O equilíbrio entre a era digital e a infância

Fernanda Unruh Xavier
8 min readApr 16, 2019

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Apesar da internet trazer benefícios para as crianças é necessária uma educação digital

Por Beatriz Tedesco, Camille Casarini e Fernanda Xavier

Crianças entretidas no Youtube (Por: Fernanda Xavier)

Na era digital atual é preciso encontrar equilíbrio entre a tecnologia e as crianças. Uma pesquisa divulgada pelo Ibope em 2012 apontou que as crianças brasileiras passavam mais tempo conectadas do que realizando quaisquer outras atividades e permaneciam online por cerca de 17 horas por mês. Cinco anos depois, um levantamento feito pela Viacom, em 2017, apontou que crianças brasileiras passam 50% a mais de tempo semanal conectados do que a média mundial. No total, são quase 42 horas por semana na internet.

Com isso, a psicóloga e doutora em saúde mental do Instituto de Psiquiatria da UFRJ Anna Lucia Spear King afirma que o grande problema que leva as crianças ao uso excessivo das tecnologias é a falta de educação digital por parte dos pais e responsáveis. “Os próprios pais não tiveram essa educação. Todos os pais nessa geração foram pegos de surpresa e eles mesmos são mal educados ao usar as tecnologias e, consequentemente, não sabem como passar essa educação para os filhos.”

Anna Lucia, que também é fundadora do Núcleo Delete — uso consciente de tecnologias, situado na UFRJ, no qual atende dependentes patológicos de tecnologia, ressalta a importância de impor limites ao tempo de uso e conteúdo consumido pelas crianças. Ela afirma que crianças de zero a cinco anos não devem utilizar nenhuma tecnologia e, a partir dos cinco anos, permitir o uso ocasionalmente, como forma de uma curta distração e lazer.

A psicóloga salienta que menores de 18 anos não podem fazer uso da tecnologia sem a supervisão de um responsável, pois a internet possibilita o contato com pedófilos e pessoas que aplicam golpes, postagens indevidas e a prática e o sofrimento de bullying. A doutora defende que o uso de internet por crianças e adolescentes nunca deve ser feito primordialmente, mas somente após atividades escolares e físicas e relacionamento familiar e social. Além disso, é essencial que deixem de usar as tecnologias duas horas antes de dormir para o cérebro se acalmar e o sono ser melhor.

A rotina da criança do século XXI

A pedagoga especializada em psicopedagogia, Kelly Guenza, diz que é uma preocupação bem grande o tempo que as crianças passam em frente às telas. Ela percebe que nos dias de hoje as crianças ficam muito tempo inseridas no meio digital e acabam não brincando, não estimulando a criatividade e não se exercitando. “Uma criança que fica muito tempo parada na frente de uma televisão, tablet e entre outros, sem praticar nenhum estímulo, não irá se desenvolver como deveria. Isso reflete principalmente na parte motora.”

Ela ressalta que há vários estudos que indicam que crianças com menos de dois anos não devem ser expostas às telas, e sim brincar, já que essa atividade se relaciona diretamente com a construção do corpo, no que se refere ao equilibrio e ao andar. “Essa construção é muito importante para a criança, e vem antes mesmo do processo de alfabetização propriamente dito”.

Kelly afirma que a era digital, por sua vez, tem um lado positivo. Pode-se citar jogos, aplicativos e vídeos que acabam trazendo essa facilidade. Porém, deve haver sempre um equilíbrio, como ressalta a pedagoga: “a orientação que eu faço é que no período da noite as crianças não fiquem expostas à telas e se não tiver como controlar isso, que ela não fique em contato pelo menos uma hora antes de dormir, por causa da estimulação cerebral. Isso é muito importante na fase de crescimento”.

Confira mais opiniões sobre o assunto no podcast em formato de mesa redonda disponibilizado abaixo:

Podcast sobre o equilíbrio entre a internet e as crianças

Marco Tulio, mais conhecido como AuthenticGames, é um youtuber com aproximadamente 17 milhões de inscritos no seu canal. Ele começou em 2011, apenas com o desejo de mostrar seus jogos no Minecraft. Hoje possui o maior canal de jogos do Brasil e se classifica entre os canais com maior número de inscritos do país.

De acordo com Marco Tulio, entre seus inscritos estão, em sua maioria, crianças entre 4 e 12 anos, mas também existem pais que assistem junto com seus filhos. Ele diz que não existe uma recomendação da empresa Youtube para os criadores sobre o que podem publicar para essa faixa etária. “O Youtube é um site para adolescentes, já que existe uma idade mínima para criar uma conta. O site tem diretrizes, regras da comunidade que diz quais vídeos podem ou não ser postados, mas direcionados ao público infantil eles não têm uma condição”.

O youtuber diz ter consciência da sua influência nas crianças, e toma cuidado principalmente com o conteúdo que produz. “Eu gosto de manter minha postura diante dos vídeos, de viver o que eu acredito, seja com o meu falar e com o conteúdo gravado. O que faço tem que estar dentros dos meus princípios” disse ele. Marco afirma que o seu trabalho é transmitir verdades e princípios que acredita. “Isso pode sim influenciar essa próxima geração de crianças”.

Marco Tulio percebe essa influência e tem como exemplo, o fato de que, atualmente, as crianças fazem festa com o tema do canal. “Na minha época, fazia de homem aranha e personagens que assistiam no desenho. E ver uma criança trocar um personagem por AuthenticGames é porque tem uma importância na vida delas”.

O criador do canal AuthenticGames diz que não aborda temas como saúde mental ou física com as crianças com tanta profundidade. “Os vídeos são mais focados nos jogos e dependendo do tema ou da conversa, a gente puxa para um lado”. Mas ele complementa dizendo que existe a forma de falar com crianças, evitando termos técnicos e tendo um linguajar apropriado.

A tecnologia nas salas de aulas da rede pública

A TIC Educação 2016, pesquisa feita pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da sociedade da Informação (Cetic.br), indicou que no Brasil 91% das escolas públicas indicam ter uma rede sem fio. Com isso, a professora Edicleia Munchinski que atua na Escola Municipal Lúcido Florêncio Ribeiro e no Colégio Estadual Prefeito João Maria de Barros em Campina Grande do Sul (PR), fala sobre a relação dos alunos com a tecnologia nas redes públicas.

“As crianças da escola municipal não tem contato com a internet dentro da escola em si, não com o uso próprio deles, somente quando a professora fornece, se necessário nas aulas” conta ela.

A vivência com os alunos, permite que Edicleia perceba que a maioria deles tem contato com as redes sociais. Ela conta também que por trabalhar com a formação de docentes do 3º ano vê que eles já têm mais acesso a internet e isso ocorre também na escola. “A minha escola não possui laboratório, mas a gente tem um acesso livre aos computadores da escola, e também a tecnologia que a professora leva, além do celular que os próprios alunos utilizam como ferramenta dentro do espaço escolar”.

A professora que atua na rede estadual e municipal diz que ambas as escolas não fornecem uma infraestrutura necessária: “Na escola municipal temos acesso internet somente em um dos pavilhões, porém, não no qual situam-se as salas de aula. A rede do wi-fi não funciona”. Na rede estadual ela conta que a internet é muito precária também, até mesmo para os professores que fazem registro de classe online. “Por conta dessa falta de infraestrutura o trabalho com a mídia fica prejudicado”

Ela explica que nos dias de hoje, a internet em sala é uma questão imprescindível, pois tudo está voltado para a mídia, para os recursos tecnológicos. Comenta também que a questão da atratividade também ajuda. “Nós também percebemos que é um recurso didático maravilhoso ter a disposição de uso da tecnologia, ter o conhecimento mais rápido e acessível para o aluno”.

Edicleia traz como alerta o cuidado que é preciso tomar e o discernimento, pois nem tudo o que a mídia oferece é verdadeiro e o que precisa ser trabalhado na escola.”Os professores têm feitos cursos de preparação e alinhamento para trabalhar com a questão de mídias e tecnologia, inclusive para instruir aos alunos quais tipos de fontes são mais confiáveis ou não”.

Ela comenta que esse ano vai começar um trabalho com os alunos do 1º Ano sobre gêneros textuais e a mídia. “Quero fazer mesmo com o pouco recurso que nós temos em questão de internet dentro da sala de aula. Acredito que vai ser bem produtivo e queremos colocar os textos nas redes sociais para que os familiares possam contemplar o trabalho produzido por eles em sala”.

Para fechar, ela comenta que ,enquanto professora, é “super” a favor da tecnologia, das mídias e da internet na sala de aula. Diz também que é preciso observar que não é possível fugir mais da tecnologias, afinal o professor tem que se sentir um aliado e não inimigo delas.

Analisando a situação pelo ponto de vista dos pais das crianças, é perceptível que a internet pode trazer benefícios no que diz respeito a educação, como conta Adelina Lima, mãe da Isabela, de apenas um ano e dez meses. Adelina não é mãe de primeira viagem e conta que na época de seu filho mais velho, que hoje tem 22 anos, não existiam os smartphones.

Com a Isabela foi diferente: “Começou com a galinha pintadinha. Eu colocava para ela assistir no meu celular, e quando vi ela já sabia abrir o YouTube sozinha, e escolher qual vídeo queria ver”.

Adelina conta que viu melhora no comportamento da filha por causa do conteúdo que a mesma assistia: “Eu notei que ela fazia coisas que eu não tinha ensinado, e então comecei a prestar atenção nos vídeo que ela assistia. Um por exemplo, era uma mãe com duas crianças e a mesma dava um objeto distinto para cada filho. Desde então tudo que ela comia, ela oferecia para mim”.

A mãe relata que não tem problemas com o tempo que a filha passa no celular. “Eu deixo ela uma meia hora mais ou menos, e quando eu peço o aparelho ela me devolve tranquilamente”. Ela opina também de que os pais devem monitorar a utilização da internet, pois até mesmo na parte infantil existem conteúdos inapropriados para as crianças, ainda mais que estão em fase de descobrimento.

Participe da pesquisa: https://forms.gle/1CD8A6VmFgwf2ZZe7

As crianças no entanto, apesar de gostarem muito de assistir a séries e vídeos, mostram ter noção de que o excesso não é bom, como conta a Julia* de oito anos: “às vezes eu to muito cansada e eu gosto de ficar assistindo. Se eu tivesse alguém para brincar, eu não ficaria assistindo TV, e eu me culpo, não queria ficar tanto tempo assistindo, eu não gosto de ficar viciada”.

Sobre o acontecimento da Momo, que viralizou nas últimas semanas e assustou muitos pais, a menina conta que recebeu orientação da mãe: “eu via bastante vídeo de slime, que era principalmente onde tinha a Momo. Agora minha mãe não me deixa mais ver Youtube”.

Já o Mateus* com 12 anos, conta que o aparelho que mais utiliza é o celular, principalmente para usar o whatsapp, e fica aproximadamente quatro horas por dia conectado às telas. Quando o assunto é Youtube ele conta que não tem um tipo de vídeo favorito: “assisto vídeos aleatórios, “trollagem”, meme, futebol. Mas não tenho um youtuber preferido”.

O garoto também se mostra consciente do tempo que utiliza a internet: “fico mais para mais do que para menos”. Apesar de ter noção do assunto, ele não se diz culpado pelo tempo que passa conectado.

*Os nomes utilizados na reportagem são fictícios com o intuito de não expor o menor de idade. Os pais da criança, permitiram que a entrevista fosse realizada pela equipe.

Entrevista com crianças sobre o assunto

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