Conspiracionismo à direita: do politicamente correto ao marxismo cultural — Parte II

Francine Oliveira
15 min readMar 27, 2023

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[Artigo completo originalmente publicado na Revista O Sabiá. Esta é a segunda parte de uma versão revisada.]

[Clique aqui para ler a Parte I.]

William S. Lind poder ser considerado o principal teórico do “marxismo cultural” como conspiração.

Breve reflexão sobre linguagem e códigos compartilhados

O papel da linguagem e da representação, aqui, precisa ser abordado porque as pautas em questão estão ligadas a um esforço pela redução de violências simbólicas que perpetuam estereótipos discriminatórios, excludentes, associações negativas e insultos por vezes naturalizados como “piadas”.

Linguagem e representação se encontram na base do processo de desumanização de grupos e identidades. É por isso que uma parte do ativismo se preocupa tanto com a perpetuação do uso de certas expressões e termos.

A produção e o compartilhamento de sentidos não se dissociam dos valores culturais dominantes; pelo contrário, costumam reforçá-los. Questionar os códigos estabelecidos pelas linguagens significa questionar também esses valores, em especial quando eles servem ao apagamento de diversidades e à continuidade de exclusões.

A problematização dos discursos, a desconstrução das grandes narrativas utópicas eurocentradas, bem como das verdades que se pretendem universais — mas que na prática são altamente excludentes –, a rejeição de lógicas hegemônicas que têm norteado a produção de um saber eurocêntrico ao longo da história, tudo isso se mostrou fonte de incômodo para aqueles que se mantêm apegados às epistemologias dominantes. Nesse ponto, é compreensível que sejam as teorizações ligadas aos Estudos Culturais, ao pós-estruturalismo, à desconstrução, ao saber decolonial e a outras correntes críticas afins os grandes alvos de conservadores temerosos como uma suposta ditadura do politicamente correto.

Muito embora não exista essa ditadura, é ameaçador, para quem se acostumou a ter suas ideias prontamente acatadas e ovacionadas, receber críticas e questionamentos daquilo que, no passado, era apresentado como inquestionável. O estímulo a desconfiar, inquirir, a criar instabilidade, a elaborar incertezas diante do que se tinha como fixo, imutável, é realmente uma ameaça às estruturas de saber que ocupavam o poder em instituições como a própria universidade.

Colocar-se contra o “politicamente correto” é uma atitude motivada pelo interesse na manutenção de crenças e privilégios, pela recusa à revisão de percepções, preconceitos e atitudes negativas em relação a questões étnico-raciais, de gênero, sexualidade e assim por diante.

Do politicamente correto ao marxismo cultural

Uma opinião: William S. Lind não tem tido o destaque que deveria nos debates sobre a extrema direita e conspiracionismo no Brasil. Ignorado no livro Tempestade ideológica (PRADO, 2021), seu papel foi citado de forma bastante superficial na obra Tudo o que você precisou desaprender para virar um idiota (METEORO BRASIL, 2019).

Alguns artigos mencionam William Lind como grande difusor da teoria do “marxismo cultural” (MAGALHÃES, 2018; WOLF, 2019; MEIRELES, 2019; ROCHA, 2020; SILVA, SUGAMOSTO e ARAUJO, 2021), mas em geral direcionam o foco para o texto de Minnicino. No entanto, apesar de Minnicino ser a principal fonte das ideias de Lind, parece ter sido este o responsável por, na verdade, cunhar o termo “marxismo cultural” propriamente dito — não consegui confirmar se o primeiro a usar a expressão foi Lind ou Paul Weyrich, figura que descreverei mais adiante.

De forma sintomática, a referência a seu nome ocorre mais entre pessoas que abordam teorias de guerra e táticas militares. Isso porque Lind é um dos principais teóricos sobre a chamada guerra de 4ª geração. Respeitado no âmbito militar estadunidense, ministrou inúmeras palestras, inclusive em Quantico, na sede do Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos.

Confesso não ter realizado uma pesquisa exaustiva sobre quais pessoas estudiosas da extrema direita abordaram com profundidade a atuação de Lind, especialmente na conexão entre o conspiracionismo e as teorias de guerra. Ainda assim, o que falta é mostrar como 1) esse autor, por ser altamente respeitado entre parte dos militares, tem um espaço nas Forças Armadas para disseminar suas teorias conspiratórias; e 2) todas as ideias de Olavo de Carvalho sobre o “marxismo cultural” são diretamente copiadas de Lind.

A questão do plágio apenas foi levantada por Sabrina Fernandes, em evento organizado pela Agência Pública, com trechos de suas falas transcritos na página Pública, em 2019 e, de forma sugerida, por Daniela Mussi e Alvaro Bianchi em artigo publicado em 2022 na Revista Brasileira de Ciência Política.

Embora o nome “marxismo cultural” tenha sua inspiração óbvia no termo “bolchevismo cultural”, a teoria conspiratória nazista pode não ter sido a fonte direta usada por Lind — porém, é inegável que existem semelhanças entre ambas e possível inspiração.

A definição aparentemente foi feita por Lind em palestra ministrada em conferências organizadas pela Accuracy in Academia e transcrita sob o título “The Origins of Political Correctness” (LIND, 2000). A primeira vez em que o autor ofereceu a palestra foi em 1998. No texto, aponta, em relação ao politicamente correto: “Se olharmos analiticamente, se olharmos historicamente, rapidamente descobriremos exatamente o que é. O politicamente correto é marxismo cultural. É o marxismo traduzido de termos econômicos para culturais. É um esforço que remonta não aos anos 1960 e aos hippies e ao movimento pela paz, mas à Primeira Guerra Mundial” (LIND, 2020, s.p. — tradução minha).

Existe, ainda, uma carta aos conservadores redigida por Paul Weyrich, de 1999, que também aponta que o “politicamente correto” deveria ser chamado, mais apropriadamente, de “marxismo cultural”. O texto refere-se igualmente a uma palestra ministrada pelo ativista em diversos eventos.

Mas quem é William S. Lind?

William Sturgiss Lind obteve seu bacharelado em História pela Darmouth College em 1969 e seu mestrado, também em História, pela Princeton University em 1971. Ele não chegou a concluir o doutorado, tendo entrado em contato em 1973 com o então senador republicano Robert Taft Jr., seu conterrâneo de Cincinnati, Ohio, de quem se tornou assessor legislativo. Como o senador era membro do Comitê sobre Serviços Armados, Lind começou a estudar sobre defesa e teorias militares.

Com o fim do mandato de Taft Jr., Lind foi então assessorar o senador democrata Gary Hart, do Colorado, com quem trabalhou de 1977 a 1986, também em relação aos projetos legislativos sobre as Forças Armadas.

Em 1985, publicou o livro Maneuver Warfare Handbook, a respeito da chamada guerra de manobra, expressão que não pode passar despercebida no atual cenário de ascensão da extrema direita e tentativa de permanência no poder. Em suma, a guerra de manobra visa a evitar um confronto direto, dando ênfase à capacidade de tomar decisões rápidas e agir na frente do inimigo.

Segundo Lind: “A guerra de manobra significa que você não apenas aceitará a confusão e desordem e irá operar com sucesso dentro dela, através da descentralização, mas você também gerará confusão e desordem” (LIND, 1985, p. 7, grifo no original; tradução minha).

Lind ministrou uma palestra em 1988 à Marinha estadunidense (United States Marin Corps — USMC), a fim de explicar acerca da guerra de manobra. Em 1989, publicou o artigo “The Changing Face of War: Into the Fourth Generation”, em coautoria com dois oficiais da Marinha e dois do Exército norte-americano, veiculado no Marine Corps Gazette, periódico fundado pelos próprios fuzileiros navais.

William Lind é, desde então, considerado um dos teóricos principais da guerra de 4ª geração, gozando de respeito entre oficiais e admiradores do militarismo — obviamente, foi alvo também de muitas críticas por nunca ter sido, ele mesmo, um militar. Uma de suas palestras, ministrada em Quantico em 2000, foi transformada em e-book e tiro dela algumas citações e ideias apontadas por Lind, sem adentrar em cada uma das gerações de guerra.

Segundo o historiador (LIND, 2014), uma das características que conferiu grande êxito ao exército alemão na Segunda Guerra Mundial foi a de que os militares não aguardavam por ordens. A disciplina apenas era imposta no início do treinamento, mas, no ato das operações, era possível experimentar, sendo favorecida uma cultura da iniciativa. Isso porque o militar é responsável por trazer resultados, sendo os métodos para tanto pouco importantes.

Na guerra de 4ª geração, o Estado não detém mais o monopólio da guerra, havendo uma mudança em quem são os indivíduos que lutam e os motivos pelos quais lutam. As lutas são encampadas por múltiplas entidades, de forma que os oponentes estão em constante mutação. Para Lind, o que há, no fim do século XX e início do XXI, são culturas em guerra — e não mais Estados em guerra (LIND, 2014).

Portanto, a atual guerra é descentralizada por completo, desordenada, não havendo hierarquia a ser obedecida. Assim, o objetivo é passar por cima do indivíduo, quem quer que seja, e atacar a sociedade — ou o modelo de sociedade.

Aqui, vale ressaltar que William Lind é um paleoconservador, que vê a sociedade ocidental moderna como um verdadeiro sinônimo de caos e crise. Para ele, é necessário buscar qualquer mínimo resquício de civilização cristã na qual se agarrar para sobreviver (LIND, 2014).

Essas teorizações oferecem um vislumbre em torno da própria guerra que observamos acontecer rumo às eleições presidenciais de Donald Trump e, posteriormente, de Jair Bolsonaro. As táticas são descentralizadas, por vezes experimentais, pois o que importa são os resultados. Quem está lutando não precisa aguardar por ordens.

Uma guerra neoliberal conservadora

A atuação de William Lind não se restringe ao âmbito militar. Ele mesmo se considera um ativista de profissão, estando ligado a uma série de organizações conservadoras.

No início deste texto, apontei como uma rede de financiamentos atuou para criar uma contrainteligência capaz de dar à direita conservadora o controle no debate público. Lind está entre os propagadores dessa contrainteligência, colocando em prática suas táticas de guerra no campo cultural.

Entre os think tanks que receberam financiamento de doadores interessados em disseminar o conservadorismo esteve a Free Congress Foundation (FCF), fundada em 1977 por Paul Weyrich, com quem Lind teve uma relação prolífica na redação de artigos e na produção, em especial, de um “documentário” sobre o “politicamente correto” e a Escola de Frankfurt. William Lind atuou como Diretor do Centro de Conservadorismo Cultural da instituição até 2009.

No ano de 1999, o canal de TV a cabo National Empowerment Television, patrocinado pela FCF, exibiu um programa de uma hora de duração intitulado “Political Correctness: The Frankfurt School”, produzido por Lind e que contou com a participação também de Weyrich, Roger Kimball, David Horowitz e Reggie White.

Em seu artigo sobre o uso da Escola de Frankfurt como bode expiatório, Martin Jay, este, sim, estudioso do movimento e responsável pelo primeiro livro em língua inglesa a contar sua história, revela que foi convidado a participar do referido programa e teve suas falas editadas para que se encaixassem com aquilo que os produtores desejavam dar a entender.

Não tendo sido informado da agenda ao receber o convite dos responsáveis, o pesquisador parece ter passado por um processo semelhante ao ocorrido em 2017 com historiadores que tiveram suas falas incluídas em programa exibido pelo History Channel, sem que houvesse transparência a respeito da linha seguida pela produção.

Posteriormente, a FCF lançou uma videotape intitulada “Political Correctness: The Dirty Little Secret” a partir do referido programa e disponibilizou o conteúdo em 2011 em seu canal no YouTube.

À época do lançamento do “documentário”, um grupo que se empenhou em distribuir cópias do vídeo, adicionando uma breve introdução, foi o Council of Conservative Citizens, uma organização supremacista estadunidense fundada em 1985.

William Lind seguiu escrevendo de forma recorrente acerca do “politicamente correto” e do “marxismo cultural”. Em artigo publicado em 2009 na página The American Conservative, com a qual colabora até os dias atuais, Lind aponta que a “diversidade” seria um dos “falsos deuses do ‘politicamente correto’” e segue com partes copiadas de seu discurso de 1998 para o grupo AIA.

Sobre Paul Weyrich, que também escreveu uma série de textos abordando o “marxismo cultural”: ele foi cofundador, ainda, dos think tanks The Heritage Foundation e American Legislative Exchange Council (ALEC). Além disso, criou também o grupo Moral Majority, juntamente com o pastor batista e televangelista Jerry Falwell Sr., organização que esteve associada com a direita cristã e o Partido Republicano.

Em outubro de 2000, em declaração ao jornal Rocky Mountain News, o político paleoconservador Pat Buchanan acusou nativos americanos que protestavam contra um desfile comemorativo do Columbus Day (ou Dia de Colombo) de estarem promovendo “marxismo cultural” (BERKOWITZ, 2003). Buchanan é um dos principais nomes da guerra cultural estadunidense que contribuiu para a disseminação do termo.

Em junho de 2002, William Lind deu uma palestra em uma conferência organizada por negacionistas do Holocausto, entre eles Willis Carto, fundador do Institute for Historical Review. Na conferência, falou sobre o “marxismo cultural” e ressaltou que os responsáveis pela conspiração eram “todos judeus” que “envenenaram a cultura americana” (BERKOWITZ, 2002).

Outro “marco” em relação a essa teoria da conspiração é o documento editado por William Lind em 2004, a pedido da FCF, e que se tornou uma referência do tema: Political Correctness:” A Short History of an Ideology.

No Brasil, Olavo de Carvalho copia William Lind

Em sua trilogia iniciada com A Nova Era e a Revolução Cultural: Fritjof Capra e Antonio Gramsci, de 1994, Olavo de Carvalho aborda repetidamente a tese sobre a imposição, pela esquerda, de uma mudança na cultura que será responsável pela implementação de seus ideais, com base nas proposições especialmente de Gramsci.

No livro seguinte, O jardim das aflições, de 1995, o escritor flerta ainda mais com teorias da conspiração, pretendendo abordar uma espécie de história do Ocidente. Nele, Olavo chega a comparar o processo de influência das mentes pelo marxismo/gramscismo com a prática da Programação Neurolinguística (PNL), uma pseudociência ainda hoje vendida por coaches. O autor ainda inclui Hegel como responsável pela implementação do “politicamente correto”.

Na edição comemorativa de 20 anos do lançamento da obra, há uma entrevista concedida a Silvio Grimaldo — que se tornou um braço direito de Olavo, diretor executivo da página Brasil Sem Medo e editor-chefe da Vide Editorial — em que diz ser a esquerda a responsável por trazer “o laicismo, o feminismo, gayzismo, animalismo e toda essa herança cultural que chegou aos EUA por meio da Escola de Frankfurt e que formou aquilo que, inadequadamente, podemos chamar de marxismo cultural” (CARVALHO, 2015, p. 301).

Curiosamente, o escritor aborda os “paleocons” ou paleoconservadores e seu interesse “em manter a sociedade fiel às suas tradições de origem” (CARVALHO, 2015, p. 301), mas não cita William S. Lind.

Foi o terceiro livro da referida trilogia, no entanto, O imbecil coletivo, de 1996, que projetou Olavo com auxílio de jornalistas da grande mídia brasileira. A obra, reeditada, revista e incrementada diversas vezes, tem como um de seus focos centrais o ataque à intelectualidade acadêmica associada ao “[…] empreendimento gramsciano de devastação cultural” (CARVALHO, 1999 [1996], p. 26). Nela, o autor cita com mais frequência o “politicamente correto”, mas não utiliza a expressão “marxismo cultural”, a qual apenas irá aparecer em 2002 em seus escritos.

Retornando a O imbecil coletivo, é notório como o livro foi bem recebido por jornalistas influentes. Paulo Francis, por exemplo, indicou a obra a Wagner Carelli, editor da revista Bravo!, que então o convidou para ser colunista da publicação (JC ONLINE, 2017). Francis também se esforçou para divulgar o pensamento de Olavo, tornando-se um fã desde que leu a obra de 1996.

Outro elogio ao livro partiu do diplomata e economista Roberto Campos, que publicou uma resenha em sua coluna para a Folha de S. Paulo em setembro de 1996. No mesmo ano, Olavo foi entrevistado por Pedro Bial, no programa Bom Dia Brasil, e o apresentador classificou a obra como um “volume demolidor”. Tendo a oportunidade de expor suas ideias ao grande público, afirmou que, por estarem adotando a “estratégia gramsciana”, pessoas da esquerda brasileira iriam ascender através de uma revolução cultural.

Em grande parte, essa recepção positiva por indivíduos considerados intelectuais, formadores de opinião, foi o que conferiu uma validação a Olavo de Carvalho.

O que se nota é uma penetração do escritor numa intelectualidade da direita que remonta pelo menos a meados dos anos 1990. Uma de suas teorias conspiratórias principais, o “politicamente correto” e a suposta dominação da esquerda na cultura e no ensino superior, foi bem recebida por conservadores incomodados com a presença da esquerda e da mentalidade mais progressista nas universidades — influenciados, certamente, também pelas narrativas veiculadas na mídia estadunidense.

Saliento, contudo, que Olavo não menciona Lind ou Weyrich nem mesmo no artigo “Do marxismo cultural”, publicado em junho de 2002 no jornal O Globo, muito embora o texto reproduza todas as ideias veiculadas pelo paleoconservador em seu texto-palestra “The Origins of Political Correctness” (2000). Nesse sentido, notadamente, a relação evidente entre esses ativistas paleoconservadores e Olavo passou despercebida por aqueles intelectuais da direita brasileira que continuaram a validar o escritor e autodeclarado filósofo como pensador e polemista.

Flávio Henrique Calheiros Casimiro, pesquisador em História contemporânea da chamada “Nova Direita”, aponta para como Olavo foi uma figura de destaque nas edições do Fórum da Liberdade já nos anos 2000, 2001, 2002, 2004 e 2005 (CASIMIRO, 2020). O evento, organizado desde 1988 pelo Instituto de Estudos Empresariais com apoio do Instituto Liberal, “[…] foi palco para o lançamento público de alguns dos principais aparelhos da nova direita brasileira” (CASIMIRO, 2020, p. 88), dentre eles o Instituto Millenium, o Instituto Mises Brasil, o grupo Estudantes pela Liberdade e a produtora Brasil Paralelo.

O Fórum da Liberdade contou, desde seu início, com a presença de representantes internacionais do libertarismo e de ideias conservadoras. O modelo de financiamento de organizações e de intelectuais nos Estados Unidos foi também importado para o Brasil. O Instituto Liberal e o Estudantes pela Liberdade, braço nacional do Students for Liberty, são parceiros da Atlas Network, que tem entre seus doadores justamente a família Koch que, entre outras, financiou a Heritage Foundation de Paul Weyrich.

Ora, se Olavo de Carvalho é responsabilizado pelo pensamento e pela doutrinação que levou à ascensão da extrema direita no Brasil, não é possível deixar de lado, em um livro que pretende explicar esse movimento, a atuação desses institutos e think tanks para alçar Olavo ao status de guru.

Um grande número de associados a essas organizações figurou e ainda figura como colunista em veículos midiáticos de grande circulação, a exemplo de Helio Beltrão, fundador e presidente do Instituto Mises Brasil, que publica textos na Folha de S. Paulo — em novembro de 2022, chegou a defender os questionamentos de Marcos Cintra em relação às eleições presidenciais. Com pensamentos próximos ao do olavismo, Beltrão teria sido um dos precursores a tratar do “marxismo cultural” no Brasil, juntamente com Olavo (CASIMIRO, 2020).

Rodrigo Constantino, hoje reconhecido teórico da conspiração, é um dos fundadores e membro dirigente do Instituto Millenium — em que Paulo Guedes figura no Conselho de Curadores — e foi presidente do Instituto Liberal — o qual tem os nomes de Ricardo Vélez Rodríguez e Salim Mattar em seu Conselho Superior. Constantino escreveu para o Valor Econômico, O Globo e IstoÉ, tendo sido colunista regular da revista Veja de 2013 a 2015. Escreveu, ainda, para o portal R7 e a página Gazeta do Povo. Como comentarista, esteve na Rádio Guaíba, no programa Record News até 2020 e, atualmente, aparece no canal Jovem Pan.

Uma visita às páginas do Instituto Mises Brasil e do Instituto Liberal, por exemplo, mostra como os colunistas e membros são defensores da existência do “marxismo cultural” e condenam, com frequência, o “politicamente correto”.

Não pretendo, aqui, estabelecer todas as ligações possíveis entre essas organizações e a extrema direita propriamente dita, ou mesmo com Olavo de Carvalho, mas faz-se importante ter em mente que não foi o autointitulado filósofo o único a trazer o pensamento conspiratório para a direita brasileira. Em certa medida, parece ter atuado como um pivô em um ecossistema que já existia antes dele e que muito provavelmente era influenciado pelo pensamento de conservadores, paleoconservadores e libertários da direita estadunidense, bem como pela própria grande mídia aderente ao suposto fenômeno da “ditadura do politicamente correto”.

Em 2013, o lançamento do livro O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota, mais uma vez, rendeu comentários bastante positivos por parte de formadores de opinião. Entre eles estava Reinaldo Azevedo, que, em sua coluna para a revista Veja, foi altamente elogioso da iniciativa de Felipe Moura Brasil, organizador da obra, além de enaltecer profundamente o próprio Olavo de Carvalho.

Nas palavras de Azevedo, o livro “[…] reúne, basicamente, artigos que Olavo publicou em jornais e revistas, inclusive nas revistas ‘República’ e ‘BRAVO!’, das quais fui redator-chefe — e a releitura, agora, em livro, me remeteu àqueles tempos. Impactam ainda hoje e podiam ser verdadeiros alumbramentos há 10, 12, 13 anos, quando o autor, é forçoso admitir, via com mais aguda vista do que todos nós o que estava por vir. Olavo é dono de uma cultura enciclopédica — no que concerne à universalidade de referência […]. Consegue, como nenhum outro autor no Brasil — goste-se ou não dele –, emprestar dignidade filosófica à vida cotidiana, sem jamais baratear o pensamento. Isso não quer dizer que não transite […] com maestria no terro da teoria e da história” (2013, s.p.).

Anteriormente, em 2008, Azevedo ainda divulgou uma entrevista de Olavo ao JB Online, reproduzindo trechos em sua coluna. Somente quando o escritor, na onda dos protestos pelo impeachment de Dilma Rousseff, associou-se ao bolsonarismo, o jornalista passou a criticá-lo, então usando a palavra “filósofo” entre aspas.

Uma aproximação das ideias de Reinaldo Azevedo com as descritas neste artigo, inclusive, pode ser observada em outro texto por ele publicado em 2008, com o título “Há mais comunistas na universidade brasileira do quem [sic] em Pequim”.

Outra figura que tem destaque na mídia, como comentarista político, e que divulgou avidamente o trabalho de Olavo é Felipe Moura Brasil, que organizou O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota e continuou a elogiar o escritor, mesmo após sua associação com Bolsonaro — a quem, na verdade, apoiou como candidato à presidência em 2018. Em sua coluna para a revista Veja — veículo para o qual começou a escrever em 2013 –, publicou um texto em homenagem a Olavo, na ocasião de seu aniversário, no ano de 2014, intitulado “Olavo tem razão. Parabéns, professor”. Divulgou também seus vídeos com entrevistas de Jair Bolsonaro e Flávio Bolsonaro, feitas em 2016.

Ignorar o papel crucial que tiveram os institutos e think tanks neoliberais, liberais e libertários na ascensão da extrema direita, bem como a abertura da imprensa para membros dessas organizações é uma falha de pesquisa que direciona ao engano de quem pretende entender o atual cenário em que o Brasil e outros países se encontram.

Também não é possível negar como a grande mídia ofereceu um caminho sem obstáculos para que essas ideias radicalizadas fossem devidamente divulgadas.

Ainda que jornalistas e comentaristas — e também o MBL — tenham passado a criticar Olavo de Carvalho e o governo de Jair Bolsonaro, isso não isenta esses indivíduos de sua contribuição para que essa extrema direita — sem assim ser chamada — tivesse visibilidade e chegasse ao poder.

*Referências do artigo*

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Francine Oliveira

Doutore em Estudos Literários e pesquisadore de Estudos Queer e extrema direita. Tradutore, revisore e escritore.