Segurança pública será tema central na cobertura das eleições

Conhecimentos básicos de estatística ajudarão repórteres a fugir de armadilhas

O jornalismo no Brasil em 2018
6 min readDec 11, 2017

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A segurança pública dever ser o grande tema da eleição do próximo ano. Corrupção, endividamento dos Estados, alterações nas regras da Previdência e reforma trabalhista, outras temáticas nacionais, estarão entre as pautas importantes, mas longe de incitar de forma tão visceral os brasileiros ao debate. Nos próximos meses, propostas mirabolantes, soluções mágicas e dados furados devem inundar as redes sociais e, mais à frente, as campanhas eleitorais de Norte a Sul. Os jornalistas terão de estar preparados para essa enxurrada de pautas.

Seja nas redações tradicionais, cada vez mais enxutas, ou nos projetos independentes, como coletivos e agências de conteúdo, o bom jornalismo exigirá muita apuração e criatividade para veicular seus conteúdos. Os repórteres e editores devem estar atentos e tomar cuidado com a seleção das fontes. Entre as capacidades exigidas para a missão, estará o conhecimento básico de estatística, de coleta, tratamento e análise de dados, e de fact-checking. Será indispensável a compreensão de conceitos legais e sociais, objetos do Direito, da Sociologia e Antropologia, sob pena de o jornalista se tornar apenas um boneco ventríloquo de especialistas e assessores de comunicação. Os mesmos profissionais terão ainda de ser hábeis na publicação de seus produtos: visualização e interatividade são as palavras-chave nesta hora.

Comparar informações entre países sobre violência — dados sobre armas de fogo, tráfico de drogas e homicídios — será tendência no próximo ano. Isso será feito por veículos, por políticos, por ONGs e “bombará” nas redes sociais. De forma mais específica, jornalistas precisarão lidar melhor com os dados. É importante estar atento aos cotejos simplistas entre informações. A contabilidade dos homicídios é um bom exemplo. Correlacionar dados entre estados ou países nem sempre é tarefa fácil. Mortes em confrontos entre policiais e suspeitos são registradas — no Rio de Janeiro, por exemplo — como homicídio decorrente de oposição à intervenção policial, e não como homicídio, exigindo atenção adicional. Exercícios desta natureza, via de regra, exigem leitura atenta das notas técnicas dos levantamentos. A mesma atenção é preciso ter com as pesquisas, sejam elas questionários sobre a percepção da criminalidade ou dados oficiais, com leitura atenta da metodologia empregada.

Em vésperas de eleição, sobrarão estudos sobre todos os temas e de institutos de todos os tipos. A principal regra aqui, para evitar “barrigadas”, é compreender, primeiro, a diferença entre pesquisas qualitativas, que falam especificamente sobre o grupo pesquisado, e os estudos quantitativos, que permitem inferências sobre a população do qual o grupo faz parte. Outro ponto importante para evitar casuísmos é conhecer a distância entre investigações amostrais, de natureza probabilística, e censitárias.

Reconhecer pesquisas picaretas também será fundamental. Verificar a produção científica das entidades, a formação de seus pesquisadores, entre outros pontos, evitará correções. Não são raros os casos em que um veículo é criticado por publicar uma pesquisa com problemas metodológicos. Além de recorrer a dados oficiais das Secretarias de Segurança Pública e do Ministério da Justiça, o repórter pode encontrar estudos com rigor científico em instituições como IBGE e IPEA. As universidades com núcleo de pesquisa sobre violência, como UFRJ, USP e UFRGS, também são boas opções. Outro manancial de informações tem origem nos anuários publicados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Neste sentido, cruzar bancos de dados dá mais segurança ao jornalista. Institutos como o Igarapé também são boas opções. Neste caso, a instituição é responsável pelo Homicide Monitor, com dados globais sobre mortes violentas. Outra fonte com dados estatísticos internacionais é o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime.

Como podemos ver, compreender as diferenças e limitações da estatística é inevitável. A apresentação da evolução de um par de médias de crimes registrados ao longo dos anos, por exemplo, não é suficiente para demonstrar uma eventual associação entre elas. Para começar, é preciso lembrar que temos dois tipos de estatística: uma descritiva e outra inferencial, que permite estimar relações causais. Ter essa compreensão evitará ao repórter cair em armadilhas escondidas nos números.

Calma. Nem sempre será preciso chamar o seu colega bom de contas. Uma rápida procura pela rede já permite encontrar bons cursos introdutórios. Há alguns anos, a Universidade de São Paulo (USP), em parceria com o portal de ensino Veduca, disponibiliza o curso gratuito de Probabilidade e Estatística — Análise e Interpretação de Dados, de 60 horas. Quem decidir perder o medo da matemática precisará dominar alguns aplicativos: o Excel é o ponto de partida. Programas como Tableau, para visualização, e SPSS, para cálculos estatísticos mais complexos, também podem ser úteis.

A despeito da importância do Jornalismo Guiado por Dados, continuará valendo a máxima de que “lugar de repórter é na rua, ouvindo gente”. Aqui, a prudência recai sobre a figura do especialista. Não faltam candidatos ao posto de autoridade em violência em anos de escolha de presidente, deputados, senadores e governadores. Nem todo advogado entende de Direito Penal, tampouco todo o sociólogo pesquisa sobre violência. Como eleger a melhor fonte? Uma dica pode ser avaliar a produção acadêmica por meio de uma busca na Plataforma Lattes do CNPq.

Se por um lado o trabalho parece hercúleo, por outro abundam ferramentas, plataformas e cursos, muitos deles gratuitos. Nesta lógica, o Knight Center for Journalism in the Americas, da Universidade do Texas em Austin, com apoio do Google Labs, tem oferecido formação gratuita por meio de cursos a distância. Desde como checar notícias falsas na rede até noções de programação em Python para uso de dados digitais. Uma série de iniciativas, como as oficinas realizadas pela Agência Lupa para ensino de fact-checking a jovens jornalistas, também tem pipocado nas universidades. Além dos cursos, a leitura do livro Mídia e Violência, das pesquisadoras Silvia Ramos e Anabela Paiva, pode ser útil à reflexão sobre a cobertura da imprensa a respeito do tema. A obra discute a relação dos jornalistas com as fontes policiais, estereótipos na cobertura em favelas e estatísticas de segurança.

Além de andar em um campo minado, os jornalistas terão de ser engenhosos na hora de publicar seus conteúdos. Não se trata de abusar dos mapas interativos, das listas ou dos quizzes, mas de compreender a necessidade de quem consome a informação, cada vez mais, pelas redes sociais. Será preciso ter em mente que matérias publicadas servirão de munição nos debates políticos na TV, no Facebook e Twitter e nas mesas de bar. Uma dica é a leitura do livro "A investigação a partir de histórias", de Mark Hunter, disponibilizado gratuitamente pela Unesco.

Entre as iniciativas inspiradoras, estão o Datablog, do The Guardian, onde há informações globais sobre crimes, o Monitor da Violência, do G1, e o Raio X da Violência sobre homicídios em Porto Alegre, de Zero Hora. Os novos mapas mesclam bases oficiais à apuração de campo. Trazem relatos e não apenas dados estatísticos. E isso é parte do papel do jornalismo: contar histórias, como diz o grande repórter do Sul Carlos Wagner. Em ano de eleição, será essencial escrever essas histórias também com números.

Este texto faz parte da série O Jornalismo no Brasil em 2018. A opinião dos autores não necessariamente representa a opinião da Abraji ou do Farol Jornalismo.

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O jornalismo no Brasil em 2018

Jornalista, mestre e doutor em Sociologia. Professor de Jornalismo. Pesquisador nos grupos Violência e Cidadania (UFRGS) e Jornalismo Digital (UFRGS).