Como a drenagem de cérebros faz os países pobres continuarem pobres?

Fundacão Sapiência
7 min readAug 28, 2023

--

@fundacao_sapiencia

A educação é o caminho para mudar o mundo. A grande maioria dos países bem desenvolvidos têm na educação a sua oportunidade de alavancar números e produzir conhecimento. Os Estados Unidos são um exemplo prático dessa estratégia, pois detêm em seu território:

  • Boa parte das melhores instituições de ensino superior do mundo (Harvard, MIT, Columbia, Yale);
  • Alguns dos maiores centros tecnológicos do mundo (Vale do Silício, NASA, Intel, Samsung);
  • Grande número de empresas de porte mundial (Google, Amazon, Walmart, Apple, Microsoft, McDonald’s, Visa, J.P. Morgan, Nike, Coca-Cola).

Isso faz com que esse país atraia uma parte das mentes mais brilhantes do mundo para seu domínio e boa parte dessa mão de obra especializada vem de países subdesenvolvidos. Conforme os dados da empresa Intalent. Em 2023, um engenheiro na Índia pode trabalhar em seu país e receber o equivalente a 10.000 dólares anuais, um salário decente, porém que poderia ser até 10 vezes maior se esse mesmo engenheiro fosse estudar e trabalhar nos Estados Unidos. Sendo assim, países de economia avançada conseguem usufruir dessa carência em todos os âmbitos possíveis.

Esse é um cálculo bem simples, se um país consegue trazer estrangeiros para suas instituições, essas pessoas terão que consumir coisas, se estabilizar, comprar imóveis. Ou seja, aquecendo a economia, o sistema de internacionalização impacta mais a vida financeira do estudante internacional do que para o país em que ele está indo. Em muitos casos, uma parte considerável do dinheiro que sustenta esses jovens vem de seu país de origem (familiares e incentivo governamentais). Assim, é muito vantajoso receber dezenas de jovens promissores que irão usar seus talentos para produzir conhecimento em todas as áreas (Ciências, Artes e afins) alavancando a economia e avanço tecnológico de países que os oferecem lugar para morar e a promessa de uma vida melhor. A grande verdade é que muitos estudantes não queriam ter que deixar seus países, porém são forçados pela falta de perspectiva de futuro e oportunidades.

Esse é o êxodo mental, o processo onde as mentes graduadas de um país migram para outro em busca de melhores condições de vida; as motivações são variadas: alguns fogem da violência, corrupção ou perseguição, outros buscam melhores oportunidades de remuneração e afins. E no fim, temos uma migração em massa de ótimos profissionais fazendo com que seus países percam as mentes que realmente podem causar alguma mudança na economia.

No Brasil, estamos passando por uma imensa diáspora de estudantes rumo ao exterior. Desde 2015, o número de brasileiros em instituições estrangeiras vem aumentando a cada ano. Os índices de desigualdade social e problemas educacionais fazem com que estudantes tentem sair do país para desenvolver suas carreiras. Entre as 100 melhores universidades do mundo, a única instituição brasileira presente é a Universidade de São Paulo(USP), que ocupa a posição número 90

Sabemos que o Brasil é uma verdadeira fábrica de talentos em diversas áreas, não só nos Esportes. Por exemplo, a Nubank é uma startup brasileira que conseguiu mudar o setor financeiro no país. Em 2021, recebeu mais de 300 milhões de dólares como investimento de incentivo de redes como o Sands Capital e Berkshire Hathaway. Atualmente trata-se do banco mais valioso da America Latina, com cerca de 74,6 milhões de clientes em 2022.

Enquanto isso, o Instituto Butantã é o maior produtor de vacinas e soros da América Latina. Além de ser o principal produtor de imunobiológicos do Brasil. Referência mundial de eficiência e qualidade, é responsável pela maioria dos soros hiperimunes utilizados no Brasil contra venenos de animais peçonhentos, toxinas bacterianas e o vírus da raiva. O Instituto desenvolve estudos e pesquisa básica nas áreas de biologia e de biomedicina relacionados, direta ou indiretamente, com a saúde pública; Sendo assim, trata-se de um polo científico de extrema importância para o país

Agora, vamos a um estudo de caso. A Indústria aeroespacial do Brasil é reconhecida internacionalmente como uma das mais promissoras no mundo. Nesse contexto, a empresa que revolucionou o sistema de aviação regional no mundo é a Embraer, como essa empresa conseguiu dominar esse mercado tão lucrativo?

A empresa nasceu em 1969 como uma estatal brasileira e rapidamente se tornou uma referência na fabricação de aviões. Responsável tanto pela produção de aeronaves comerciais e executivas quanto militares e agrícolas. Com o tempo, ela se consolidou como uma das empresas mais respeitadas no seu ramo.

O início da Embraer passa diretamente pela a fundação do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), uma instituição de ensino e pesquisa considerada uma das melhores no ensino superior do Brasil. No Índice Geral de Cursos (IGC) 2019, exame realizado pelo Inep que avalia instituições com notas de 1 a 5, o ITA aparece com a pontuação máxima; no ranking geral, o instituto é o 8º colocado.

O que acontece é que no início dos anos 60, muitos estudantes do ITA foram trabalhar no Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento do Brasil (IPD) onde parte dos primeiros aviões da Embraer nasceram, como o Bandeirante, Ipanema e o Urupema. Sendo assim, a empresa nasceu pela iniciativa de alguns engenheiros militares que faziam parte do IPD — algo similar ao que aconteceu nos primeiros anos do Vale do Silício. Os estudantes foram incentivados a abrirem seus próprios negócios ao saírem da faculdade. O fato das mentes engenhosas do ITA receberem essa liberdade para produzir conhecimento levou a um pico de inovação tecnológica que não aconteceria se os mesmo estudantes tivessem migrado para outro país. Esse é um exemplo positivo do que o Brasil pode fazer quando suas melhores mentes podem ficar dentro do país.

A resposta que a Embraer nos oferece é de que quando temos nossas melhores mentes dentro de “casa” é possível construir um legado. A educação fez toda a diferença no sucesso por trás da empresa.

Sendo assim, fica evidente a problemática que sustenta o motivo pelo qual o Brasil segue tendo problemas de desenvolvimento. O país que continua sendo relacionado como a possível nova potência, não consegue atender as expectativas que estão sendo depositadas desde o século passado.

Outra questão que se relaciona diretamente com essa drenagem cerebral é a taxa de natalidade. Não por um acaso, a maioria dos países com baixo índice de desenvolvimento tem uma alta população de jovens. Sendo assim, muitas crianças estão nascendo e o custo benefício disso é caro. Vamos novamente ao estudo de caso, um casal resolve ter seu terceiro filho e isso exige que pelo menos um deles deixe o seu trabalho por um tempo, além do aumento dos gastos gerais dessa família. Sendo assim, ter mais um filho representa perder dinheiro, por mais que o problema não seja necessariamente criar um novo indivíduo, mas sim as implicações por trás disso.

Muitos países apresentam leis que proíbem o trabalho infantil, mesmo em negócios familiares e não há confirmação de que essas crianças irão ajudar seus pais na velhice, pois já existem sistemas alternativos para fazer isso. Por isso, quase toda economia avançada está passando por um problema social onde a sua população está envelhecida. Com isso, a solução é recrutar as melhores mentes disponíveis ao redor do mundo para manter a engrenagem funcionando.

Países atraentes terão sua parcela de população jovem e educada para ocupar os espaços, pois querem uma vida melhor. Em muitos casos, eles podem escolher quantos imigrantes graduados eles querem receber em seu território simplesmente aumentando ou diminuindo a quantidade de visto de trabalho oferecidos. E com o aumento considerável no desemprego em escala global, causado pela Pandemia, essa é a oportunidade ideal para receber um alto número de mão de obra para consertar os problemas da população envelhecida e por isso, esses países continuam ricos. Cidades globais como Londres, Nova Iorque são exemplos práticos disso. Em uma escala regional, podemos citar a cidade de São Paulo, no Brasil. Onde a migração da região Nordeste para o Sudeste do país, é feita em larga escala desde os anos 60.

O Brasil não é único e exclusivo nesse problema como a fuga de cérebros. Em diversos outros países temos a mesma tendência. As Filipinas são um exemplo disso:

“Sou das Filipinas, um país em desenvolvimento, e faço parte dessa fuga de cérebros. Eu vim da melhor universidade do meu país e queria retribuir, já que era bolsista e minha educação era paga pelos contribuintes. Tive a oportunidade de estudar nos Estados Unidos e até em grandes empresas de tecnologia como Microsoft e Autodesk. Meu maior motivo para não querer voltar para casa é a cultura. A cultura de trabalho na indústria de tecnologia é sobre crescimento. Claro, há muitas demissões, mas você cresce em todas as oportunidades que encontra. De volta às Filipinas, o trabalho é sobre personalidades e cultura. A qualidade do seu trabalho é baseada em quem são seus amigos e qual sobrenome você tem — seus resultados podem ser ignorados se você pertencer à família certa.”

Xeratol Plays, nome artístico de um jovem youtuber nascido nas Filipinas

O que podemos dizer sobre o Brasil e sua drenagem de cérebros?

Retornaremos à mesma conclusão citada anteriormente, os estudantes são forçados a deixarem seus países mesmo que isso não seja a vontade inicial dos mesmos. Em um lugar como o Brasil, é possível perceber o porquê que muitos jovens tentam sair do país, os estudantes são reféns de uma comunidade marcada por privilégios de classe, estratificação social e muita desordem. Os jovens de baixa renda encontram-se em um contexto de completa desestimulação e isso impacta diretamente a perspectiva de vida das pessoas. Eles são podados pelas suas realidades, para aqueles que tem a acesso à educação privada e elitizada aparecem mais opções, para quem vem do ensino público o que sobra é encarar uma jornada de venda de conhecimento, onde o estudante procura mostrar que vale algum tipo de investimento na esperança de poder acessar lugares que nem seus pais e muito menos os seus avós jamais tiveram a chance de pelo menos olhar. É assim que o rico continua rico e o pobre continua pobre, ao menos que fure a bolha para tornar-se um novo-rico.

Por: Marta Melo e Pedro Amorim

--

--

Fundacão Sapiência

“Poena par sapientia” 🦉💚 Acreditamos que a educação é o único caminho para transformar o mundo.