Vamos falar de Transtorno Alimentar, Compulsão Alimentar e Anorexia

Monique Fernandes
8 min readMar 29, 2018

Tem questões que são difíceis de admitir para a gente, imagina para outras pessoas. Foi bem difícil admitir para mim que tenho transtorno alimentar. Falar sobre isso abertamente ainda é difícil. Pois bem, eu tenho e desde o início da minha adolescência eu travo uma grande batalha contra a balança. Na verdade, é uma luta contra mim mesma e contra a minha mente e o fantasmas que ela cria.

Muitas pessoas acham um absurdo eu lutar contra a balança. Sempre escuto das pessoas ao meu redor: como pode querer emagrecer e viver de dieta se você é magra? Mas lidar com os fantasmas que a minha mente cria, não é nada fácil.

Essa história começa na minha infância: sempre fui uma criança magra. Sabe aquele magra saudável? Nada de esquálida. Porém, sou de uma época em que gordura era sinônimo de saúde. O bonito era uma criança gordinha, criança magra era doente. Eu sempre fui uma criança muito ativa: ía e voltava da escola todos os dias caminhando, vivia correndo com os meus irmãos e primos e sempre me alimentei de frutas, verduras e legumes. Sendo assim, justificava eu ser magra: o metabolismo trabalhava sozinho! Na fase da pré-adolescência, meu pai sempre falava que eu estava magra demais e começou a me entupir de Sustagen (algo que foi muito útil, pois descobri uma alergia ao produto! Rs). Essa fase de alteração hormonal, aliado ao meu pai me entupir de complemento alimentar, somados à questões psicológicas (uma alienação parental e um abuso sexual), desencadearam um sobrepeso bem considerável para uma pré-adolescente.

O primeiro choque!

Lembro quando eu comecei a perceber as alterações de peso, foi aos 11 anos. Passei o mês de dezembro de 95 de férias em Brasília na casa da minha tia, com os meus primos. Nesse período de férias a minha alimentação virou uma bagunça: McDonald’s quase todos os dias, bolos, sorvete e sobremesas bem calóricas e muitos passeios em shoppings e o meio de transporte oficial era o carro. No início de janeiro, de volta ao Rio, tinha um aniversário para eu ir e resolvi colocar o vestido que usei no Réveillon. O bendito não cabia mais em mim. Foi uma cena meio desesperadora para uma pré-adolescente: no calor do verão carioca, a minha avó tentando fazer o vestido escorregar pelo meu corpo. Aquele vestido que só tinha usado uma vez, não entrava mais. Coloquei uma outra roupa mais folgada e fui para a festa. Naquele momento, acendeu uma luz amarela para mim. Procurei, por vontade própria, um endocrinologista para uma dieta. Como de praxe para iniciar qualquer dieta, ele me pediu uma bateria de exames. Ao voltar na consulta, tomei uma baita bronca: minha taxa de triglicerídeos estava 562. Precisava urgentemente fazer algo pela minha saúde, mas, aos 11 anos, não temos muita noção dos riscos que corremos em nos entupirmos de gordura. Adolescente sempre acredita que tem toda vida pela frente. Se vê quase como um Highlander!

Confesso que, naquela época, a minha preocupação era totalmente estética e não conseguia emagrecer, porque estava descontando todas as minhas questões emocionais na alimentação. Aos 12 anos, medindo 1,50m pesava 66 quilos. Esse foi o mais longe que o ponteiro chegou na minha balança. Baixava um ou dois quilos e eu ía comemorar no Bob’s ou McDonald’s. Com essa mesma idade, descobri uma má formação congênita no coração e, nem isso, me trouxe a consciência de uma alimentação saudável. Só sabia comer para compensar minhas frustrações e ansiedades. Era um festival de pacotes de biscoitos recheados e batatas Ruffles acompanhadas de catchup para assistir sessão da tarde. Para mim, o cúmulo do absurdo foi o dia em que, logo após terminar de jantar um prato de nhoque, eu saí para comer um pastel enorme com a minha vizinha. Isso tudo sem fazer atividade física alguma, pois o coração não permitia. Nesse período, eu procurei diversos endocrinologistas buscando um milagre, como, por exemplo emagrecer dormindo; afinal, esse é o sonho de todas as pessoas que desejam perder peso! E um deles me deu o que eu queria: receitou remédio para emagrecer aos 15 anos. E isso me levou 6 quilos em 1 mês. E ali me mantive até os 17 anos.

Com 14 anos, na minha formatura da 8ª série: camisetas da Side Play com estampas do Piu-Piu, calça Jeans larga e um sapato de salto alto (que não aparece direito na imagem), era minha vestimenta comum na época.

Nessa fase, eu me escondia atrás das roupas. Usava as mais largas possíveis: calça jeans cargo, camisetas T-Shirt alguns números maiores. Detestava as roupas mais justas, pois estas marcavam o corpo. Eu queria me esconder. Queria esconder o meu corpo. Não tinha vestidos no meu armário. Não tinha roupas que julgamos "femininas." Andava de cabelo preso, sem brincos e sem batom para não chamar a atenção. No ensino médio chegaram a espalhar um boato na escola de que eu era lésbica por andar assim. Queria não chamar a atenção de ninguém pela gordura e por motivos que já expus aqui em outro texto.

Com 17 anos e pensando 60 quilos

Isso tudo era cruel demais com uma adolescente. Um desses diversos endócrinos que fui na adolescência, foi o mais importante para mim: uma médica, com cara de louca, que antes de pedir para eu entrar no consultório, chamou a minha avó. O que elas conversaram até hoje não sei, mas quando eu entrei, ela me ouviu e disse que eu precisava de um acompanhamento psicológico. Fui a única vez que fui nessa médica, mas ela foi a mais marcante nessa minha trajetória. Afinal, eu fui atrás da terapia e a fiz por dois ou três anos ininterruptos. E isso foi a única coisa que deu resultado nesse processo de emagrecimento. Aos 17 anos, eu comecei a emagrecer naturalmente. Saí da terapia. E, foi ali que, eu fui para o outro extremo da régua: entrei na anorexia

A Anorexia

Eu comecei a gostar de emagrecer, estava perdendo um quilo por semana. Então, comecei a ficar paranóica com isso. Passei a contar calorias e coloquei na minha cabeça que precisava comer 1200 calorias por dia. Se conseguisse 1000 calorias, melhor ainda. Eu passei a calcular tudo o que consumia durante um dia. Isso era de uma neurose que vocês nem imaginam. Se eu atingisse a minha meta às 15h, eu não comeria mais nada até o dia seguinte. Ficaria à base de água. Exatamente isso: fiquei algumas vezes à base de água. Não tomava café da manhã, só almoçava e fazia um lanche simples por volta das 18h. Sim, somente duas refeições por dia. Em seis meses saí dos 60 quilos para 49. Foram 11 quilos eliminados rapidamente. E eu ía ficando feliz com a imagem no espelho a cada quilo perdido. Quando cheguei aos 49 quilos, era somente cabeça, olhos, boca, peitos e ossos. E continuava me vendo gorda. Tinha uma balança em casa e me pesava todos os dias. Não podia aumentar cem gramas naquela balança. O desespero batia e cortava o que não tinha mais para cortar.

Lembro da vez que o médico que me acompanhava desde criança disse que precisava pesar 55kg. Eu disse que ele estava louco e que queria me ver gorda. Isso aos berros dentro do consultório e morrendo de raiva dele!

Admitir um transtorno desses é complicado demais. Perdi as contas das crises de hipoglicemia, as quedas de pressão e das vezes que quase desmaiei. Das vezes que parei no médico por conta das consequências da Anorexia. Escutar de um médico que você está com anorexia não é fácil. Eu não enxergava isso, logo, não admitia. Lembro da vez que o médico que me acompanhava desde criança disse que precisava pesar 55kg. Eu disse que ele estava louco e que queria me ver gorda. Isso aos berros dentro do consultório e com raiva dele!

Com 19 anos e pesando 49 quilos

Foi um longo e dolorido processo que vivi, até que, em 2009, eu passei a me permitir comer um pouco mais. Mesmo no breve período em que trabalhei com confeitaria, por volta de 2006/2007, eu não provava e comia nada do que fazia. Em 2009 dei uma grande guinada na minha vida, voltei para a terapia e fui tratar essa questão. Foi somente, aos 25 anos que admiti que tive anorexia e que tenho transtorno alimentar. Sim, tenho! E é libertador admitir isso. Infelizmente não tem cura. A gente controla. A gente trata. A gente faz acompanhamento psicológico, mas não cura. A qualquer momento eu posso tanto entrar na compulsão louca por comida, quanto o exagero de não me alimentar para emagrecer. Depende do gatilho emocional ativado. E, por mais que eu esteja magra, eu não me vejo magra. E distorção de imagem é complicado demais: eu me olho no espelho e não me enxergo magra. Me enxergo gorda!

Até hoje tenho questões com o espelho. Até hoje não gosto de comprar determinadas roupas. No período da anorexia passei a comprar roupas que sempre quis, mas nunca comprei por não aceitar e gostar do meu corpo. Roupas um pouco mais justas e que marcam mais o corpo passaram a fazer parte do meu dia a dia, porém, colocar a barriga de fora ainda é uma barreira. Ano passado, comprei um cropped e, confesso que, usá-lo ainda não é uma constante na minha vida.

Já escutei de algumas pessoas que isso não existe e que é frescura. Tenho certeza de que ainda vou escutar que isso é frescura. Que distorção de imagem não existe. Que não tem essa de não se enxergar como é na frente do espelho, mas só quem tem sabe. Assim como qualquer outra doença provocada pela mente, só quem vive sabe o quão difícil é. Enfrento um desafio diário com os meus monstros. Faço a acompanhamento nutricional e procuro cuidar da minha alimentação. Busco priorizar minha saúde física junto com a mental. E procuro falar dessa questão com amigos, pois eles tem olhos melhores do que os meus. Eles estão em alerta para qualquer sinal de que o distúrbio esteja fora de controle. Pois eu, não tenho discernimento para saber quando estou em crise ou não!

Se você tem pessoas ao seu redor dizendo que você tem uma questão de compulsão, anorexia, ou até mesmo bulimia, conselho: ouça e procure ajuda! A chance de você realmente estar com um distúrbio é bem alta. Quando estamos dentro do problema, não conseguimos enxergá-lo. Então, acredite em quem está de fora. Se estão te alertando, é porque querem o seu bem!

--

--

Monique Fernandes

Brazilian journalist Tagarela founder. Entrepreneur, TechLover & travel addicted. Cook & eat is ur favorite task. She’s also a passionate Jiu-Jitsu practitioner