Dimensões de Qualidade - Parte II

Flavio B. Vila Verde
12 min readMay 26, 2017

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Simplificação através de Passos e Partes x Redução do Tempo de Ciclo

Dentro de uma cozinha profissional. [Flickr: Tyla’75 / CC BY 2.0]

Identificação e análise crítica dos princípios de Lean Construction na construção civil e fora dela.

.Adaptado de artigo escrito durante disciplina* como aluno especial no mestrado em engenharia em junho de 2012, junto com o engenheiro civil Eric A. Bispo.
.Estudo do fluxo operacional baseado em trabalho realizado na disciplina de Planejamento de Cozinha Profissional, no curso tecnológico de Gastronomia, pela arquiteta
Micaela Redondo.

Introdução

Como se constata, durante muitos anos a indústria da construção civil tem desenvolvido suas atividades com base em um modelo de gerenciamento da produção com ênfase à conversão, que é uma atividade de processamento ou modificação da forma ou substância de um material. Esse modelo negligencia as demais atividades envolvidas, na realização de um serviço, tais como inspeção, transporte e espera. Não entraremos os aspectos sociais e econômicos desse setor. Mas esse modelo, incluindo os aspectos mencionados, gera muito desperdício. De material e de tempo.

O planejamento da construção, baseado no processo de fluxos, passa por entendimentos teóricos e orientações práticas que tem por objetivo a melhoria contínua. Teoricamente, as causas que originam problemas crônicos são evidenciadas.

Há dois grupos de causas: primeiro, o uso de conceitos tradicionais para projeto, produção e organização, que ao longo do tempo tem se mostrado ineficiente, e segundo, a construção tem particularidades que não têm sido adequadamente analisadas e manipuladas (KOSKELA, 1992)**.

Simplificação através de Passos e Partes

A simplificação deve ser entendida como a redução de componentes do produto ou do número de passos existentes em um fluxo de material ou informação. Através da simplificação pode-se eliminar atividades que não agregam valor ao processo de produção (KOSKELA, 1992). Assim, na medida que se tem um maior número de passos ou partes atreladas ao processo ou produto, atividades como inspeção e movimentação aumentam. Aliado a esses fatores, existe um aumento de custos no sistema de produção associados com as atividades que não agregam valor (CHILD17 et alii (1991) citados por KOSKELA, 1992). A utilização de elementos pré-fabricados, o uso de equipes polivalentes e o planejamento eficaz do processo de produção podem ser considerados como alternativas de se atingir a simplificação (KOSKELA, 1992).

Embora esse princípio seja mais facilmente implementado através de decisões tomadas na etapa de projeto, o processo de planejamento e controle da produção pode implementá-lo através de uma análise da maneira pela qual o processo é executado. O desenvolvimento de reuniões para avaliação do processo de planejamento deve abranger, também, a identificação de formas para simplificar a operação propriamente dita.

Uma outra forma de se garantir a implementação desse princípio através do processo de planejamento e controle da produção é alcançada na medida que se consegue estabelecer, durante a etapa de preparação do processo de planejamento, o desenvolvimento da produção em zonas de trabalho similares. Essa decisão pode garantir uma certa repetitividade ao processo, facilitando a identificação de possíveis áreas para simplificação.

Redução do Tempo de Ciclo

Segundo KOSKELA (1992), o tempo de ciclo pode ser definido como o somatório dos prazos necessários para processamento, inspeção, espera e movimentação. A redução do tempo de ciclo pode ser alcançada através da redução da parcela de atividades que não agregam valor. Do ponto de vista do controle, sua aplicação resulta em ciclos de detecção e correção de desvios menores. Do ponto de vista da melhoria do processo, verifica-se que tempos de ciclo menores facilitam a implementação mais rápida de inovações.

Este princípio pode ser implementado pelo processo de planejamento e controle da produção na medida que se consegue reduzir a parcela das atividades que não agregam valor ao processo produtivo, através das decisões nos diferentes níveis de planejamento. Uma das formas de minorar as atividades que não agregam valor é através da sincronização dos fluxos de material e mão-de-obra, bem como do desenvolvimento de programações mais repetitivas e padronizadas (SANTOS, 1999). Isso, contudo, dependerá dos esforços despendidos no desenvolvimento dos processos de projeto e planejamento (SANTOS, 1999).

Segundo SANTOS (1999), quando o tamanho do lote de um determinado processo é reduzido, material e informação podem fluir de uma maneira mais rápida entre os vários estágios de um processo, fazendo com que o produto seja entregue ao seu consumidor final em menos tempo. O planejamento Lookahead, aliado com os ritmos das equipes da produção, é um potencial instrumento para que o fluxo seja analisado na busca da sincronização. No nível de curto prazo, as ações destinadas à proteção da produção possibilitam a continuidade das operações no canteiro, diminuindo a variabilidade e seu conseqüente tempo de ciclo.

Uma outra abordagem deste princípio que pode ser implementada com auxílio do planejamento refere-se ao ganho obtido através da divisão dos trabalhos em tarefas ou pacotes de trabalho. Nesse sentido, pode-se procurar estabelecer o pagamento das tarefas por elemento concluído e não por unidade de medição, como por exemplo em m². Através dessa vinculação, procura-se minorar a ocorrência de retrabalho ou arremates.

Simplificação através de Passos e Partes e Redução do Tempo de Ciclo

Como vimos, a simplificação pode ocorrer por meio da redução do número de componentes de um produto e do número de passos em um fluxo de materiais ou informações. Também pode ocorrer por meio da redução de atividades que não agregam valor no processo e pela reconfiguração de partes e passos que agregam valor, e por mudanças organizacionais.

Isso implica que uma melhoria em um processo resulta em uma redução do ciclo da mesmo, permite uma redução no tempo de ciclo dos demais itens, o que poderia significar um menor tempo de execução total da obra.

Uma intervenção que utilize os conceitos de simplificação através de passos e partes e o conceito de redução do tempo de ciclo em um empreendimento que visa melhoria continua contribui tanto para a redução do prazo de entrega da obra, como também para a redução do custo global de produção, seja ela através da redução do custo direto fixo em função da redução do prazo de produção e da simplificação nas rotinas de acompanhamento e controle da obra, ou mesmo pela oportunidade de redução de custo através da adoção de melhores estratégias de contratação de fornecedores de materiais e serviços, negociadas em função do plano de ataque definido durante as reuniões de trabalho, dentro de uma visão geral.

Exemplo na Construção Civil

O empreendimento escolhido para esse trabalho esta localizado na Região Metropolitana de Salvador, no município de Lauro de Freitas, Bahia. É um edifício em construção, projetado com 92 apartamentos de 74 m² cada, com área construída total de 11.600,00 m² e previsão de entrega para dezembro de 2012. Um dos principais entraves dentro do processo de produção da empresa esta na limitação de espaço do terreno onde o empreendimento foi implantado, impossibilitando alternativas de fluxo de materiais que viabilizem uma melhor produtividade. O empreendimento encontra-se na etapa de revestimentos de fachada e contra piso para as unidades internas, tendo seu processo principal processo nesta etapa a produção e aplicação de argamassa para emboço, reboco e contrapiso.

A empresa forneceu seus procedimentos de execução de argamassa e de revestimento interno e externo à base de argamassa. Além disso, possibilitou a realização de visitas à obra durante a produção de revestimento interno. O diagrama de processos da produção de revestimento interno revelou que é possível racionalizar o processo, já que existem várias atividades de estoque e, consequentemente, de transporte. A argamassa fresca era estocada em quatro pontos diferentes, o que gerava situações em que o operário tinha que remover o material da masseira para recolocá-lo no carrinho com o objetivo de transportá-lo até o local de uso.

Essas transferências de argamassa podem inclusive aumentar as perdas desse material. O número excessivo de estoques não apenas diminui a eficiência do processo, mas aumenta a necessidade de controle do consumo da argamassa. Observou-se em obra que muitas vezes o material fresco era utilizado após o tempo máximo recomendado. A argamassa permanecia nos estoques por um longo período, não havendo procedimentos que garantissem que a primeira argamassa produzida fosse a primeira a ser utilizada.

Verificando cada etapa do processo foi possível perceber que reduzindo passos do caminho até que a argamassa seja aplicada no local específico é possível reduzir o custo da produção principalmente pela redução dos tempos de entrega de cada lote para o cliente seguinte desde a aquisição dos insumos. Uma abordagem com o foco na tecnologia permitiu pular muitas etapas da sequencia de produção e transporte, através de argamassa bombeada de um caminhão, estacionado nos limites do canteiro de obra até o local de aplicação, sem necessidade de central de produção de argamassa. Outro detalhe que oferece vantagem foi a escolha de argamassa autonivelante para execução do contrapiso. Sem necessidade de arremates nas bordas e economia de tempo de aplicação,onde não é necessário sarrafo e tem cura em 24h.

Exemplo fora a construção civil: Restaurante

O outro exemplo de empreendimento é um restaurante de médio porte, com tradição em culinária italiana em Salvador, localizado em um shopping. O restaurante, garante a sua qualidade pelas massas de fabricação própria e cortes de carne de qualidade, além de agregar pizzas especiais em horários específicos.

O restaurante escolhido funciona em dois turnos, com os horários das 11:00 às 15:00 para o almoço com os serviços à La Carte e Buffet de frios e massas; e das 16:00 às 22:00 para o Jantar/Happy Hour, com o rodízio de pizza, exclusivamente de segunda a quarta das 17:00 às 21:00 horas. Além dos serviços de alimentação, o restaurante dispõe também dos serviços de bar, oferecendo aos seus clientes diferentes opções de bebidas e chopp dobrado.

O planejamento do restaurante atualmente é para atender cerca de 100 refeições por dia (em dias movimentados), chegando ao mínimo de 40, em dias de menor movimento. Para atender a esta demanda o restaurante tem no total 27 funcionários, 52 mesas totalizando 108 lugares, além de um bar com quatro lugares. Divide-se em dois pavimentos: térreo e mezanino.

Planta baixa do mezanino, a cozinha atualmente

O espaço de circulação para acesso à cozinha, dispõe de uma escada, monta-carga, lockers para funcionários e cuba para higienização de mãos e material de limpeza. No mezanino, está localizada a cozinha e uma pequena sala de apoio à gerência, com computador para operações como controle de estoque e pedidos. A cozinha tem uma área total de 26 m², com pé-direito é de 2,52 m, que compõe os seguintes espaços:

  • Circulação: espaço de chegada à cozinha, contendo uma cuba para higienização de mãos;
  • Lavagem de utensílios: com bancada, cuba para lavagem e lava-louças. Recebe tanto os utensílios de salão quanto os de cozinha;
  • Depósito de secos: com entrada pela lavagem de utensílios, apresenta armários com portas para armazenagem de matérias-primas secas. São guardados também neste espaço toalhas de papel;
  • D.M.L.: Depósito de Material de Limpeza, que se tem acesso pelo Depósito de Secos, que contém além dos materiais de limpeza, o motor da coifa. Não há cuba para higienização de utensílios de limpeza, sendo esta operação realizada na cuba do pavimento inferior;
  • Depósito de bebidas: onde são armazenadas as bebidas sem refrigeração, que é o maior ambiente depois da Cozinha (área de produção).

A distribuição espacial da cozinha, apresenta circulações estreitas, insuficientes para o trabalho de mais de uma pessoa e fluxos que levam ao constante cruzamento de funcionários nos horários de maior produção.

Considerando as observações feitas a respeito da estrutura física da cozinha do restaurante e de seu fluxo de produção, foi elaborada uma proposta de modificação de seu layout, procedimentos e estrutura.

Planta baixa do mezanino, proposta de melhoria neste artigo/trabalho

A ilha de cocção teve sua posição alterada, a fim de permitir circulações entre bancadas de trabalho adequadas para mais de uma pessoa. Com isso, a área de montagem de pratos também passou a se posicionar de modo mais confortável e seguro, inclusive minimizando o contato dos pratos finalizados com o fluxo de acesso as áreas de cocção e armazenamento e a saída de utensílios sujos de cozinha. Foi adicionada também uma cuba para higienização de mãos nesta área. O depósito de bebidas, antes subutilizado, foi alterado de modo a comportar a câmara fria e o depósito de secos, o que, junto à alteração de posição da geladeira industrial, possibilitou a criação de uma área de armazenamento. Propõe-se agora um depósito de secos mais organizado, substituindo os armários por prateleiras. Recomenda-se a retirada de uma geladeira comum, uma vez que o uso de duas geladeiras, além da câmara fria, é desnecessário para a demanda de matéria-prima do restaurante. Quanto ao espaço antes destinado ao depósito de secos, este foi reorganizado, a fim de comportar um armário para material de limpeza (antes deixados no chão, ao lado da máquina da coifa) e um depósito de bebidas, também com prateleiras, para viabilizar um armazenamento mais adequado destas.

O Fluxo de produção se mantém o mesmo, com as atividades acontecendo nas mesmas bancadas e equipamentos anteriores. Somente o armazenamento após o pré-preparo que, antes dividido entre a geladeira comum e a geladeira industrial, passa a ser realizado somente na industrial.

Exemplos de processos em Fast Food

A substituição de produção local de molhos por recebimento de molhos prontos e outros processos, reduzem o tempo de entrega (da preparo do prato) e mantém uma padronização das refeições, esperadas pelo cliente. Outros produtos que seriam preparados na cozinha também foram substituídos por pré-preparados ou prontos para consumo, como batatas já lavadas e descascadas (refrigeradas) e doces para sobremesas que vem de outro fornecedor.

Conclusão

Sobre a obra civil:
É necessário que este plano passe por novos ajustes, justamente porque o foco foi realizado em tecnologia substituindo etapas e atividades. Sem a tecnologia, é preciso avaliar principalmente envolvendo as entregas de massa, feitas através de estimativas, e os momentos exatos das entregas. Com o passar dos ciclos, os envolvidos do processo terão um conhecimento destes momentos em que os pedreiros executam cada uma das atividades, podendo assim reduzir estoques intermediários e garantir que não ocorram esperas por falta de insumos, o que ocorre a todo momento durante a aplicação de argamassa para um operário.

É necessário alertar os envolvidos no processo a importância do ciclo de produção constante, visto que todos os serviços de apoio dependem da velocidade de produção, e os estudos mostram que a variação da velocidade de produção dos pedreiros somado à não-constância de entrega de lotes mais precisos, é grande responsável pela falta de insumos, desperdícios e atrasos na obra.

Sobre o restaurante, vale citar:

O fluxograma operacional é uma ferramenta essencial ao se planejar um restaurante. Ele prevê toda e qualquer ação a ser realizada pelos funcionários durante a operação da cozinha e precisa ser feito ainda na fase do projeto arquitetônico, seja para a implantação de um novo restaurante ou uma reforma. O correto traçado do fluxo baseia-se em aspectos técnicos, tanto ergonômicos quanto operacionais, e é resultado do trabalho conjunto entre o arquiteto e o consultor de A&B.
— Mylenna Suassuna***

* . ENGL28 — Gestão das Construções, MEAU em 2012 (hoje, ENGM34 e PPEC)

** . A filosofia de gestão da produção voltada a obras civis surgiu com o trabalho do pesquisador finlandês Lauri Koskela em 1992, publicado pelo Center for Integrated Facility Engineering, ligado à Universidade de Stanford, que é um desafio aos profissionais da construção civil a quebrar os paradigmas de gestão e adaptar as técnicas e ferramentas desenvolvidas com sucesso no Sistema Toyota de Produção (Lean Production / Produção Enxuta) que integra o Lean Manufacturing, o Just-in-time, o Kanban e o Nivelamento de Produção (Heijunka);

*** . Mylenna Suassuna Barros Luz, graduada em Hotelaria e pós-graduada em Gestão de Negócios, é diretora executiva da Saber Cuidar, consultoria para food service.

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