Assédio Sexual: Precisamos conversar sobre esse assunto!

Monique Fernandes
9 min readJul 3, 2016

--

Na última sexta-feira, teve um texto que caiu como uma bomba para, nós, mulheres que trabalhamos com startups. Um texto que relata assédio e abuso sexual de uma mulher em um dos ambientes em que frequentamos. Mexeu tanto com todas as mulheres do mercado que trabalham com empreendedorismo digital, que estamos desde sexta discutindo e pensando em ações para evitarmos novos casos. Hoje, é véspera do meu aniversário e estou escrevendo um texto contra o machismo, ao invés da pauta de todo ano: um texto ameno, fazendo um balanço do meu último ano de vida e expectativas e desejos para o próximo ano que está se iniciando.

O Machismo desde a infância

Eu sofro com o machismo desde o meu primeiro dia de vida. Não é exagero! Há exatos 31 anos, no dia do meu nascimento, minha tia (irmã da minha mãe), chorou ao saber que eu era uma menina. Essa tia queria um sobrinho homem, pois ela tinha uma preferência clara por meninos. Como não tinham descoberto o meu sexo nas poucas ultras que se faziam em 1984/1985, ela acreditava, fortemente, que eu poderia ser um menino. Se decepcionou profundamente com Deus e a genética, por eu ter nascido mulher.

Meu pai sempre teve uma preocupação muito grande para comigo pelo fato de eu ser menina e dele saber como são os homens. Como fui criada pela minha avó, ela também sempre se preocupou. Por inúmeras vezes, eu escutei meu pai dizer que não queria que eu dormisse na casa da minha mãe e nem que eu ficasse na casa dela sem a presença da minha avó. Minha mãe trocava bastante de namorado e meu pai não sabia quem eram esses caras e o que eles poderiam fazer comigo. Machismo do meu velho? Sim! Mas prefiro pensar que ele estava tentando proteger a filha dele.

Minha avó ficou viúva muito nova, aos 51 anos. Eu tinha sete anos. Minha avó escolheu e repetiu, inúmeras vezes, que não colocaria nenhum homem em casa, pois eu morava com ela e tinha medo de que alguém abusasse de mim.

O Abuso Sexual

Mesmo com todo o cuidado e preocupação do meu pai e da minha avó para comigo, aos 11 anos eu sofri abuso sexual de um homem de 40 anos. Esse cara era namorado da minha vizinha. O abuso foi exatamente no dia da festa de aniversário de 40 anos dele. Eu sempre fui muito amiga do filho da minha vizinha, as famílias eram muito próximas. A minha “sorte,” foi ser no dia do aniversário dele, a casa estar cheia e o aniversariante não poder sumir. No fim, ele ainda disse que eu não podia contar a ninguém. Não preciso dizer o quanto esse homem virou meu pesadelo. Nós morávamos em casa, no subúrbio do Rio, com muros baixos. Por inúmeras vezes, quando eu via, ele estava no meu quintal, na minha janela e falava para eu abrir a porta. Acho que ele esperava a minha avó sair para aparecer. E eu sempre dizia que estava sem a chave.

Vocês não imaginam o alívio que eu fiquei quando a minha avó e a vizinha brigaram por algo que ele tinha feito, sem ter qualquer relação com o abuso que sofri. E a felicidade veio tempos depois quando a minha avó chegou em casa e falou: “Soube que a Fulana colocou o Beltrano daí para fora. Eles tiveram uma briga e acabaram!”

Como toda a vítima, eu cumpri o que o abusador pediu: fiquei em silêncio. Me calei por anos. Me calei até para mim. Passei a querer me esconder dos homens: usava roupas largas, pois não queria chamar a atenção para o meu corpo. Coloquei a história numa gaveta e fingi que nada havia acontecido comigo. Aos 18 anos, eu consegui contar para um primo que tenho, mas, mesmo fazendo terapia, não falava para a terapeuta.

Uns quatro anos depois, eu tive que tocar no assunto novamente. Era um sábado, estava saindo de um curso que fazia, ao lado desse local havia um supermercado e um ponto de táxi na porta do mesmo. Me deparo, em um dos carros parados, o abusador, dentro de um táxi. Ele era motorista de táxi e estava fazendo ponto no local. Os olhares se cruzaram. Eu vi que ele me viu. Ele viu que eu o vi. Me senti, novamente, a menina de 11 anos, acuada, assustada e, a minha reação foi sair correndo pela rua para fugir dele. Em nenhum momento, me passou pela cabeça de que eu tinha 21/22 anos e que estava na rua e que saberia me defender.

Nessa época eu estava noiva, e contei para o meu então noivo o que havia acontecido. Toda a história do abuso e o susto daquele dia. O que ele fez? Passou a me buscar todos os sábados no curso. E sempre me perguntava se o cara estava no ponto. Por várias vezes ele estava, mas como minha avó fala: “briga de homem cheira a sangue,” sempre disse que ele não estava lá.

Depois disso, eu levei anos para mexer de novo nessa história, até eu fazer um treinamento que mexeu com todas as minhas emoções, a partir daí, eu passei a falar abertamente sobre isso. Lembro que na época, eu disse que gostaria de fazer alguma coisa por mulheres que tivessem sofrido o mesmo que eu. O conselho que recebi de pessoas capacitadas foi para eu cuidar primeiro de mim, para depois eu ver como poderia ajudar. Comecei a falar para expurgar isso de mim. Meu pai nunca soube! Eu nunca contei para ele, apesar de hoje eu falar sobre isso no Facebook e nesse texto, eu não consigo sentar com o meu pai e falar sobre isso.

O machismo da sociedade hipócrita

O noivo protetor que me buscava no curso me trouxe alguns dessabores. Quem me conhece de perto sabe que essa é uma das primeiras coisas que conto quando conheço um amigo, contrato um funcionário novo, um cara que estou saindo. Sofri tanto preconceito por causa desse relacionamento que, eu resolvi tomar essa atitude: conto logo que conheço, porque se a pessoa for preconceituosa, nem me apego. Já corto logo da minha vida sem sofrer!

Eu o conheci na Igreja Católica, ele era seminarista. Nos apaixonamos e depois de muito conflito de ambos os lados (imagina, os dois muito religiosos, o quanto sofreram!), ele decide largar tudo para ficarmos juntos e casarmos. Eu fui do céu ao inferno em uma semana! Quando a igreja descobriu, eu fui extremamente julgada! EU, somente EU, ninguém mais! Eu fui a responsável pela escolha de vida dele. Eu fui a pecadora que o fez cair em tentação e viver em pecado. Fui proibida de entrar na minha paróquia, pessoas ligavam para a minha casa para me insultar. Meu orkut que tinha uma média de 5 a 10 pessoas visitando por dia, saltou para mais de 100 visitas. Da noite para o dia, eu tinha perdido a minha vida, meus amigos, minha religião, minha referência. Tudo o que eu queria era voltar no tempo, apertar o ctrl + z da vida e nunca ter aceitado o pedido de casamento que ele me fez. Era muito louco sentir isso, ao mesmo tempo em que eu estava apaixonada e queria ficar com ele.

O lugar que era para me acolher, me expulsou, me julgou, me execrou. Como dizia aquele primo que já citei acima: deveria ter uma foto minha, em cada sacristia do Rio de Janeiro, com a inscrição: “Procura-se: Ladra de Padre!”

A relação abusiva

Imagina uma mulher de 21 anos passando por todo essa situação, no fim da faculdade, entregando uma monografia. Ele é um cara extremamente machista. O clássico machista que sonhava em ter uma mulher amélia, que ficava dentro de casa, cuidando dos filhos. Sofri muito por querer ser independente. Sofri com o ciúme doentio dele. Tínhamos brigas todos os dias. Ele me proibia de falar com homens que ele cismasse. Implicava com roupas, lugares que queria ir, trabalho, e que, por muitas vezes eu cedi em nome de viver em paz. Outras vezes, comprei muitas brigas pela minha liberdade. Ele me agredia com palavras. Chegou um momento em que comecei a sentir medo. Até para acabar a relação, eu não sabia como fazer. E quando consegui sair desse cárcere psicológico, eu não sabia quem eu era, o que eu queria da vida. Eu tinha perdido a minha identidade. Passei a ter literalmente medo de homem.

Demorou um tempo para eu desfazer essa imagem que eu tinha dos homens. Mas, eu tive duas relações muito boas depois, de homens que me incentivaram muito, me fizeram crescer e perder o medo de me envolver. Esses dois homens mostraram que é possível ter uma relação saudável. É possível encontrar homens que ficam felizes com o seu sucesso e que te impulsionam. Aprendi que o normal é uma relação de parceria e não de submissão, anulação e competição.

O Machismo no trabalho

O meu último namorado, me levou para o ambiente de tecnologia e startups. Ele é desenvolvedor e esse é o ambiente dele. Eu me encantei por esse mundo. Os caras sempre foram muito respeitosos para comigo e nunca ouvi nenhuma gracinha de ninguém. Quando o nosso namoro terminou e eu mudei o status no Facebook, foi o momento em que descobri que eles não me respeitavam, mas respeitavam o cara que estava comigo. Passaram a vir como animais no cio para cima de mim. Eu, para me defender do que não queria (porque um “eu não quero” não basta para esses caras), eu passei a ser grossa, brava e mal educada. Já que simpatia era confundida com um “eu estou te dando mole.” Para me proteger, eu me masculinizei: passei a falar palavrões loucamente e agir como um dos caras.

Depois desse namoro e o que passei, decidi que nunca mais iria me envolver no ambiente de trabalho com ninguém. Até que depois de muitas pessoas próximas falarem que a possibilidade de eu encontrar alguém no trabalho era muito grande e eu poderia estar desperdiçando oportunidades, eu resolvi me abrir para o novo. Conheci um cara, que não está envolvido na panelinha do ecossistema. Um risco bem fácil de ser controlado. Chequei se ele poderia vazar a história, como ficaria a minha imagem e decidi tentar. Saímos duas vezes, uma pessoa soube e perdi um contrato de trabalho pelo simples fato de ter saído com esse cara. Nem preciso dizer que voltei a meu lema antigo: “onde se ganha o pão, não se come a carne.”

Por inúmeras vezes, eu ouvi, de homens, frases como essas: “Monique, você precisa seduzir os caras para fechar contrato. Não precisa dormir com ninguém, mas eles precisam pensar que um dia você pode fazer isso!”, “Você precisa usar saias quando for a uma reunião com um homem,” “Você fica ridícula de batom vermelho. Mulher tem que usar batom claro!”, e muitas outras frases clássicas!

O machismo nas mulheres

Só os homens são machistas? Claro que não! Nós também somos. Fomos criadas numa sociedade machista. Até hoje ouço da minha avó que “essa roupa está muito curta,” ou “esse decote está muito grande. Você vai ser agarrada na rua.” Tem horas que me pergunto se, no caso dela, é machismo, ou proteção? Já que ela foi jovem na década de 50/60. Ela viveu um machismo muito mais forte do que eu vivo hoje.

Os homens também são vítimas do machismo? Sim! Nós temos comportamentos machistas para com eles. Por exemplo: um cara não querer ficar contigo e você questionar se ele é gay. Não, ele não é gay, só não quer ficar com você. O homem não pode falhar, ele tem que estar sempre ereto e pronto para transar. Canso de ouvir amigos reclamando disso comigo. Se eles não querem, são gays, ou não estão cumprindo seu papel de homem. Isso é machismo!

É machismo quando achamos um segurança bonito no metrô (aqui ainda tem um caso maior de preconceito: pessoas bonitas não podem ser seguranças?), tiramos uma foto dele, sem autorização, postamos nas redes sociais, achamos o perfil do cara e começamos a assediá-lo e não respeitar o fato dele ter namorada. Isso também é machismo! Isso também assédio. Isso também é abuso!

Por fim…

Quem me conhece, sabe que não concordo com muitas posturas dos movimentos feministas que hoje existem e, digo abertamente: eles não me representam! Eu sou feminista, sim! Brigo pelo meu espaço, pelos meus direitos, mas não odeio homem. Não sou feminazi. Mas eu odeio comportamentos machistas. E vou brigar contra isso!

Eu não quero mais ter que escutar amigas minhas dizendo que foram estupradas pelo namorado, amigas comemorando quando descobrem que estão grávidas de menino (porque menina sofre muito), e outras lamentando por estarem grávidas de meninas, pois sabemos como o mundo funciona. Não quero mais ter que passar por isso. Não quero ter quer ouvir que eu fico ridícula de batom vermelho, porque homem não gosta de mulher que chama mais atenção que ele. Eu quero que nenhuma mulher mais se cale! Eu não vou mais me calar!

É… esse ano não fiz um balanço do último ano de vida, mas fiz da vida inteira! Foi necessário, pois precisamos questionar os modelos de mundo em que vivemos. Só assim, conseguiremos evoluir. Precisamos mudar o nosso comportamento para com o outro, para mudarem para com a gente. Como dizia Mahatma Gandhi: seja você a mudança que deseja no mundo! É isso que desejo nesse novo ano que inicio no dia 4 de julho!

--

--

Monique Fernandes

Brazilian journalist Tagarela founder. Entrepreneur, TechLover & travel addicted. Cook & eat is ur favorite task. She’s also a passionate Jiu-Jitsu practitioner