Sobre estar perdido

Nem todo mundo sabe o que quer da vida. Mas não é por isso que essas pessoas são piores que você ou que — acreditem ou não — essa situação seja ruim.

Filipe Marques
6 min readFeb 19, 2014

Esqueça essa história de estabilidade. Estabilidade é um daqueles conceitos que todo mundo que presta concurso público gosta de bradar aos sete ventos, como se isso fosse a coisa mais legal do mundo, ou como se realmente esse fosse o objetivo de vida de alguém. Não é. Nenhuma criança, por mais centrada e responsável que seja, pensa em estabilidade como um objetivo de vida, um fim em si mesmo. Ninguém vira para as mães ou para as professoras quando é pequeno e diz: “quando eu crescer, quero ser estável!”. Não. Isso é chato. Tão chato quanto os concursos públicos e tão chato quanto toda essa gente que faz concurso público.

Por que eu digo isso com tanta certeza? É bem simples. Ninguém sonha em passar o resto da vida atrás de uma mesa carimbando papel e escrevendo relatório. Certo, deve haver alguém que realmente sonhe com isso, mas vá lá que corresponda a menos de 5% da população mundial. O fato é que: nunca tivemos certeza de nada da vida, exceto de que ela um dia chega a termo. Entre o começo e o fim, o problema está no meio. O que fazer entre o dia em que você vem ao mundo e o dia em que você deixá-lo?

A gente não recebe manual de instrução quando nasce. Nada. Nenhum tutorial de como viver ou guia de sobrevivência do mundo real. É triste, é cruel. Até dá pra esperar que seus pais te guiem nesse complicado processo que é construir uma vida, descobrir seu lugar no mundo e atingir o objetivo final da sua existência, se você tiver um. Mas não podemos contar com eles a vida inteira, nem mesmo no início, porque — advinhe — eles também não sabem de nada e vieram ao mundo tão sem pistas quanto você. Não existe essa de aprender a viver, porque estamos todos no mesmo barco, e ninguém ainda achou a fórmula mágica de como a gente deve seguir essa trajetória. E isso cria vários problemas para muita gente, porque tem um monte de engraçadinho que vai tentar dizer como você deve fazer para "chegar lá", não importando onde "lá" seja. Seus pais serão os primeiros engraçadinhos a ditar regras que eles acham que podem dar certo na hora de educar um filho. A religião pode surgir como um alento para aquelas almas desesperadas que têm medo de ir para algum lugar péssimo e cheio de fogo, caso o caminho entre o nascimento e a morte seja o "mau caminho". Existem os testes vocacionais, que vão tentar dizer qual é sua vocação e para o que você nasceu para fazer, como se nada mais fosse possível além daquele pequeno número de alternativas de carreira. Seus professores vão enfiar na sua cabeça que o estudo é o único caminho da salvação e que se você não fizer o dever de casa, provavelmente vai servir hamburguer numa rede de fast-food famosa por ter palhaços como garoto-propaganda.

Esqueça tudo isso. As dicas podem ser boas, mas nenhuma delas é garantia de um futuro brilhante, ou de uma trajetória feliz. Depois da parte horrorosa que é corresponder às expectativas dessa galera toda, vem a parte boa de ninguém saber de nada: você, e só você, é capaz de traçar seu caminho. Apesar de todas as dicas furadas e dos conselhos de auto-ajuda que só auto-ajudam os escritores que vendem livros a rodo, no final das contas você só presta contas a si mesmo, muito embora haja muita gente que acredita em nós, de verdade. Quando você estiver morrendo, naquele momento em que dizem que a gente assiste a vida passar diante dos olhos, é para si que você vai ter que responder se valeu a pena ou não. E isso vale para todo mundo. Então, quando seus pais gritarem e disserem que sabem o que é melhor para você, lembre-se: eles não sabem nem o que é melhor para eles mesmos! Porque, como já dito aqui, no fundo ninguém sabe.

Vamos vivendo e aprendendo, de acordo com o ditado. E isso é mágico. Nossas escolhas, por mais perdidos que estejamos, vão nos levar a experiências incríveis ou a desastres fenomenais. Mas até mesmo aquela burrada que dói o coração só de lembrar tem um aspecto que faz dela uma experiência única: a sua liberdade de escolha. Todos os acertos e todos os erros que ficarem gravados na linha do tempo da sua vida vão ter a marca da sua decisão, e você deve se orgulhar disso. Apesar de todo o julgamento e todas as provas que a gente tem que passar, ninguém deveria sentir-se no direito de te condenar, porque assim como todos, você também está aprendendo. E é disso que a vida se trata: aprendizados constantes. Tem gente que com quarenta descobre que não é feliz na profissão que escolheu e vai morar na praia, vendendo coco; tem gente que passa a vida inteira casada com a mesma pessoa e depois descobre que gostava de outro sexo; há pessoas que no último semestre da faculdade de Medicina largam tudo e começam a estudar Filosofia. Que mal há nisso, afinal? Reinventamo-nos todos os dias, abrimos nossos olhos para coisas que não viámos no passado e mudamos de ideia. Tudo bem mudar de ideia, desde que estejamos conscientes do que essa mudança acarreta em nossas vidas. As pessoas têm que entender que, se estivermos plenamente cientes das consequências dos nossos atos, temos o direito de fazer o que quisermos e tomar o rumo que for da nossa vontade. Nem seus pais, nem seus professores e nem os ricos autores de auto-ajuda têm mais poder sobre seu caminho do que você mesmo, e isso jamais mudará.

O que eu quero dizer, depois de tudo isso, é: Estou com vinte e dois anos na cara e estou perdido. Minha vida tomou rumos que eu jamais esperei e, embora me assuste a ideia de não ter um Norte bem definido e concreto, me sinto muito feliz estando perdido. O que me conforta (e também me torna um canalha) é saber que há muita gente sentindo a mesma coisa. Porque eu sei que ninguém nasceu com manual de instrução grudado no cordão umbilical. Temos uma vida inteira pela frente; temos tempo para errar e acertar, e errar de novo, para depois consertar o erro. O segredo da felicidade não é um mistério único que vai salvar nossa existência, porque cabe a cada um de nós buscar aquilo que nos faz feliz. Pode ser muita grana, pode ser o amor da sua vida, pode ser uma casa no campo, podem ser setenta e oito gatos morando com você, ou a tão sonhada (e falsa) estabilidade dos concurseiros, não importa: é a você que essas coisas devem fazer feliz.

Então relaxe e respire fundo. Se você não sabe para onde a maré está te levando, lembre-se de que existe uma galera à deriva junto contigo. Talvez seja isso que a vida exija de nós, afinal: uma maneira de nos ajudarmos, de encontrar nosso destino junto de alguém que também não sabe o que quer. Tenha em mente que estabilidade é balela e o que importa são os dias que valeram a pena sobre um planeta caótico e cheio de problemas desde… sempre. Ninguém tem um destino traçado na maternidade (foi mal, Cazuza) e você também não é obrigado a ter. Construa sua vida da forma que te fizer feliz e que possa trazer felicidade para os outros perdidos que nem você.

Estamos perdidos sim, nessa Terra de ninguém. Mas isso não significa que estamos sozinhos. Quem sabe, de mãos dadas, não encontramos um caminho para todo mundo?

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