O que aprendi depois de seis meses estudando japonês

Flávia Carvalho
9 min readJul 24, 2020

No início deste ano, mas bem no início mesmo (eu ainda tava tirando a areia da mochila, só pra vocês terem uma ideia), me deparei com um anúncio no Instagram que dizia algo como: intensivão de japonês grátis - aprenda de verdade.

Intensivão? Japonês? Grátis? Aprender de verdade? Parecia muito anúncio de charlatão, desses que te prometem o mundo com pouco esforço e/ou investimento. O tipo de anúncio que eu reconheço de longe e costumo apenas desviar. Ou pelo menos era o que eu faria em situações normais.

Era início de ano e eu tinha acabado de voltar pra casa depois de sete horas de trânsito e muita energia gasta numa viagem de fim de ano que até que foi legal, mas não tanto assim. Se eu soubesse que seria a minha última antes da pandemia, talvez teria aproveitado mais e pedido aquela porção de camarão caríssima quando e eu e meu amigo dividimos aquela mesa na beira da praia. Mas isso é apenas um arrependimento de leve.

Em situações normais, eu teria ignorado aquele anúncio e seguido com a minha vida. Mas estava entediada e tinha prometido pra mim mesma que 2020 seria o ano que eu voltaria a estudar de verdade, não importava o que fosse. E, como japonês é um idioma que eu sempre tive curiosidade em aprender, mas sabia que seria um curso caríssimo que me tomaria muito tempo e energia, pensei: “bem, se é de graça…”.

Fiz aquele cadastro padrão sabendo que seria bombardeada com e-mails insuportáveis pelos próximos 50 anos e que provavelmente uma atendente robótica me ligaria pra oferecer a versão paga do curso. Pensava que seria surpreendida com o mesmo conteúdo superficial e óbvio que permeia todos os cantos da internet, mas então o jogo virou.

Em apenas três aulas não muito longas, eu aprendi muito mais do que esperava e descobri que a metodologia dos caras era mesmo interessante e eficaz. E então já não sabia mais o que fazer.

Queria continuar, mas sabia que, mesmo sendo um curso online, não seria nada barato, certo? É, mas o jogo virou de novo.

Assim que saiu o vídeo final, que finalmente contaria o preço dessa brincadeira, eu acabei descobrindo que o curso na verdade não era tão caro assim. O que dificultava ainda mais minha decisão.

Se fosse muito caro, seria muito mais fácil pra eu fechar aquela janela do navegador e esquecer. Mas sendo meio caro, sempre bateria aquela dúvida: e se eu tivesse seguido em frente com aquela compra?

A viagem que nunca aconteceu: o wallpaper que usei no PC do trabalho até março deste ano.

Pesava ainda mais porque, em alguns meses, eu embarcaria na minha grande viagem para o Peru e uma dívida desse tamanho poderia atrapalhar meus planos. Mesmo assim, por sorte, eu decidi arriscar e fiz minha matrícula. Foi muita sorte mesmo porque, alguns meses depois, absolutamente todos os meus planos deram errado.

É, não tinha como eu saber que aquele vírus, que até então ninguém por aqui tava dando muita atenção, iria conseguir cruzar o mundo inteiro, cancelar meu voo e me obrigar a ficar em casa nos dias em que deveria estar comendo ceviche nas ruas tortuosas de Cusco. E que, no isolamento, aprender um novo idioma iria me ajudar a encarar a situação com um pouco mais de otimismo e ocupar minha mente, para que eu não passasse o dia todo com medo e preocupada com familiares, amigos e todas as outras pessoas que não têm os mesmos privilégios que eu.

Sim, eu dei uma dentro quando segui em frente com aquela compra, mas isso não significa que isso tá sendo a coisa mais fácil do mundo.

Sim, é realmente difícil

Não importa o quão difícil seja uma coisa, sempre vai ter uma pessoa pra te dizer que não é tão difícil assim. Aquela pessoa que sabe fazer algo complicado com muita habilidade e fala “depois que você pega o jeito, só vai” e dá aquela risadinha, tentando se fazer de humilde.

Eu nunca vou ser essa pessoa quando se trata de japonês.

É difícil e ponto. E se eu chegar ao nível fluente, vai ser com muito esforço e sangue nos olhos. Já faz seis meses que eu estudo esse idioma, aprendendo coisas novas e revisando o conteúdo antigo praticamente todos os dias.

Mesmo nos fins de semana que eu fico bêbada enquanto faço uma call com meus amigos, eu abro o Anki e faço a revisão antes de dormir, pra vocês terem uma ideia.

E ainda assim, tem horas que eu sinto como se não tivesse entendendo nada. Claro que é só a percepção de uma estudante desesperada, mas ainda assim é tenso.

Você precisa treinar seu cérebro

O japonês é composto por 3 alfabetos: hiragana (ひらがな), katakana (カタカナ) e kanji (漢字). Hiragana e katakana até que são tranquilos, mas no kanji a coisa aperta.

No início, quando eu não sabia nada de nada, a primeira que eu precisei fazer foi treinar meu cérebro pra ele não ignorar mais essas letrinhas quando encontrasse elas num texto (você provavelmente deve ter feito a mesma coisa quando viu essas palavras por aqui).

Com o tempo, ficou mais natural, mesmo que eu ainda leia algumas coisas como uma criança em alfabetização. Até porque, quando se trata de japonês, é isso mesmo que eu sou.

Inclusive, a essa altura do meu aprendizado, eu ainda uso um recurso utilizado por crianças japonesas chamado furigana, que é quando a palavra em hiragana aparece em cima dos kanjis, indicando o som que cada ideograma tem e possibilitando a leitura, mesmo que eu não saiba o significado das palavras.

Agora eu já sei que isso ひ é um hi, e isso ら é um ra, e isso が é um ga, e isso é um な na. Mas isso 漢字, sem furigana, eu provavelmente não lembraria que se lê かんじ (kanji).

Aí você pode pensar “ah, mas se essa palavra ali se lê ‘kanji’, então é porque isso 漢 se lê “kan” e isso 字 se lê ‘ji’, certo?”. Sim, nessa palavra. Cada um desses kanjis pode aparecer em palavras diferentes com sons completamente diferentes.

Como no primeiro exemplo que aprendi no curso: 山 (yama) e 火 (hi) se juntam pra formar 火山 (kazan). Quando estão sozinhos, os sons são uma coisa, mas dentro dessa palavra específica, eles são outra. Isso porque kanjis são ideogramas, cada letra expressa uma ideia, mas não tem um som. Isso fica sob responsabilidade do hiragana e pode variar dependendo da palavra em que o kanji está inserido.

Em resumo, cada palavra tem que ser decorada três vezes: o próprio ideograma, o som e o significado. E na escola eu reclamava do verbo to be…

Kanjis podem ser poéticos

Apesar de tudo, é um alfabeto muito bonito. Às vezes, eu tô aprendendo e me deparo com coincidências lindas, como na própria palavra 火山, que significa vulcão e é formada pelos kanjis de fogo e montanha. Ou essa sequência maravilhosa: 木 = árvore, 林 = bosque e 森 = floresta. Ou ainda: 犬 = cachorro, 愛 = amor e 愛犬 = meu cachorro de estimação.

Também tem casos engraçados como 奥 que se lê “oku”, significa “fundos” e parece um… vocês sabem.

É impossível aprender outra língua sem aprender mais sobre a sua própria

Todas aquelas coisas que eu aprendi nas aulas de português e esqueci completamente voltaram para me assombrar. Tudo bem que algumas delas ainda estão presentes no meu dia a dia porque, afinal de contas, eu sou redatora. Mas, como escrevo conteúdo para marcas em vez de artigos acadêmicos, dificilmente precisava pensar sobre verbos passivos, transitivos e intransitivos, objetos direto e indireto ou coisas do tipo. Agora, o japonês me obriga.

Isso porque é impossível aprender sobre partículas sem relembrar essas coisas. E é impossível aprender japonês sem aprender partículas.

Partículas são letrinhas que ligam as palavras e mostram a relação que existe entre elas. Cada verbo pede partículas diferentes para indicar coisas diferentes. Como 食べる (comer), em que o que se come vem com o を, quem come vem com o が, onde se come ou/ou com o que se come vem com で, quando você come vem com に e tudo isso pode ser substituído por は se você quiser transformar aquilo no assunto principal da frase.

Também é fantástico quando você percebe que tá aprendendo

É maravilhoso quando você começa a compreender o incompreensível. Quando aquelas letrinhas tão estranhas passam a fazer sentido e você se pega lendo algumas frases rápido demais, é uma sensação incrível.

Até quando assisto animes (sim, eu sou esse tipo de estudante de japonês), vou percebendo certas palavras e estruturas, entendendo melhor os diálogos e os cartazes que aparecem nos cenários.

E quando eu paro para pensar que isso é uma coisa difícil pra caramba e ainda assim eu tô conseguindo avançar, me sinto capaz de fazer qualquer coisa.

Por trabalhar com marketing, eu tô muito acostumada a lidar com pessoas que, mesmo sem nenhuma experiência na área, juram de pé junto que sabem mais que eu. Então, aprender sobre um assunto que ninguém que nunca estudou sobre se atreveria a achar que sabe… digamos que faz muito bem pra minha autoestima intelectual.

Nas poucas ocasiões que tive a oportunidade de falar com as pessoas sobre o que aprendi, foi gratificante demais.

The struggle is real…

Não é só outro idioma, é outra forma de pensar

As frases no japonês sempre acontecem ao contrário. Você contextualiza um monte e só no fim diz o que vai acontecer.

No português, você diria: vou tomar um remédio porque estou com dor de cabeça porque bebi demais ontem na festa de aniversário da minha amiga.

No japonês, seria mais ou menos tipo: ontem foi aniversário da minha amiga, aconteceu uma festa e eu bebi demais, por isso estou com dor de cabeça e vou tomar um remédio.

Com o aprendizado, eu basicamente tô me acostumando a pensar ao contrário, colocando o verbo principal sempre por último e muitas vezes ocultando o sujeito.

Também, a diferença cultural gritante transparece bastante no idioma. Existe um dialeto específico para situações formais, como quando você está conversando com alguém que não tem intimidade ou é hierarquicamente superior, e isso precisa ser respeitado à risca.

Sem falar nos verbos que demonstram mais humildade que outros, termos que fazem mais sentido se forem usados por pessoas de um gênero específico e todas as partículas que soam mais natural quando são omitidas.

Ainda estou longe de formar minhas próprias frases, mas já pressinto as gafes que vou cometer.

Já tô me atrevendo a traduzir memes brasileiros para o japonês (espalhando nossa cultura).

“Mas você quer ir pro Japão?”

Tem pouquíssimos lugares que eu não quero ir. E, de todos os lugares que quero ir, o Japão tá no topo da lista desde sempre. Ele sempre foi aquele destino inalcançável que eu, uma pobre garotinha com 27 anos e poucas expectativas na vida, mal consegue atrever-se a sonhar.

Talvez eu nunca use o que tô aprendendo, talvez eu continue estudando e largue a redação pra virar outra coisa, talvez eu ganhe uma grana extra ensinando otaku a falar aquele discurso famoso do Naruto no idioma original, talvez eu consiga fazer um intercâmbio de verdade e talvez nenhuma dessas previsões aconteça.

Se tem uma coisa que este maldito ano me ensinou é que a gente não sabe de nada. Porque mesmo com a passagem comprada e as malas feitas, ainda assim você pode não embarcar.

Eu posso ter escrito um monte de abobrinha nesse texto? Posso! Mas, como ainda tô aprendendo, me reservo o direito de errar o quanto quiser até conseguir fazer certo.

O curso que eu faço se chama Programa Japonês Online. Você encontra mais informações nesse link.

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