante, no começo do ano. Mas eu já havia virado o ano de 2007 para 2008 bastante bearish com EUA.
Quanto ao short de OGXP3, enfrentei todo tipo de contra argumento para ao short desde 2012, até mesmo daqueles analistas que me recomendavam ir ao RJ conhecer a empresa antes de “falar bobagens…”. Meu racional sempre foi o de que a empresa não teria sustentabilidade de fluxo de caixa para fazer frente ao grande endividamento e quebraria pelo lado financeiro, não pela inexistência ou não de petróleo em suas reservas, e simplesmente porque não daria tempo de pagar a conta. O resultado foi visto ao longo do 2013 e a situação da “empresa” até hoje. Para mim o maior aprendizado com estas tacadas é que muitas vezes os maiores ganhos no mercado financeiro levam muito tempo e testam sua tenacidade, convicção e força psicológica muitas vezes até começarem a dar alegria. Mas, como diz o Stan, quando você conquista o direito de estar posicionado grande naquele trade, pela reunião de todas as condicionantes agora favoráveis aos grandes ganhos, a experiência é verdadeiramente única.

Qual foi seu maior “mico”, onde você errou, o que aprendeu e o que faria diferente?

Eu não tenho por costume comprar ativos pouco líquidos, mesmo que, por valuation, a diferença entre preço e valor percebido seja muito grande. Eu sou um cara de “liquidez”, parto do princípio que mercado é condicionado por liquidez em quase a totalidade do tempo e que, se um ativo é ilíquido, ou pouco líquido, dificilmente conseguirei extrair valor daquele investimento a contento e em prazo aceitável, que justifique o carrego. Algumas pessoas conseguem, mas este não é o meu jogo e não é onde tenho vantagem comparativa, no meu entendimento. De qualquer forma, já passei por situações no exercício da minha profissão onde mesmo algumas posições em renda fixa acabaram se tornando “micos”. Isso acontece quando você se posicionou mal diante de reversões de cenário, e é muito desagradável. Tanto faz se você está long ou short, em instrumentos de renda fixa, nesse cenário, e o stop costuma ser bem desagradável. Nesse sentido, me lembro de ter comprado micos no mercado de NTN-B em alguns momentos pós crise de 2008 que acabaram me desgastando bastante, ou mesmo ficado tomado no DI futuro quando o mercado era claramente vendedor, não por um fundamento macroeconômico muito evidente, mas por simples questão de fluxo. O que eu aprendi em todas essas vezes é que não adianta teimar com o mercado a respeito de fundamento quando o fluxo é dado e é evidente. O mercado é soberano, como gosto de lembrar a todos, e ele vai na direção que tem que ir, sempre. O que eu faria diferente é justamente aplicar o que aprendi: respeitar mais o mercado e os fluxos, mesmo que o fundamento macro ou microeconômico passe a mensagem de que a posição contrária, a longo prazo, é mais assimétrica e vantajosa. Ou como disse André Jakurski em sua entrevista para o livro Fora da Curva 1 (que diga-se de passagem é excelente), estar certo na hora errada é estar errado.

Qual foi o momento mais difícil da sua carreira como gestor?
As dificuldades no exercício de gestão de recursos estão sempre presentes, em maior ou menor medida. Gerir recursos é ter que lidar com dificuldades o tempo todo. Não consigo imaginar uma atividade profissional, à exceção do médico, onde se fica tão evidentemente exposto a todos, diante de seus erros, como a atividade de gerir recursos de terceiros. Nos momentos de crise essas dificuldades são amplificadas e até o momento, na minha vida, o período de maior dificuldade foi realmente os meses que sucederam a quebra do Lehman Brothers. Na comparação de amplitude e força de movimentos de mercado, o que presenciamos agora em 2020 é comparável a 2008, ainda que, se não me falha a memória, chegamos a ter 12 circuit breakers em um único mês em 2008, e neste mês de Março de 2020 não chegamos a isso… Mas os efeitos econômicos oriundos da crise atual serão certamente piores, na minha opinião, de longe, do que observamos no pós 2008. Neste sentido, dificuldades adicionais poderão surgir para muitos gestores, investidores, bancos, fundos de pensão etc. O que foi mais difícil para mim em 2008 é que não havia como evitar a exposição que a seguradora onde trabalhei possuía em risco de crédito e em títulos públicos componentes de sua reserva técnica, que sofreram bastante naquela crise. Ainda que você tentasse proteger tudo tomando DI futuro, o hedge nunca saia perfeito e isso também não eliminava o risco de crédito no segmento de crédito privado. Foi bem difícil e uma experiência repleta de aprendizados que, sem dúvida alguma, me tornaram um profissional muito melhor. Na Laic estivemos bem posicionados desde janeiro de 2020 para lidar com uma possível reversão de cenário esse ano e tanto o fundo aberto, como as carteiras administradas de clientes, tiveram seu patrimônio não só bem protegido como com rentabilidade positiva.

Como você gerencia risco no fundo? Como você controla na prática os principais riscos: de mercado, de crédito, de liquidez, legal, reputacional? Utiliza na prática as métricas tradicionais (VaR, testes de stress, volatilidade, correlação, Sharpe, Sortino)?

Somos bem “caretas” na Laic. A Laic lida com risco legal e reputacional desde sua origem, quando ainda pleiteava adesão ao código da Anbima e deixou claro em seu business plan e questionários de due diligence que não possuia interesse em trabalhar com PEP, RPPS, nem operar crédito privado. Aliás, com relação a crédito privado, somos bem avessos à idéia de alocação de crédito privado em um portfólio de um fundo multimercado, por exemplo, pelo fato de que no nosso entendimento o custo de análise necessário para ter confiança na análise de crédito é muito alto vis a vis o alfa gerado sobre o benchmark com esta modalidade de investimento. Buscamos sempre a alocação em ativos líquidos negociados em bolsa ou títulos públicos soberanos líquidos. Para controle de risco de mercado as metodologias adotadas pela Laic são as mesmas reconhecidas e utilizadas pela grande maioria dos demais participantes do mercado financeiro, notadamente pelos reconhecimentos acadêmico e prático em larga escala de utilização. Nas parametrizações que adotamos na Laic, as metodologias norteadoras das limitações de exposição dos portfólios dos fundos é o VaR paramétrico estimado por média móvel ponderada exponencial e o intevalo de confiança que adotamos é de 98%. Podemos utilizar, conforme determinado em nossa Política de Risco, métodos distintos de cálculo como delta-vega normal, Monte Carlo ou simplesmente pelo Histórico. Também adotamos teste de stress para simulação do comportamento dos portfólios de acordo com diversos cenários, como cenários de descontinuidade e de stress dos diferentes fatores de risco. O limite de stress pré-estabelecido é de 50% para a totalidade dos fundos geridos pela Laic e não por classe de ativo, para as quais não existe essa limitação. Por fim, determinamos como threshold de stop loss o limite de 5% do PL em base diária ou 10% do PL em 10 dias. Quando e se o stop loss é alcançado, um conjunto de medidas, de acordo com nossa política de investimento, é tomado para readequação do portfólio do fundo. Para o risco de liquidez, além da política de investimento bem restritiva no que diz respeito a crédito privado e obrigatoriedade de negociação de ativos de bolsa ou balcão organizado, no caso de títulos públicos federais, seguimos manual próprio de acordo com os códigos da Anbima e limitamos a liquidez de acordo com a carência do fundo e um colchão que, normalmente, fica em tamanho não inferior a 10% do PL. Na minha vida pessoal, sempre adotei como regra de dedo, aquela que serve para acender uma luz vermelha a respeito de qualquer posição em um ativo, a perda de 10%. É uma regra simples, utilizada por muitos investidores, em decorrência da exponencialidade da coisa: acima de 10% de perda, o ganho necessário para voltar ao patamar original, percentualmente, começa a se tornar explosivo. Até 10%, a equivalência praticamente se mantém. 10% é um excelente ponto para stop loss de qualquer posição.

Como você enxerga o cenário atual à luz da massiva recessão de curto-prazo contratada pelos efeitos da Covid-19, da atuação dos governos injetando liquidez nos mercados “como se não houvesse amanhã” em relação às consequências de tudo isso no curto, médio e longo prazos?

O cenário atual é o cenário mais disruptivo dos últimos 80 anos. É a maior contração de PIB, experimentada pela maior economia do planeta, os EUA, desde a grande depressão. Talvez seja a maior contração de PIB, em um ou outro país, em mais de um ou dois séculos, em termos percentuais e em intervalo de tempo tão curto. Ou seja, a economia global levou uma martelada que marcará para sempre essa geração, vítima da maior pandemia desde a gripe espanhola, portanto nos últimos 102 anos. Paralelamente, me arrisco a dizer que a OPEP acabou, ou perdeu completamente a relevância enquanto cartel de uma commodity outrora da maior importância. E tudo isso acontece em um mundo vítima de uma guerra fria perfeitamente aberta e declarada entre EUA e China, que estão em constante polarização do mundo. Em minha opinião é simplesmente impossível voltarmos à normalidade anterior e penso que a disrupção é tão grande que também não temos como determinar como será a próxima normalidade, depois que houver uma vacina para este vírus e toda a humanidade tiver condições de se imunizar com segurança. Da maneira mais objetiva que consigo refletir sobre o assunto, penso que a cesta de consumo das pessoas deva mudar bastante, privilegiando muito mais a qualidade de vida, a saúde, a higiene, a preservação dos ecossistemas, do que o consumismo que marcou os baby boomers, a geração X ou os millenials. O ser humano tende a se tornar mais econômico, dispensando de vez a propriedade de meios de transporte privados ou mesmo imóveis próprios, privilegiando mais a liquidez e, quem sabe, até promovendo algum tipo de êxodo urbano, buscando menores aglomerações e o home-office (o que para mim inclusive é algo muito positivo, pois nunca fui fã das reuniões intermináveis e supérfluas que marcam o ambiente corporativo). Atividades comerciais de alta aglomeração também podem ser mais comprometidas daqui para frente e o turismo terá que, literalmente, ser reinventado, levando tudo isso em consideração. Do ponto de vista macroeconômico, infelizmente, observo que a adoção das medidas atuais, e nas magnitudes atuais, não levam à criação de base sustentável de crescimento econômico de longo prazo. Não vejo como a deterioração fiscal em massa, em todos os países, possa expandir produto potencial ou mesmo criar bases para que isso ocorra. Pelo contrário, tornarão o setor privado cada vez mais refém de uma repressão financeira, em um ambiente onde haverá a obrigatoriedade do financiamento público por parte de investidores privados, que obterão baixa rentabilidade nesta atividade. O endividamento será explosivo, tanto público quanto privado. Tudo isso irá pressupor a continuidade de taxas de juros muito baixas mas também restringirão crescimento econômico mais acelerado. A menos que haja algum trigger que provoque pressões inflacionárias muito importantes, acho difícil que se observe maior dinamismo econômico nas próximas décadas, depois de tudo isso. O mundo está se tornando, cada vez mais, escravo dos Tesouros Nacionais e para mim isso não tem final feliz.

Como enxerga o cenário para o Brasil no curto, médio e longo prazos?

No curto prazo vejo uma economia emergente absolutamente vulnerável, vítima de um problema político de difícil resolução considerando os players atuais, marcada pelo embate institucional entre os três poderes, com um respaldo absolutamente polarizado pela sociedade que só serve para agravar tudo isso ainda mais. Pela pandemia, este problema político acabou sendo presenteado com medidas fiscais que tornarão, a médio e longo prazo, a trajetória de endividamento público absolutamente temerosa, acompanhada de deterioração na percepção de risco soberano e aumento do juro real neutro. Isto seria mais facilmente equalizável com uma expansão de produto potencial que, no meu entendimento, será de muito difícil obtenção a médio e longo prazo. Trata-se de um país de baixa produtividade do capital e da mão de obra. Ou seja, minhas perspectivas para o Brasil, pelas condições atuais, não são as melhores. Se já existia dificuldade para a implementação de ajuste fiscal previamente a esta crise, será muito mais difícil alcançar o tipo de ajuste fiscal necessário após a mesma, com uma arrecadação que certamente estará mais comprometida. Há grande chance desta tempestade perfeita ser acompanhada por repique inflacionário nos próximos meses/anos, que eu já era esperava em alguma medida antes da Covid-19 pelo fechamento de hiato de produto em 2020, mas que agora foi agravada pela forte depreciação do Real e pelo aumento significativo de custos de insumos e importados, bens que servem de oxigênio para boa parte de nossa matriz produtiva. “O inverno está chegando e a noite é cheia de horrores”.

Conte sobre um momento da sua carreira que se destaca — te inspira nos momentos difíceis, te faz lembrar do que realmente é importante, te orgulha ou te faz dar boas risadas ao lembrar.

Tive momentos que foram memoráveis, para mim, na Tesouraria do Bradesco. Apesar do ambiente tenso, como é próprio pela importância desta área em um Banco deste tamanho, sempre encontrávamos oportunidade para momentos de descontração, coisa que nosso chefe, o Alfredo Menezes, sempre fez questão de tentar proporcionar. O mercado é suficientemente difícil e tenso por si, sobretudo quando você trabalha com metas agressivas, de tal modo que saber aproveitar momentos onde a descontração é possível, é fundamental e um grande aprendizado. Neste sentido, posso me lembrar de episódios naquele banco que me fazem, até hoje, rir sozinho. Agora, um momento que jamais irei me esquecer foi quando passei a madrugada acompanhando a apuração da eleição de Donald Trump, com o Edson, enquanto operávamos para o fundo em uma conta do fundo no exterior, o que nos permitia operar no overnight. Estávamos bem posicionados para um crash, com puts de S&P e venda no S&P futuro e exposição em Yen do Japão, as maiores posições. Antes do pronunciamento conciliatório do Trump tivemos oportunidade de zerar tudo, creio que ao redor das 3h30 da manhã, com grandes ganhos para o fundo nestas posições, e foi ótimo, pois a partir do dia seguinte, por muito tempo, o mercado se tornou bem bullish. Tivemos ganhos expressivos naquele dia e lembrar-me disto, dos ganhos que conseguimos alcançar em um único dia, apesar do stress e da perda de sono, é algo que traz grande satisfação e orgulho.

Vitor Carvalho é gestor na Laic Gestão de Recursos e membro fundador da Juventude Pró-Cautela.

Voce pode segui-lo no Twitter: @VPCRelator

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