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Como o Jiu-Jitsu tem me ajudado com o Transtorno Alimentar

Monique Fernandes
7 min readApr 10, 2018

No último texto eu falei sobre o fato de conviver com transtorno alimentar boa parte da minha vida. Falei que é uma luta diária em não cair nas armadilhas que o cérebro cria para repetirmos um comportamento. No último ano, eu tenho lidado melhor com essa questão e graças ao Jiu-Jitsu. Nos próximos dias, completo 1 ano praticando a arte suave e muitas mudanças aconteceram na minha vida: algumas perceptíveis para quem convive comigo, outras nem tanto. Então, resolvi escrever sobre como o esporte impactou essa área da minha vida que não é pública. Calma, que esse não é um texto para te convencer a “ouvir a palavra do Jiu-Jitsu e te converter para a ‘minha religião!’” É um texto para contar a minha experiência e, em nenhum momento, vou te dizer como você deve agir em relação a sua vida.

Eu nunca fui uma pessoa amante da prática de exercícios físicos. Como disse no outro texto, sempre fui uma criança ativa, mas tive uma adolescência sedentária. A verdade que é isso não mudou com a chegada da idade adulta e muito menos, com a anorexia. A minha grande questão nunca foi o fato de me movimentar, isso eu sempre gostei. É só perguntar aos meus amigos como eu gosto de colocá-los para caminhar longas distâncias! O que eu odeio é a monotonia da repetição de séries nos ambientes fechados das academias de musculação. Sempre gostei mais das chamadas atividades coletivas, como aeróbica, dança, boxe e por aí vai. Além de atividades ao ar livre. Houve um tempo em que pratiquei corrida de rua para descarregar a energia acumulada devido ao estresse de trabalho. As corridas eram esporádicas, só em momentos bem tensos que eu calçava o tênis e saía correndo. A verdade é que, por anos, eu fiquei no modo sedentária!

E você se pergunta: como eu fui parar no Jiu-Jitsu se era sedentária? Eu tive uma questão pessoal muito forte no início do ano passado, que me fez procurar especificamente a arte suave. Mas isso vale outro texto! Comecei treinando duas vezes na semana. Porém, eu fui tomando gosto pelo esporte e, quando vi, minhas noites estavam preenchidas pelo Jiu-Jitsu. Já contei, também, que nunca me preocupei com a minha alimentação. Eu sempre me preocupei com o peso que a balança me dizia que eu tinha. Então, mesmo com a anorexia controlada, o transtorno alimentar está aqui e é uma luta diária.

Quando comecei a treinar Jiu-Jitsu, eu ía apenas com o almoço no estômago, sendo que entrava na academia às 19h. Depois, vi que não me fazia bem treinar assim (afinal, treinar com vertigem não é legal!). Então, passei a comer qualquer coisa antes de ir para a academia. Quando eu digo qualquer coisa, é qualquer coisa mesmo: coxinha, joelho, churros e até pipoca. Alimentos nada saudáveis! E claro, isso também, não estava me fazendo bem.

O processo de mudar a alimentação

Pela primeira vez, eu havia cansado de “comer errado” e pular refeições. O estômago começou a reclamar e, então, eu comecei a procurar comer coisas realmente saudáveis. Optei por uma tapioca ou pão integral na chapa antes do treino. E tudo estava indo muito bem até que eu comecei a entrar mais cedo na academia. Para quem já estava treinando de segunda a sexta de 19h às 20h, eu passei a treinar de 17h às 20h. E, com isso, o corpo não conseguia recuperar de um dia para o outro. Eu tinha um cansaço enorme. Acordar era difícil e não conseguia mais treinar no mesmo ritmo de quando havia começado a praticar o Jiu-Jitsu. Estava todo o dia na academia, mas não conseguia fazer dois ou três treinos seguidos de seis minutos como eu costumava fazer. Foi quando eu lembrei que sempre tive uma deficiência de ferritina (o estoque de ferro no corpo) e resolvi voltar à minha nutricionista que não ía de 2014.

Na primeira consulta, a nutri já me passou suplementos manipulados para pré-treino e pós-treino que auxiliaram muito no meu desempenho dentro do tatame. Na primeira semana já estava mais disposta. Costumo brincar que, se era placebo, funcionou bem! Quando retornei à nutricionista com os exames de sangue vi que além da deficiência de ferritina (já esperada) existia uma de Vitamina D. Além de uma baixa de Vitamina B12 que é bem importante para quem pratica atividade física. Além de suplementar as vitaminas deficientes, a minha dieta foi toda montada para dar a energia necessária para a atividade que pratico.

Praticar atividade física faz bem ao corpo e todo mundo sabe. Mas, nunca imaginei que, me ajudaria a lidar melhor com o meu emocional!

Dessa forma, eu comecei a treinar melhor e ficar mais disposta. Com mais disposição para treinar, eu queria continuar a comer dentro do plano alimentar que a minha nutri tinha me passado. Recentemente, eu li o livro “A Sutil Arte de Ligar o Foda-se.” Uma das coisas que o autor fala é sobre motivação para realizar uma tarefa. Ele explica que você não precisa de inspiração para ser manter motivado. Você precisa de ação! Sim, você precisa começar, agir, sair da inércia. Depois de começar, com os resultados, o seu cérebro “cria” a motivação para continuar. E vi como isso funciona na prática: a minha alimentação estava melhorando o meu rendimento. Estava dormindo melhor, rendendo melhor dentro do tatame, sem crises de refluxo, logo, eu tinha incentivo e motivação para continuar a seguir a dieta.

Na primeira fuga da dieta, durante as festas de fim de ano, eu entendi o que acontecia com o meu corpo: lentidão, enjoos, sono agitado, cansaço etc. Com as consequências ruins, pelo fato do meu corpo não estar mais acostumado com os excessos, eu não tinha mais incentivo para fugir da dieta. Como o Jiu-Jitsu foi a única atividade física que me conquistou de tantas que experimentei ao longo da vida, eu quis me dedicar a melhorar os meus resultados, para isso entendi que eu preciso me alimentar para chegar onde quero. Não posso me entupir de calorias numa refeição e ficar mais de 10 horas sem me alimentar, como fazia antes.

O tabu do peso

Um outro ponto importante que o Jiu-Jitsu tem me ajudado é a falar sobre o meu peso. Quando eu pesava 49 quilos, eu adorava isso, mas não divulgava com medo das pessoas dizerem que estava anoréxica. Toda vez que alguém falava que eu estava magra demais, eu soltava: “estou nada. Eu peso 50 quilos!” As vezes variava a reposta para 51 ou 52 quilos. Isso dependia de com quem estava conversando, do dia, da minha insegurança! O inverso acontecia quando eu estava acima do peso, sempre dizia que pesava menos do que realmente pesava. Dizer o peso real para quem tem distorção de imagem é um problema e tanto. Só que tem sabe a dificuldade que é. É muito maior do que aquela mentirinha que as mulheres sempre contam sobre o peso. A ponto de eu ser proibida por psicólogo de ter uma balança em casa. Senão, eu entro na neura de me pesar todos os dias, ou após cada refeição.

Aí, eu resolvi praticar um esporte em que os atletas são imbuídos a competir. Os competidores, mesmo os amadores como eu, são divididos em categorias de idade e peso. Então, já pode imaginar que dieta, peso, altura e idade são assuntos recorrentes numa academia de artes marciais, além, claro de chaves e estrangulamentos. A pergunta que mais ouço é: “Quanto você pesa?” Essa é uma pergunta muito natural dentro do tatame, enquanto no ambiente civil, essa pergunta é taxada como, no mínimo, indiscrição, para não dizer falta de educação.

Vocês podem imaginar o tamanho da minha surpresa, na primeira vez em que ouvi essa pergunta feita, com enorme naturalidade, na academia. Entendi que era pelo âmbito da competição, para compreender força e até como “casar” adversários. Confesso que, responder essa questão, nos primeiros meses de treino, era algo que me incomodava muito. Era estranho dizer meu peso real para as pessoas. Com o tempo e quanto mais eu falava o meu peso para as pessoas, mais fácil ficava falar sobre ele.

Durante quase um ano de Jiu-Jitsu, eu engordei 4 quilos. Sim, o peso na balança aumentou. E para a Monique de um ano atrás, eu estaria desesperada com isso. Mas, com o acompanhamento nutricional, eu consegui saber que essa alteração na balança foi ganho de massa muscular. E esse tem sido um outro importante exercício nessa jornada do transtorno alimentar, subir na balança a cada dois ou três meses, entender que a alteração de peso é boa, pois estou ganhando músculos. Consigo me controlar para não entrar nos longos jejuns para diminuir peso. Estou conseguindo visualizar que apesar da balança marcar uma coisa, o meu braço está afinando e a minha barriga diminui. Posso dizer que essas pequenas vitórias são enormes para uma pessoa que estava com os ossos da bacia estufados, mas quando se olhava no espelho, se enxergava gorda.

Hoje, eu entendo, quando dizem que Jiu-Jitsu é muito mais do que uma arte marcial, que traz benefícios para todos os setores da vida. Tudo o que mais quero é manter o meu corpo saudável, para ter uma mente saudável, que vai me levar a uma vida cada vez mais saudável e equilibrada.

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Monique Fernandes

Brazilian journalist Tagarela founder. Entrepreneur, TechLover & travel addicted. Cook & eat is ur favorite task. She’s also a passionate Jiu-Jitsu practitioner