Convivendo com Gremlins
Em março de 2019, Julie Zhuo (aka VP de Product Design do Facebook) publicou seu primeiro livro, “The making of a manager: what to do when everyone looks to you”.
Nem pensei. Fui lá e comprei.
Antes de prosseguir: isto não é uma resenha.
Para algo mais estruturado, há esse artigo ou o Design Better Podcast .
Na minha cabeça, pareceu curioso este ter sido o primeiro livro especificamente sobre Gestão que tive realmente vontade de comprar pra ler. O fato de ser escrito pela Julie Zhuo tornou-o mais próximo e ajudou a quebrar uma barreira que eu mesma não percebi que havia construído.
Fiz minha transição para a Gestão de Design há uns 3 anos. Lidero hoje uma parte da equipe de UX Design da globo.com, alocada em diferentes times e projetos. Ao longo desse período, a empresa apoiou minha transição de Colaboradora Individual para Gestora de equipes e projetos: participei de diversos treinamentos, estudei pacas e concluí uma especialização em Gestão de Negócios (ah, estamos contratando ❤).
Ao receber a notícia da promoção, fiquei super feliz com o reconhecimento. E totalmente aterrorizada com o desafio que viria adiante — como se, na mesma hora, brotasse no meu cérebro uma horda de Gremlins descontrolados.
Acontece que esse negócio não vem com um manual, sabe?
Meus primeiros movimentos foram cambaleantes, na falta de palavra melhor. Eu tentava criar uma rotina diferente da que conhecia até ali, a partir da observação dos meus pares, dos meus superiores, das teorias que aprendi nos treinamentos. Mas tudo parecia tão esquisito… Eu parecia tão esquisita.
Sofria em silêncio, tentava segurar os Gremlins que agora tocavam o terror na minha cabeça 24h por dia. Ficava na minha e tentava seguir. Afinal, como abrir isso a meus pares, que pareciam estar no controle do que estavam fazendo? Aos designers que, até uns dias atrás, eram meus colegas e agora tinham virado meus reports?! Ao meu chefe?! 🤦🏻♀️
Não é fácil contar essa parte da história, mas acho que me esquivei de refletir mais profundamente sobre a prática da Gestão porque, conscientemente ou não, queria uma desculpa boa pra justificar que estava patinando.
Mas aí eis que chega Julie Zhuo, bambambam do Design no Facebook, escrevendo coisas desse tipo:
There were so many instances where I didn’t feel experienced enough, farsighted enough, empathetic enough, determined enough, or patient enough. As a result, projects faltered. Misunderstandings festered. And people I cared about left feeling like I let them down.
Zhuo, Julie. The Making of a Manager (p. 255).
Não sei bem descrever o alívio que foi ler coisas desse tipo.
Então era tudo… normal?!
Por que ninguém falou isso antes?
Não sei, mas agradeço a esta mulher que decidiu falar.
O livro nasceu de sua própria busca por um guia básico, com dicas e exemplos de como organizar reuniões, one-on-ones, ter conversas difíceis, etc. pra quem estivesse começando essa jornada na gestão.
The reason why I wanted to write this book now is I realized this is the book that I could write now, and it would probably turn out better than if I wrote it in 10, or 15, or 20 years because I still really remember what it’s like to be a new manager, the emotions of that anxiety, of that uncertainty, feeling like an imposter day in and day out, having all those questions, feeling like I had to prove myself, letting my ego get in the way of various decisions.
Julie Zhuo se preocupou não apenas em dizer o que é ou não é o trabalho de gestão: ELA ESCREVEU O MANUAL!
(palmas lentas, lagriminha no canto do olho)
O-bri-ga-da 🙏🏻
Entendi que essa é uma jornada muito particular e cada um entrando no mundo da gestão vai se deparar com coisas parecidas — ou totalmente diferentes. Num espírito de que compartilhar é aprender, vão aqui algumas das minhas notas:
- Turbulências e falhas realmente fazem parte do aprendizado. O desafio de verdade é entender o quão ok você estará com tudo (de bom e de ruim) que vai sentir pelo caminho. Você vai precisar se conhecer primeiro e essa parte vai te desafiar mais que qualquer projeto…
- O trabalho do gestor é muito mais sobre pessoas do que qualquer outra coisa. Reuniões são "o" trabalho e é preciso projetá-las para serem efetivas e produtivas. Conversas 1:1? São muitas e assim tem que ser! Eu achava que essa parte seria fácil porque um dos feedbacks que mais recebi é de que "sou boa com pessoas". Que nada: estabelecer uma conexão, criar confiança e realmente se entender na comunicação com o outro é difícil pa-ca-ce-ta.
- Compartilhar e conversar realmente funciona — inclusive com meu gestor! Ainda não me sinto 100% confortável com isso, mas to encontrando ouvidos bem generosos por aí :)
- Faz falta trocar figurinhas, especialmente com gestoras mulheres. Acho que há uma camada própria ao desafio da gestora mulher e sinto que essa deve ser a parte seguinte desta conversa.
E agora?
Passados estes primeiros anos, o livro acima e um esforço consciente para me entender e entender um pouco mais sobre as pessoas ao redor, posso dizer que o ofício da gestão já está mais mapeado e conhecido, embora ainda longe de estar dominado.
Talvez ele já não se apresente mais como os Gremlins incontroláveis, enlouquecidos e imprevisíveis que sequestravam minha paz de espírito. A essa altura, sei que não devo molhá-los ou alimentá-los após a meia-noite, embora ainda exponha-os à luz do sol de vez em quando, por acidente.
Ainda me sinto culpada por ter perdido tanto tempo nessa procrastinação emocional. Mas, como com reeducação alimentar ou exercícios, o negócio é começar a fazer e não sofrer por antecipação. Como já dizia o outro, “the journey of a thousand miles begins with a single step”. Né? 👀
Se você está em um momento parecido na carreira ou considerando uma transição para o caminho da gestão, “The making of a manager” é uma ótima aquisição. Talvez a melhor disponível pra ajudar a organizar o mapa pra esses primeiros anos, entender as práticas, o passo-a-passo, as falhas mais comuns e descobrir dicas importantes pra criar relações de confiança que vão fazer toda a diferença.
Vai fundo! :)
Como nada nessa vida a gente faz sozinho, agradeço muito a revisão e os comentários certeiros do querido Federico Arana, companheiro nessa jornada da gestão, e do meu parceiraço na vida e na arte, Bruno Vouzella ❤.
