Por Fernando Castilho

Era uma típica manhã de inverno em Moscou. O céu estava encoberto e o vento frio, cortante, castigava as janelas do Kremlin.

Wladimir Putin havia dormido bem aquela noite. Sonhara que era verão, estava de bermudas, o Sol já estava alto e a piscina de águas límpidas, convidativa.

Abriu a janela, viu a paisagem cinza e percebeu que acordara. Fim do sonho. Se quisesse nadar um pouco teria que ser na piscina aquecida do palácio. Muito chato.

Logo o mal humor se instalou nele.

Fechou a janela, deu meia volta e tropeçou nas pantufas. Caiu com o nariz na pele de urso que fazia as vezes de tapete. Soltou um palavrão e rogou uma praga.

O ajudante de ordens entrou no aposento trazendo o café. Estava frio.

Putin esmurrou a mesa com raiva. Nada dá certo por aqui? Mandou executar o pobre homem.

Enquanto aguardava o café quente, tentou se acalmar e refletir. Precisava extravasar sua ira, exorcizar os demônios que tinham tomado sua mente naquela manhã.

De repente, gritou: UCRÂNIA!

Sim, ordenaria que seu exército invadisse a Ucrânia para aplacar seu mal humor. Em seguida, dominaria todos os demais países da Europa e, mais tarde, todo o planeta!

Deu um sorrisinho maligno dos tempos da KGB.

Tirando a galhofa, é essa a impressão que a mídia ocidental tenta vender. Putin, um sanguinário, um novo Hitler, o bicho-papão, invadiu a Ucrânia somente para dominar o mundo.

E não só os brasileiros, mas todo o Ocidente acredita nisso.

É preciso que o novo herói do mundo, Volodymyr Zelensky, juntamente com a OTAN, destruam Putin.

Vamos voltar um pouco no tempo.

Com a queda da União Soviética, o então presidente Mikhail Gorbachev fez um trato com o então secretário de Estado norte-americano James Baker. A OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) não avançaria “nem uma polegada em direção ao Leste da Europa”. Afinal, o Ocidente, chefiado pelos EUA, havia vencido a guerra fria.

Com o fim do Pacto de Varsóvia, o oponente da OTAN havia perdido sua razão de existir.

Mas a Rússia nunca foi convidada a integrar a aliança, continuando a ser tratada como inimiga.

Em 1997, a OTAN, enfim, decidiu desrespeitar o acordo entre Gorbachev e Baker. Iniciou sua expansão, anexando, aos poucos, Polônia, Hungria e República Tcheca.

Mais tarde, agregou mais 10 países, totalizando os 30 membros atuais.

A Rússia, aos poucos se viu acuada pelos países membros da aliança, mas a Ucrânia ainda vinha se mantendo como o último obstáculo entre a OTAN e a ela.

Putin assistia a isso sempre preocupado e de olho no país vizinho.

Mas, em 2014, os EUA decidiram iniciar uma manobra mais agressiva, enviando o então secretário de estado, John Kerry para Kiev, para manifestar o apoio dos EUA aos rebeldes que tomaram o poder na capital ucraniana.

Durante os anos que se seguiram, milícias neonazistas surgiram e assassinaram cerca de 14 mil russos, entre eles, muitas crianças.

Era preciso que os EUA impedissem a construção do gasoduto Nord Stream 2 porque ele seria responsável po dobrar a capacidade de fornecimento de gás para a europa, tornando-a ainda mais dependente da Rússia e aumentando a entrada de divisas para o país de Putin.

O comediante Zelensky foi eleito presidente com apoio dos EUA para justamente trabalhar para que iniciasse as tratativas para integrar seu país a OTAN, o que seria o mesmo que apontar uma arma para a cabeça da Rússia, tamanha a proximidade de Kiev com Moscou (800 km em linha reta).

O timing preciso de Putin para impedir esse ingresso se deu quando Zelensky manifestou seu desejo de tornar a Ucrânia um país membro. Não foi antes nem depois.

Se Putin agisse depois de firmado o acordo, o conflito não ficaria restrito a Ucrânia, mas ganharia proporções mundiais com um guerra entre a Rússia e a OTAN.

É preciso lembrar que há centenas, talvez milhares de ogivas nucleares espalhadas pela Europa, todas apontadas para Rússia e China. E numa eventual guerra, todas entrariam em ação.

Por que a China apoia as ações de Putin? Porque se a Rússia for tomada, todas as suas 5 mil ogivas passarão para a OTAN, o que a tornará uma força inexpugnável até para a encurralada China.

Então, não há dúvidas de que Putin está realizando uma ação preventiva e de longo alcance. Não se trata somente de defender a Rússia contra possíveis ataques da OTAN, mas também salvaguardar o planeta contra uma quase inevitável guerra nuclear em que perderíamos todos.

Já se passaram duas semanas desde a invasão da Ucrânia e nada, absolutamente nada, foi feito por Zelensky para por fim ao conflito. Pelo contrário. Ele convoca a população civil a lutar contra os preparadíssimos soldados russos, apoia ações terroristas das milícias neonazistas que matam seus conterrâneos para culpar a Rússia e o tempo todo exige a entrada da OTAN na guerra.

A OTAN, por outro lado, envia armamento pesado para a Ucrânia, prolongando ainda mais o conflito e enriquecendo os EUA pelo aumento da produção e comercialização desses artefatos bélicos.

A Zelensky bastaria tão e somente a assinatura de um acordo abrindo mão de se tornar país membro da OTAN, o reconhecimento de que a Criméia é território russo e a independência de Donetsk e Luhansk.

A Putin parece que realmente não interessa a anexação da Ucrânia, até porque a república ficaria muito próximas das ogivas da OTAN.

Então, está fácil para acabar com esse conflito, mas ele só está se estendendo justamente porque o plano da aliança era mesmo sufocar a Rússia.

Só faltou combinar com os russos.

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Fernando Castilho

Arquiteto, Professor e Escritor. Autor de Depois que Descemos das Árvores e Um Humano Num Pálido Ponto Azul.