Fundamentos de psicologia para discutir política

Frederico Mattos
6 min readAug 18, 2015

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A compreensão simplista sobre o que é o ódio gera muita confusão no debate

Por Frederico Mattos, psicólogo clínico

Não, isso não é uma aula de Psicanálise, mas gostaria de contribuir um pouco para melhorar o debate político. A palavra ódio tem aparecido com muita frequência em artigos, postagens de Facebook e qualquer tentativa de combater o ponto de vista das outras pessoas.

Quando a argumentação política aumenta é comum que alguns termos psicológicos referentes às emoções humanas sejam usados indevidamente. Conhecer mais sobre a mente humana eleva o debate para outra esfera de argumentação e resgata o debate político saudável de um oceano de ruído.

Existe uma diferença básica entre sentimento e emoção que precisa ser esclarecida.

Uma emoção é algo quase reativo, passageiro, como uma nuvem que encobre o céu e depois se desfaz, como é a tristeza diante de uma perda, o medo de talvez perder algo valioso ou ainda a raiva por ser privado/ameaçado de uma posição de força ou segurança. Elas vem e vão e cada pessoa precisa lidar com elas à sua maneira.

Um sentimento é algo mais complexo, fundamentado em valores humanos, formado por múltiplos acontecimentos que construíram tijolo após tijolo uma casinha de conceitos racionais misturado com desejos e emoções conscientes e inconscientes.

A raiva é uma emoção, o ódio é um sentimento, quando alguém pisa no seu pé você não sente ódio e sim raiva. Se você sente ódio de alguém que pisa no seu pé é porque existe uma construção mais antiga que já faz parte da sua personalidade que não nasceu da noite para o dia.

Por isso as pessoas dizem que "é forte falar ódio", sim, do mesmo jeito que é "forte" falar amor. A raiva está para a excitação como o ódio para o amor, é uma questão de proporção e complexidade. Só humanos odeiam (e outros sentimentos complexos), pois tem um cérebro preparado para isso.

Lobos são incapazes de odiar porque não tem córtex pré-frontal para cultivar memória e planejamento

Mas porque uma pessoa odeia algo?

3 situações típicas, entre muitas, originam o ódio:

  1. Ressentimento (confiança frustrada)

Se um sócio ou uma pessoa amada traem sua confiança e ferem um valor importante isso deixaria você mais vulnerável para odiar. Sua escolha seria alimentar essa sensação de injustiça revanchista ou não. Você só é apunhalado pelas costas por alguém que confiou plenamente.

2. Medo crônico (contra-ataque)

Uma pessoa que sofreu inúmeras situações de ataque, humilhação, rejeição e exclusão fica mais vulnerável para sentir ódio pois construiu sua personalidade numa base frágil de falta de amorosidade e cuidado. Essa desproteção cria o cenário ideal para alguém justificar seu ódio futuro, e é uma questão de escolha associada com boas oportunidades para que não se perca nisso.

3. Ignorância

A simplificação da vida tende a criar polaridades inexistentes dentro da complexidade da vida, mas que superficialmente justificam um discurso de oposição. O territorialismo ancestral cria essa visão de inimigo versus aliado onde o ódio se instala e tem mais chance de virar um estilo de vida.

Cada um com uma cegueira pessoal

Resumindo, o ódio tem origens vivenciais e afetivas, no mundo ideial ninguém escolheria odiar, pois na prática o ódio é muito desgastante e perturbador.

O livre-arbítrio é maior ou menor dependendo do quanto a pessoa sucumbiu a si mesma (e às circunstâncias).

O ódio é um tipo de limitação emocional, a pessoa é possuída pelo ódio que diz possuir. Uma pessoa que odeia está emocionalmente impossibilitada de ver e precisa de clareza, mas não do tipo intelectual ou política, e sim afetiva e emocional.

Uma pessoa subnutrida emocionalmente é mais vulnerável ao ódio do que alguém que tem um círculo de convivência nutritivo, amoroso e apoiador.

E sinto informar, mas se você odeia quem odeia provavelmente está com alguma venda no seu coração também.

O que fazer então?

Ontem eu vi na minha timeline do Facebook a seguinte frase "odeio esses xyz (petralha/coxinha)". Era uma pessoa que eu conhecia indiretamente, não pertencia ou meu círculo de convívio, mas a quem eu quero bem (ainda que à distância). Replico o diálogo que se seguiu em nossa inbox logo após eu ler a frase dela:

-Eu fulana, como você está?

-Oi Fred, estou bem e você?

-Bem também, mas fiquei curioso com sua última postagem, até estranhei quando vi quem havia postado, de modo geral vejo você tão para cima. Na verdade fiquei preocupado, tenho dificuldade em ver você com esse ódio todo.

-Ah, exagerei na frase, é que tem um bando de (petralha/coxinha) pipocando de besteiras na minha timeline e resolvi rebater. Mas está tudo bem comigo!

-De qualquer forma na minha cabeça me perguntei "o que está acontecendo com ela para odiar tanto alguém?"

-Puxa, Fred, esse país está bem sem rumo, estou com muito medo de que essas pessoas dominem tudo e a gente se perca.

-Então você está com medo, é isso? Isso faz mais sentido para mim, sei que você batalhou bastante para conquistar tudo na sua vida. Imaginar que isso desapareceria de uma hora para outra deve ser perturbador mesmo. Mas ódio?

-É, Fred, bem, não é ódio realmente, estou com bastante medo e nem sei o que fazer, é uma questão minha…

-Talvez conversar com as pessoas, criar alianças pessoais e se aproximar dos outros possa diminuir um pouco essa sensação. Não sei se rivalizar, atacar ou gritar palavras de ódio ajudariam muito. Pelo menos eu acho que no lugar delas um contra-ataque pioraria, não acha?

-Você tem razão, no fundo fico desapontada em ver pessoas que eu gosto parecendo loucas na internet e postando barbaridades.

-Eu pensei a mesma coisa de você e por isso puxei conversa, sua postagem parecia muito extremista (e meio louca). Você escreveu algo que não combinava muito com você…

Empatia e não revanchismo

Se as pessoas da sua timeline estão cheias de ódio você tem um papel nisso, afinal cultiva amizades reais/virtuais com pessoas que precisam muito da sua empatia (calma e assertiva).

Uma pessoa com ódio não consegue sair desse lugar se você não se colocar na posição dela primeiro. O ódio guarda atrás de si muito medo de perder segurança e poder pessoal, e ao tentar atacar isso seria como tentar expulsá-la de casa, ela vai reagir.

Ódio não se combate com ódio ou crítica, mas com olho no olho, proximidade, calma e empatia. É um processo longo até haver uma reversão gradativa, lembre-se ela está desnutrida.

Não tenha esperanças ingênuas, de que o ódio do seu amigo desapareça do dia para a noite, pois ele provavelmente fundamentou uma vida inteira nessas crenças. Você também protege o seu direito de odiar pessoas que odeiam.

Ele tem medo de perder algo e você teme que o ódio dele faça você perder um lugar mais acolhedor para viver. Estamos todos no mesmo barco, portanto nunca esqueça disso na hora de debater sobre algo tão importante quanto à vida, ops, política.

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Frederico Mattos

Sonhador nato, psicólogo acolhedor, autor do livro "Maturidade Emocional". Ama ouvir histórias e descomplicar a vida. Escreve no Instagram @fredmattos