Projeto Dinamarca — Diário de bordo dia 13
Reformas, voluntários, e nostalgia norte americana
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Ei pessoas! Como dizia a minha vó, “Everything is something.”. Mentira, ela não fala isso, mas achei que seria uma boa abertura…foi?
A deliciosa noite de ontem regada a cervejas especiais da região norte do país e conversas engraçadas com o casal de anfitriões me rendeu uma ótima noite de sono com um raro exemplo de despertar anterior às 7h da manhã sem o uso de despertador. Explicando a razão da manhã prematura, na casa em que fiquei os dois moradores e três cachorros sempre acordam muito cedo e eu precisava estar na estação para o trem de 9h rumo a Middelfart.
Após um café da manhã rápido e simples, mas muito gostoso, chegamos à estação de Aalborg, onde pudemos contemplar uma antiga maquete que contempla três gerações de trens tradicionais da Dinamarca. Bastava adicionar uma moeda de duas coroas que um dos trens tomava vida e a maquete modificava-se para uma ambientação noturna. Fizemos isso umas três vezes consecutivas e uma pequena plateia de curiosos se juntou para observar.
A viagem foi curiosamente mais longa que a de ontem, mesmo sendo a distância alguns quilômetros inferior, mas foi bastante agradável dado ao fato que não me esqueci de levar água e algo para comer no decorrer das 3 horas de viagem. Tomei o vagão silencioso — que existe em praticamente todos os trens que peguei nessas duas semanas — e apenas deixei a cabine para conversar pelo facebook com a minha lindona que não está se sentindo muito bem nos últimos dias.
A viagem correu muito tranquila dentre as paisagens interioranas de pequenas colinas úmidas e verdes, dentre florestas de pinheiros, ovelhas e lagos de água muito escura. Como aconselhado por Kim, prestei bastante atenção ao momento em cruzaríamos a ponte para retornar à ilha central do país, chamada Fyn. Essa ponte, além de muito fotogênica, marcava os quilômetros finais de minha viagem e eu precisava me preparar para descer.
Não sei porque, mas os dinamarqueses no geral possuem a estranha mania de se preparar e levantar vários minutos antes de chegar à estação de destino, mesmo sabendo que o trem ficará parado por cerca de cinco minutos antes de fechar as portas. Mas segui o conselho e desci na pequena estação de Middelfart bem a tempo da chegada de minha anfitriã e guia Majken Nørupm diretora do conjunto cultural composto atualmente por quatro museus na cidade.
Conforme programado anteriormente pela própria Majken, partimos diretamente para um centro cultural à beira do oceano para almoçar comida tradicional dinamarquesa apreciando a paisagem do litoral e as duas pontes que interligam as extremidades do país. O prato sugerido para mim foi uma mistura de dois tipos de peixe, um deles empanado e frito e outro cozido em água, acompanhados por ovas de peixe, pães pretos de cereais e uma quantidade bem farta de pequenos camarões característicos da costa dessa região. Infelizmente não pude apreciar o prato como esperava pois, como alguns de vocês sabem, tenho alergia a camarão e não queria dar ainda mais trabalho por aqui.
Logo após o almoço no centro cultural em reforma relâmpago — prevista para ser concluída num total de seis semanas — caminhamos em baixo de uma chuva não tão fina quanto parecia e chegamos ao também em reforma Middelfart Museum. O pequeno museu possui dois pavimentos abertos ao público e dois administrativos. Na primeiro piso acontecem duas exposições ao ano e a atual está em fase de montagem e o tema escolhido são as bastante populares entre a Dinamarca e Teófilo Ottoni bicicletas de todos os modelos e tamanhos imagináveis.
Essa cidade, como pude ver no decorrer do passeio, possui grandes nomes nas áreas de arte, pescaria e navegação e invenções, tais como pelo menos três modelos singulares de bicicletas que se encontram atualmente na exposição.
Também no primeiro pavimento estão os calorosos café e boutique, ambos, como a grande maioria dos setores dos museus por lá, funcionais devido ao grande número de voluntários moradores da região. Esse voluntariado possibilita a redução considerável do preço do café e traz diversos grupos e família interessados em se aquecer.
O andar subsolo é morada do arquivo da cidade. Diversos milhares de jornais, livros e fotografias, além de um imenso cômodo com histórias particulares de determinadas família, compõe esse arquivo de acesso moderado, mas livre para todos os interessados que solicitarem autorização.
Os dois pavimentos superiores são a área de trabalho e descanso dos funcionários e voluntários do museu e arquivo público. Dando destaque especial para a linda cachorrinha oficial do museu, que passeio minutos tentando lembrar o nome, mas não me recordei.
O segundo prédio visitado foi a casa de Henner Friisers, uma construção do século XVI próxima à igreja ainda mais antiga, que possui características ornamentais do período da Renascença e está em reforma para se tronar uma exposição permanente do contexto social do vilarejo pescador em que foi construída. Há dois focos principais nesse museu: atividades interativas e divertidas para crianças, como um mar de espuma com baleias e seus filhotes; e curiosidades históricas da cidade para adultos.
Após deixarmos a curiosa casa que um dia já foi um meio bar e meio pensão, nos dirigimos para a extremidade da cidade, região conhecida por seus jardins suspensos construídos nas inicialmente casas de pescadores ao lado dos estaleiros e que hoje em dia compõe a região mais nobre e cobiçada da cidade histórica.
Entramos nos estaleiros ainda funcionais que hoje em dia dividem as suas atividades entre a construção e reparação de navios e casa de reuniões e eventos comunitários. Esse prédio é igualmente gerido exclusivamente por voluntários muito bem dispostos e à vontade com entrada e saída de curiosos.
Como que entrando em um filme de conto de fadas, o tour pela pequena cidade mostrou uma comunidade unida e tipicamente familiar, como as tradicionais cidadezinhas do interior ainda mostram. Os moradores ainda conhecem os seus vizinhos e compartilham das ocasiões especiais como se em uma grande família regional. O sistema de voluntariado deriva da boa vontade da maioria de aposentados moradores da região antiga da cidade.
Nosso trajeto, após uma pequena pausa na casa da diretora para que ela pudesse colocar sapatos mais amigáveis, nos levou ao enorme complexo e antigo hospital e asilo psiquiátrico da cidade. Os diversos edifícios foram desativados em 1999, e gradualmente tendo suas funções substituídas por órgãos práticos no município e prédios de consultórios.
O museu da psiquiatria, gerido como uma das instituições vinculadas ao Middelfart Museum, é um edifício em L de quatro pavimentos na lateral esquerda do complexo. O foco escolhido desde a sua abertura e pelos próximos 2 anos antes que passe por uma reformulação completa é a história funcional desse edifício como centro de tratamento psiquiátrico. A aparência logo de entrada é de um ambiente médico e os sons ambientes reproduzem com uma exatidão um pouco assustadora como deveria ser o local em seus anos de funcionamento.
O sistema de visitas é muito interessante com um corredor livre que começa numa cafeteria e segue por diversas portas às quais você tem acesso a diferentes ambientes com focos específicos, tais como uma reprodução de um quarto como de fato ele era; o sistema de higiene dos pacientes e funcionários; e até mesmo uma pequena galeria com os trabalhos realizados pelos antigos pacientes — como estudante e atuante na área, Majken passou duas semanas no Brasil no ano passado estudando e trabalhando no museu dedicado ao artista plástico e fruto de discussões sobre a arte insana, Bispo do Rosário, no Rio de Janeiro.
Esse tema gerou conversas interessantes sobre como se diferenciar o que é arte produzida por um artista e a generalização das produções por pessoas com doenças mentais que são consideradas artistas simplesmente por produzirem material visual. Não há uma conclusão para o tema, mas sim várias perguntas e questionamentos possíveis.
De volta ao edifício inicial, tomamos um café rápido para que desse tempo de estar na estação a tempo de pegar o trem de 17h para Copenhagen, o que conseguimos com folga, apesar da pesada bagagem carregada colina acima.
Me despedindo de minha anfitriã, parti novamente para o leste dinamarquês, tomando pela primeira vez um trem cheio o bastante para não haverem assentos disponíveis para todos. Andei uma estação de pé, mas me assentei numa cadeira lateral em Odense, onde fiquei o restante da viagem de 2h até a capital.
O hotel para o qual fui enviado dessa vez é um prédio antigo, mas totalmente moderno em seu interior, denominado Guldsmeden Hotel, tirando o fato de se ter que pagar separadamente pelo café da manhã, é o melhor até então, levando-se em consideração os pontos negativos e positivos de cada um. A decoração é agradável e confortável e os produtos de higiene fornecidos de cortesia são de uma linha ecologicamente amigável — inclusive escova de dentes feita de bamboo!
Deixei minhas coisas no quarto, conversei rapidamente pelo Skype com minhas tias viajantes e em breve companheiras de viagem e fui a um restaurante tradicional Norte Americano a uma quadra de distância. As asinhas de frango, palitos de queijo, onion rings e steaks crocantes me trouxeram momentos de nostalgia quanto ao ano vivido nos EUA — e com certeza me trouxeram uma quantidade absurda de calorias no conjunto.
Amanhã terei reunião com a responsável pelo programa, Sidsel, que trabalha no Ministério da Cultura da Dinamarca. Cruzemos os dedos e vamos ver como será!
Dicas e curiosidades do dia:
- Novamente reafirmo a necessidade de se viajar com uma mala de alta qualidade. Passei por vários terrenos complicados e puxei um peso absurdo o dia inteiro e, se não fosse a mala como é, passaria aperto.
- O mês de abril é bastante instável nos países do norte europeu e apresentam grandes mudanças de temperatura e comportamento metereológico bipolar.
- É muito agradável observar o comportamento característico de cada cidade ou região de um mesmo país. A Dinamarca é praticamente do tamanho do Espírito Santo, mas possui uma diversidade absurda em seus hábitos culturais. O que mais me agrada por aqui é a o estilo lento e tranquilo das pessoas, veículos e serviços. Por mais que ainda haja disparidade entre o interior e a capital, Copenhagen não é nada corrida em comparação com minha amada Belo Horizonte.
Agora deitado e começando a conseguir me reestruturar do cansaço para dar início à segunda fase da viagem, me despeço de vocês deixando fotos de sobremesa.
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