Museo Memoria y Tolerancia

Histórias do Sul do Mundo
6 min readMar 24, 2021

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Cidade do México, outubro de 2018

Ontem tive a oportunidade de visitar o Museu Memória e Tolerância, um memorial a todos os genocídios e crimes contra a humanidade cometidos no mundo, que demonstra a capacidade que a humanidade tem de naturalizar a violência e se tornar parte dela, seja em tempos de guerra ou de paz. Foi uma experiência fortíssima, fazia tempo que eu não chorava tanto, e é difícil algo me fazer chorar. O Museu reúne mensagens poderosas, e eu gostaria de compartilhar algumas delas com vocês.

Primeiramente, acreditamos que vivemos em uma sociedade que está em constante evolução de direitos que, uma vez conquistados, jamais poderão ser quitados. Acreditamos que horrores na história da humanidade, como o nazismo ou as ditaduras, são erros incomensuráveis e largamente documentados, portanto, jamais serão repetidos, jamais voltarão a acontecer. Temos plena confiança de que estamos protegidos sob a égide de um governo democrático e que instituições internacionais como a ONU, que tem poder para intervir em situações extremas, estarão aí para reequilibrar as coisas. Porém, isso tudo é um grande mito. Genocídios ocorreram na Turquia no começo do século; ocorreram na Alemanha, no Camboja, na Guatemala, em plenos anos 1990; na Sérvia e Ruanda, e agora mesmo, nos dias atuais, no Sudão.

O genocídio é um massacre direcionado a minorias étnicas ou sociais em que se institui uma política de extermínio de pessoas como eu e você — com sonhos, ideais, perspectivas, esperanças, medos, dúvidas, necessidades, enfim, tudo o que nos faz humanos — simplesmente por elas serem quem são. O mais interessante de se observar é que essa esse caos se repete da mesma forma, é quase como uma receita de bolo. Tudo é gestado em ambientes de profunda crise econômica e social, que fazem imergir sentimentos nacionalistas ou separatistas. E é nesse cenário de incertezas e descontentamento que surgem os líderes oportunistas, que prometem atender aos apelos da massa descontente e que reforçam na população um sentimento ainda maior de revolta e descontentamento.

A partir daí tem início a construção de estereótipos, pois é necessário eleger um inimigo comum. Convêm, nesse processo, atribuir a grupos sociais específicos a responsabilidade pelo estado de coisas, pelas mazelas que castigam este ou aquele grupo de pessoas. E rapidamente se estabelece quem deve ser subjugado ou eliminado para que se retomem o equilíbrio e a paz desejadas. E para alcançar esse objetivo é empreendida uma campanha de convencimento da população sobre quem é o “inimigo” a ser combatido, e os argumentos não obedecem a regras e tampouco avaliações éticas.

Na Alemanha das décadas de 30 e 40, o governo distribuiu rádios de frequência limitada a toda população, que recebia mensagens controladas e propaganda Nazista. Em Ruanda, o governo também distribuiu rádios para convencer o povo Hutu de sua superioridade. Hutus e Tutsis, etnias que habitavam pacificamente o mesmo país, dividindo a mesma língua e promovendo casamentos entre si, foram convencidos a pegar em armas e aniquilar uns aos outros. Assim como na Alemanha e na Polônia, vários “cidadãos de bem” tomaram parte do genocídio, denunciando seus próprios familiares e vizinhos, ou simplesmente assassinando-os.

Mas como a população comum pode ser convencida a participar de um genocídio? Como disse Goebels, o homem à frente da propaganda nazista: “Uma mentira repetida mil vezes, torna-se uma verdade”. Quando a população é convencida dessas “verdades”, tudo pode acontecer. Antes, esse convencimento era feito pelo rádio, hoje é feito pelas redes sociais — inclusive há no Museu uma área reservada para falar de fake news. Estima-se que hoje, 80% das notícias compartilhadas nas redes sociais são falsas. Por meio delas são orquestradas campanhas difamatórias e de fomento a estereótipos.

Não por acaso vemos comportamentos cada vez mais intolerantes e violentos. As pessoas estão cada vez mais convencidas sobre o inimigo comum, que em outras épocas da história e outros povos foram os judeus, os armênios, os ciganos ou, pasmem, as pessoas que usavam óculos, como foi no caso do Camboja. Hoje, no Brasil, o inimigo comum a ser combatido é o Partido dos Trabalhadores, a esquerda, os corruptos e os bandidos. Na esteira desse pensamento, são vistos da mesma forma os movimentos sociais, os defensores dos direitos humanos, as populações tradicionais, a população negra e LGBTI.

O Fascismo é caracterizado por um nacionalismo exacerbado e violento, que se opõe a esse inimigo comum. Me preocupa a afirmação de vários amigos que escutaram na rua nesses últimos dias coisas do tipo: “Tem que matar esses viados!” A banalização da violência já chega a níveis inaceitáveis para uma nação dita democrática. Já somos o país que mais mata LGBTIs, e cada vez mais as pessoas ditas “de bem” estão sendo convencidas de que essa minoria, assim como outras, precisam ser banidas ou “consertadas”. É aí que o mal começa a ser naturalizado.

Outro ponto comum dessa receita de bolo do fascismo é a mudança das leis para atender as exigências desse ou daquele grupo. O partido nazista modificou aproximadamente duas mil leis para implementar a sua política de genocídio. Entre as propostas do candidato Jair Bolsonaro estão a caracterização de movimentos sociais como terroristas e a liberação de policiais para matar em operações. Estamos tratando aqui sobretudo das populações negras da periferia, bem como toda e qualquer pessoa que se oponha ao abuso de poder durante uma ação policial. Também faz parte da plataforma do referido candidato a liberação do porte de armas, para que a população possa tomar parte da “limpeza” social sob o pretexto de estar se defendendo.

Muita gente acredita que nossa angústia é um exagero, que as coisas não vão chegar nesse ponto. Mas a leitura pra mim é muito nítida. Como país, estamos entrando em uma aventura muito perigosa. Hitler também se elegeu democraticamente e em princípio todos achavam aquilo que ele dizia um absurdo. Mas, ao final, a maioria da população aderiu. A sociedade alemã se encontrava em situação muito semelhante a nossa, enfrentando uma grave crise econômica, com alto índice de desemprego; uma sociedade que se sentia chocada com a arte moderna e com a liberação dos homossexuais e das mulheres …

Aqui, a gente escuta o sujeito falando durante um comício “vamos metralhar a petralhada do Acre!!!” e acha que ele não está falando sério. A mensagem está sendo passada e estamos vendo todos os dias partidários de Bolsonaro matando pessoas por divergências políticas, como Mestre Moa ou Priscila, e assumindo seus crimes como se fossem legítimos. E naquelas primeiras entrevistas em que ele falava que as coisas só iam mudar com uma Guerra Civil? Será que não era sério aquilo?

Neste cenário preocupante, precisamos reafirmar que é necessário nos conectarmos com a nossa história, pois ela nos liga a todos como povo e como humanidade. Precisamos deixar nítido que não existem pessoas iguais, mas que deve existir igualdade de direitos. Que é a diversidade que faz com que a experiência humana seja rica e que são os estereótipos atribuídos a grupos sociais a fonte de todos os nossos preconceitos. Devemos parar de rotular e generalizar. Isso vale também para os próprios eleitores de Bolsonaro, visto que nem todos são fascistas, a maioria está sendo manipulada. Os direitos humanos são 33, devemos conhecê-los e romper com a ideia de que eles só servem pra proteger bandido. Eles são o norte moral da humanidade, sem eles não temos garantias de dignidade. Nenhum de nós.

Por fim, vamos elevar a vibração! Vamos trocar o medo pela esperança, a fala reativa pela fala amorosa, a nossa arrogância intelectual pela compreensão. Nem tudo está perdido, vamos ser guerreiras e guerreiros da palavra e ajudar nessa mudança de consciência.

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