Sapatênis e a incapacidade humana de tomar uma decisão

Filipe Mendonça
3 min readMay 27, 2019

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Imagem por OpenClipart-Vectors em Pixabay

Minha história com moda é uma comédia de desastres. Alguns momentos envolvendo Crocs e meia, outros com camisas de times de futebol e bermudas coloridas, além do clássico erro de misturar xadrez embaixo com listras em cima e coroar tudo com um tênis de academia.

Quando cheguei nos meus 20 anos, resolvi me esforçar mais e tentar combinações melhores que a primeira camisa com a primeira bermuda na pilha do guarda-roupa. Hoje, posso dizer que o meu conhecimento de moda, embora parco, permite que eu não passe vergonha na maioria das vezes (ou que eu passe vergonha conscientemente por pura preguiça de buscar uma camisa menos velha).

Dito isso, um dos meus poucos orgulhos fashion que perdura por todos os meus 30 anos vividos mais ou menos intensamente é nunca ter posto um sapatênis sequer em meus pés. Digamos que raramente tive atitude suficiente para colocar um sapato (o que estou tentando mudar aos poucos), mas tampouco me rebaixei ao ponto de colocar o seu filho bastardo.

O sapatênis é a materialização da incapacidade humana de fazer uma escolha. É o meio do caminho. É o Centrão da moda. Normalmente, vem coroando o combo calça jeans e camisa polo (a qual não uso, mas respeito, tenho até amigos que usam). E, aí, entre a atitude de fechar o visual com um sapato e a rebeldia de colocar um tênis, foi criado um caminho para quem não sabe para onde seguir.

Em pouco tempo, o sapatênis estará habitando o mesmo local que os Crocs, calças e bermudas cargo, Adidas Hellbender e Nike Shox (mais precisamente, o fundo do guarda-roupas, esperando ter a sorte de voltarem em alguns anos como moda retrô). Sabe aquelas fotos que você vai mostrar para os seus filhos já explicando que “essa roupa aqui era moda na época”? Provavelmente terá alguma das peças citadas aqui.

Existe todo um braço da indústria da moda para os indecisos. Se você forçar um pouco a memória, pode se lembrar das calças 3/4. Quem não conseguia se decidir entre uma bermuda e uma calça, podia escolher essa abominação que vestia até o meio das canelas. Ou, baixando ainda mais o nível, que tal a calça que se transforma em bermuda bastando apenas abrir um zíper na altura dos joelhos? E as peças de roupa dupla-face? Basta virar do avesso e você sai com um look e volta com outro. Existem várias opções de roupas para quem quer evitar decisões.

Aliás, existe toda uma indústria paralela fazendo os mais diversos produtos para que você evite se decidir. Não sabe se compra um carro ou uma moto? Que tal ir no meio termo e pegar um triciclo? Ou então não sabe se come um crepe ou uma tapioca? Tá aí a crepioca. Ainda não se decidiu entre um videogame de mesa ou um portátil? Tem o Nintendo Switch. Celular ou tablet? Galaxy Note. Apartamento ou casa? Condomínio fechado. Um pato ou uma foca? Ornitorrinco. Desde que você esteja disposto a gastar um pouco mais, você pode evitar uma decisão. Exceto no caso do ornitorrinco. Você não compra um ornitorrinco, você faz por merecer um ornitorrinco.

Entre tantas escolhas que devem ser feitas na vida, dá para entender porque tanta gente acaba querendo evitar mais uma. O que eu digo para essas pessoas? Pense nas fotos que você vai mostrar aos seus filhos.

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