O autocentrado

fulalas
3 min readJan 31, 2016

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“A maioria das pessoas é tão subjetiva que, no fundo, nada lhes interessa a não ser exclusivamente elas mesmas. Disso resulta que, não importa o que se diga, pensam de imediato em si mesmas.”
(Schopenhauer)

O autocentrado é aquele que está sempre ansioso para falar e emitir a sua opinião sobre qualquer assunto, mesmo que saiba pouco ou nada sobre aquilo, mesmo que o assunto proposto pelo outro já inicie de maneira mais complexa do que o que o autocentrado pode oferecer. Fica à espreita, ali em meio ao som desnecessário do outro, esperando um momento oportuno (ou nem tanto assim) para poder inserir seu discurso. Normalmente inicia suas colocações com ‘eu sou uma pessoa que’, ‘eu acho que’, ‘não existe certo nem errado’, ‘tudo é relativo’ e evasivas do tipo. Ele não está necessariamente fazendo um contraponto ao que fora dito por seu interlocutor, tampouco está agregando conteúdo ou aprofundando a questão proposta pelo outro. O que ele diz provavelmente independe do que fora dito, e o que ele vai dizer mais adiante certamente não terá muita relação com nada do que foi abordado até ali. No máximo pega as primeiras palavras de uma frase dita pelo outro, atropelando-o em seguida e usando aquilo como um suposto gancho para começar a cuspir suas certezas sobre si.

Ele finge ver e aceitar o outro, mas sua imutabilidade ao longo do tempo demonstra que, na verdade, o outro é quase um adversário, alguém tão desinteressante quanto qualquer nova ideia, e que no fundo só serve como uma entidade para enaltecê-lo. Nem sequer olha nos olhos do outro, porque, além de expor fragilidade, isso iria enaltecer alguém que não ele próprio. Fala do seu trabalho, família, dramas e do cotidiano limitado como se fossem assuntos interessantes, profundos. E espera reconhecimento através disso. Parece viver num mundo paralelo, quase inteiramente desconectado do real.

O autocentrado é um ser que exalta o próprio ego, mas não reflete sobre si. É comum que reclame de supostos erros do outro, quando ele comete precisamente os mesmos. Julga-se especial mesmo sendo o prosaico. A impressão que se tem é que o auê que ele cria sobre si não é reflexo de uma interiorização filosófica ou uma busca para desvendar o que ele realmente é. Não parece tratar-se de uma investigação acerca de suas idiossincrasias. O que parece mesmo é que ele está procurando uma maneira de suprir suas carências num mundo onde cada vez mais se paga por consultas para ser escutado.

Ele entra em uma conversa sem questões e sai dela da mesma maneira, porque seu objetivo não é crescer, mas mostrar-se, ser notado pelo outro, ser reconhecido de alguma forma e suprir sua necessidade diária de palavras ditas que devem ser ouvidas por alguém; uma mistura de carência com insegurança, além de uma permanente e incontrolada ansiedade. Nos raros momentos de silêncio, ele costuma expressar essa ansiedade através de tiques como roer unha, balançar a perna, comer guloseimas, fazer caretas e outras bizarrices do tipo.

Como provavelmente seu interlocutor é semelhante, o resultado é uma conversa surda ou, na melhor das hipóteses, superficial. Não há basicamente nenhuma interrogação, ou mesmo reticências. São alguns pontos finais e incontáveis exclamações. O ideal é que o outro não o interrompa, mesmo nos intervalos destinados à respiração. E se isso não acontece, é provável que se use de técnicas como levantar a voz ou simplesmente continuar falando como se nada estivesse acontecendo, como numa brincadeira surrealista para ver quem aguenta mais tempo sem desistir. Não é preciso descanso ou tempo para reflexão, pois não há idéias em pauta.

O autocentrado é aquele que lê isso e não se enxerga assim. Acha que é exceção quando na verdade não é; faz parte da maioria.

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