As vozes da violência obstétrica

Gabriela Morgado
14 min readNov 29, 2019

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“Ele ficava gritando comigo assim ‘vambora, empurra logo esse bebê, empurra! Você tá matando o nenê no canal vaginal, ele tá sufocando ali dentro.’” “Ele ficava o tempo inteiro com a mão dentro de mim, fazendo um movimento como se tivesse abrindo o meu canal. E aquilo doía muito, muito, muito, muito.” “Quando me deitaram na maca, começaram a me costurar a frio. Não tinha anestesia nenhuma, eu tinha acabado de deitar ali. E eu gritei, aí ela virou ‘cala a tua boca, você tá assustando a menina’”.“Ela chegou no meu ouvido e disse ‘oh meu bem, eu coloquei um DIU em você, viu? Para que você não saia fazendo filho por aí’. Eu tive muito sangramento e depois eu tive que retirar às pressas esse DIU.”

Esses relatos são memórias de quatro mães, do momento em que tiveram seus filhos. Liliane, Fernanda, Alessandra e Marina contam que sofreram violência obstétrica. Esse tipo de agressão é caracterizado por atos de desrespeito, maus-tratos e abusos de profissionais ou de instituições de saúde contra mulheres grávidas, antes, durante ou depois do parto. Entre as denúncias mais comuns estão frases desrespeitosas ditas às gestantes e procedimentos médicos praticados sem o consentimento da mulher ou sem explicação.

Um deles é a episiotomia, corte feito no períneo da mulher para aumentar o canal de passagem e facilitar ou acelerar o nascimento do bebê. Em tese, esse procedimento deve ser usado em trabalhos de parto demorados, que apresentam riscos maiores para a mãe e para o bebê ou em outros casos de urgência. Mas, segundo estudos, a episiotomia é uma prática rotineira em partos normais no país. A pesquisa Nascer no Brasil, feita pela Fundação Oswaldo Cruz em 2011, revelou que 53,5% das mães que tiveram seus filhos por parto vaginal sofreram episiotomia. A veterinária Alessandra Caprara, de 38 anos, foi submetida ao procedimento quando deu à luz seu primeiro filho, Ian, hoje com 13 anos.

“Fizeram episiotomia com a criança já nascendo, sem me perguntar nada. Doeu até cair os pontos. Fiquei com bastante dor.”

Já durante o trabalho de parto para ter o segundo bebê, Ana Catarina, dois anos depois, Alessandra conta que também sofreu violência. Ela recebeu a visita de uma fisioterapeuta da unidade com um aparelho EPI-NO. O equipamento é usado para fortalecer a musculatura do assoalho pélvico para o parto. De acordo com Alessandra, a profissional disse ter colocado o aparelho no seu corpo para testar a elasticidade do períneo.

“E aí veio uma moça, fisioterapeuta de períneo, e falou assim ‘olha, eu vou introduzir uma coisa na sua vagina, mas você não se preocupa não, tá, que não vai doer’. Eu olhei para a cara dela e falei ‘o quê?’. Era um EPI-NO. ‘A gente tá testando a elasticidade do períneo’. Eu lembro de tudo, porque foi de um tamanho absurdo, que não dá para esquecer.”

De janeiro a junho de 2019, 116 mulheres fizeram denúncias de violência obstétrica no Ligue 180, telefone da Central de Atendimento à Mulher, atualmente responsabilidade do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. No mesmo período de 2018, esse número foi de apenas 15. Ou seja, houve um crescimento de cerca de 87%.

Mas, segundo uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo com o SESC, esse número pode ser ainda maior. O estudo publicado em 2010 revelou que uma em cada quatro mães brasileiras tinha sofrido violência durante o parto. O número baixo de denúncias em comparação com o de casos pode ter relação com muitos fatores. Um dos principais é que o tema ainda é alvo de debates intensos e opiniões contrárias entre mulheres, movimentos sociais e a classe médica.

Alguns grupos que vêm lutando para que a sociedade reconheça a violência obstétrica são os movimentos pelo parto e nascimento humanizados. De acordo com esses grupos, a assistência humanizada é caracterizada pelo protagonismo da gestante e pela diminuição de intervenções médicas durante a experiência do nascimento. Uma das primeiras organizações civis no Brasil a se constituir em torno de ações de humanização foi a ReHuNa, a Rede pela Humanização do Parto e do Nascimento, formada em 1993. De acordo com a médica e presidente Daphne Rattner, o movimento atua, por exemplo, na difusão de informações sobre o tema, na organização de eventos internacionais e no diálogo com o Ministério da Saúde para a criação de políticas públicas.

“O pessoal que não gostava do jeito que se atendia começou a fazer diferente e faz diferente até hoje e é referência para a atenção humanizada. Ele era aberto a mães, pais, quem quisesse mudar as coisas podia fazer parte e até hoje faz parte da ReHuNa.”

Outros grupos, formados principalmente por médicos obstetras e profissionais de saúde com uma visão mais tradicional da Obstetrícia, defendem a autonomia dos médicos para decidir sobre o uso de procedimentos, como a episiotomia. Segundo esses profissionais, o médico obstetra deve ser o único responsável por comandar um parto, com base em seus conhecimentos e no que considera seguro para a mãe e para o bebê. Por causa disso, o médico obstetra Raphael Câmara, representante do Rio no CFM e conselheiro no Cremerj, o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro, defende o direito desses profissionais de agirem de forma diferente da planejada pelas mulheres para o parto.

“Você tem várias, hoje em dia, condutas ensandecidas que colocam em risco tanto a mulher e/ou o bebê. A mulher não pode querer que faça uma coisa que vá colocar em risco o bebê. Quem comanda o parto é o médico, é o obstetra, pelo simples motivo que ele é o responsável. Se alguém morrer, quem vai responder na Justiça é o médico. Todo mundo nessa hora foge.”

Esses grupos criticam o uso da expressão “violência obstétrica” e parte deles nega que ela seja uma prática recorrente no sistema de saúde do país. Em maio de 2019, por exemplo, o Ministério da Saúde emitiu um despacho no qual afirmava que a pasta estava colocando em prática estratégias para abolir o uso da expressão. Segundo o documento, o termo “violência obstétrica” é inadequado, já que dele se poderia concluir que os profissionais têm a intenção de causar dano às gestantes. De acordo com a pasta, essa visão não representa a realidade. A decisão seguiu um parecer do Conselho Federal de Medicina, de 2018, que também criticou o uso da expressão.

Câmara afirma que a palavra violência gera discriminação contra os obstetras.

“O termo violência obstétrica é um termo preconceituoso, discriminador contra o obstetra. Qualquer pessoa que ouve isso associa imediatamente ao médico obstetra. Então, a gente é a favor do termo violência institucional, que é todo o caos que está na saúde pública, nos hospitais, nas maternidades. A violência contra todo mundo, inclusive contra o obstetra.”

O médico diz ainda que existem casos excepcionais de violência na Obstetrícia. Segundo ele, esses episódios passam a ser vistos por muitos grupos, de maneira errada, como parte da rotina desses profissionais.

“Vai em uma maternidade ver se tem alguém amarrado. Isso é mentira. Isso é lenda urbana. Óbvio que você vai ter criminoso em qualquer lugar. Agora, querer pegar um evento de um em um milhão, que eu nunca vi na minha vida, e querer colocar isso como dia-a-dia, eu acho isso um pouco de má fé.”

Daphne concorda que, em muitos casos, não há intencionalidade por parte dos obstetras. Segundo ela, práticas de desrespeito fazem parte da cultura médica. Por outro lado, acredita que o uso do termo “violência” é importante e deve ser determinado por quem a sofre.

“Violência é uma palavra muito forte e faz as pessoas saírem da sua zona de conforto. Pergunta para as mulheres como elas se sentiram. Quem sofre a violência tem o direito de chamar de violência aquilo que sofreu. Ela está embutida na cultura, ela é uma violência de gênero. [Os médicos] podem dizer que não são violentos, mas é, na verdade, porque eles querem continuar legitimados naquilo que eles sempre fizeram.”

A violência causada pela negligência e pela falta de organização e estrutura do sistema de saúde brasileiro também é uma questão levantada pela ativista.

“A gente tem ainda a violência do sistema de saúde, que é quando não há garantia de vaga. Existe uma lei, a 11634 diz que a mulher no início da gravidez já deve saber onde ela vai parir. Então, uma mulher que, em trabalho de parto, vai peregrinando para procurar um lugar para ser atendida é uma violência. Pode custar a vida dela ou a do bebê ou a dos dois.”

Um caso semelhante aconteceu há cinco anos com a professora de dança Marina Fraga, de 40 anos. Grávida de dois meses, ela teve um sangramento e foi para um hospital em Mucugê, na Bahia, onde morava. Mas, ao chegar na unidade, foi informada de que o serviço de ultrassonografia não estava disponível e, por isso, teria que ser transferida para outro local. Ela foi levada para uma unidade no município de Wagner.

“Quando o outro médico entrou, disse ‘ah, não dá tempo de esperar, você pode ter alguma complicação, então eu vou te mandar para Wagner.’ E aí, quando chegou lá, não tinha também a ultrassonografia e o médico disse que eu tinha sido encaminhada já para fazer a curetagem. E eu entrei em pânico com isso, eu entrei em pânico, eu fiquei muito mal.”

Curetagem é um procedimento de raspagem do útero, realizado para diagnosticar complicações ou para retirar restos de placenta depois de um aborto. Depois de ser submetida a esse processo, Marina diz que foi informada que o bebê teria morrido. Mas, quando retornou ao primeiro hospital, no dia seguinte, por causa de um novo sangramento, o médico a informou de que seu filho estava vivo.

“E ele arregalou o olho e perguntou ‘ele disse que fez a curetagem?’. Aí ele ligou o som e o coração estava batendo. O meu filho estava lá. Eu não sabia como eu me sentia. Alguém tinha enfiado um monte de artefatos ali dentro de mim, perto do meu filho. Eu não consigo descrever.”

Depois do episódio, Marina conta que a Secretaria de Saúde a transferiu novamente, desta vez para Feira de Santana. Na unidade do município, o médico recomendou que ela tentasse se internar em uma maternidade de excelência de Salvador, onde teria melhores condições de atendimento. A professora relata que esperou na casa de parentes por uma semana, até conseguir uma vaga. Ela ficou internada por dois meses. Aos cinco de gestação, o bebê, que se chamaria Miguel, não resistiu.

Marina chegou a fazer denúncias no Ministério Público, na Secretaria de Saúde e na Assembleia Legislativa da Bahia. Por causa da polêmica em torno da violência obstétrica, não há uma lei nacional no Brasil que trate especificamente desse assunto. Apenas alguns estados, como Santa Catarina, sancionaram leis que definiram certas práticas como violência obstétrica, enquadradas como ofensas verbais e físicas. Na maior parte do Brasil, no entanto, as denúncias devem ser feitas nas próprias unidades de saúde onde os casos acontecem, em ONGs, nas Secretarias de Saúde ou em órgãos como as Defensorias Públicas, o Ministério Público e os Conselhos de Medicina.

Denunciar pode ser um processo difícil também psicologicamente. No caso da fotógrafa e publicitária Fernanda de Oliveira, de 36 anos, a culpa por não ter levado às autoridades o que sofreu ainda a atinge. Ela acredita que a denúncia deveria ficar a cargo da família ou de pessoas próximas das vítimas, já que o momento é de vulnerabilidade para essas mães.

“Quando eu voltei para casa, eu estava com aquilo tudo na minha cabeça. Era muita informação, era muita coisa que eu tinha visto e vivido. O que eu acho que seria o ideal é se o marido ou a pessoa que acompanha de perto a mulher colocasse isso para frente.”

Fernanda teve três filhos: um em 2004, um em 2006 e o outro em 2018. Ela conta que sofreu violência obstétrica nas três ocasiões. Na mais recente, em uma unidade de saúde pública do Rio de Janeiro, diz que estava preparada. Fez pesquisas na internet sobre práticas e procedimentos recorrentes no parto e pediu ao médico para que não os realizasse.

“Aquela coisa: ‘não grita’, ‘não faz barulho’ e tal. Eu consegui, pelo menos, não ter a episiotomia, nem a ocitocina. A enfermeira obstétrica conseguiu entrar na sala comigo, então estava o meu marido e a enfermeira. Não deixaram a doula entrar.”

A presença de doulas com a mulher na hora do parto é garantida por lei no Rio de Janeiro. Na maioria das vezes mulheres, as doulas são contratadas pela mãe para acompanhar todo o período de gravidez, nascimento e pós-parto. Elas atuam dando informações sobre assistência e apoio emocional à gestante. Mas, um parecer do Cremerj indica aos obstetras negarem a entrada de qualquer acompanhante ou doula na sala de parto, se considerarem que a presença deles vai atrapalhar sua atuação ou ameaçar a segurança da mãe e do bebê. A advogada Renata Vilhena, que atua na área do direito à saúde, pondera que o documento não tem caráter de lei.

“O parecer não tem a força de lei. O Cremerj não pode proibir, se não existe essa proibição em lei. Então, é só uma orientação para os médicos, para que eles orientem as pacientes. Mas isso não tem um caráter coercitivo.”

Diferente do último, os dois primeiros partos de Fernanda foram por cirurgia cesariana, na mesma unidade privada de saúde. Ela planejou um parto vaginal com seu médico, ao longo da gravidez do primeiro filho. Mas, depois de algumas horas de trabalho de parto, Fernanda afirma que o obstetra furou sua bolsa e disse que, por esse motivo, o nascimento deveria ser feito por cirurgia. O mesmo médico recomendou que ela também passasse por uma cesariana no segundo parto, contra sua vontade. O profissional disse a Fernanda que o tempo de cerca de dois anos entre os nascimentos era pequeno e um parto natural poderia apresentar riscos.

Fernanda faz parte do grupo de mais de metade das mães brasileiras que tiveram seus filhos por cesariana. De acordo com o Ministério da Saúde, a taxa dessas cirurgias no país é de 55,5%, enquanto o recomendado pela Organização Mundial da Saúde é de 10% a 15%. Na saúde privada, esse índice é ainda maior e, segundo Daphne, chega a cerca de 80%. Ela comenta que grande parte dessas cirurgias é feita de forma excessiva, por conveniência médica, o que pode trazer riscos à mãe e ao bebê.

“Qualquer cirurgia tem riscos. Nestes casos, você está acrescentando o risco da cirurgia onde não existiria risco. No sistema privado, a gestão prefere cesárea, porque é possível planejar praticamente 100% de ocupação. É muito conveniente para o sistema de seguro saúde.”

Câmara discorda. Segundo o conselheiro, os parâmetros recomendados pela OMS são definidos por pessoas, que têm sua própria visão sobre o assunto, tanto quanto os ativistas e os médicos que integram os Conselhos de Medicina.

“O que é problemático é você já dizer à priori que você não pode fazer. Só o médico tem a competência técnica para decidir se deve ou não ser feita a episiotomia, o fórceps, o Kristeller, uso de ocitocina e tudo isso que inventaram que, na verdade, é violência obstétrica. A OMS é uma instituição ideológica, feita por pessoas. A OMS não é uma entidade acima do bem e do mal.”

O tema envolve ainda outro movimento: os grupos feministas. Eles costumam incluir o combate à violência obstétrica na discussão sobre os direitos sexuais e reprodutivos da mulher. Um desses grupos é o Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, que oferece atendimento médico e psicológico diferente daquele de hospitais e maternidades tradicionais. Segundo uma das ginecologistas e obstetras do grupo, Halana Faria, o modelo de assistência ofertado é focado no autocuidado e no autoconhecimento da mulher, dentro da perspectiva feminista. Ela explica qual é a relação das lutas contra a violência obstétrica e contra o machismo.

“O feminismo está na base das críticas e das denúncias de violência obstétrica no mundo todo. Os primeiros relatos vêm de movimentos feministas. O coletivo compreende violência obstétrica como uma violência contra a mulher, que tem origem nessa medicina que desconsidera a possibilidade da mulher ter autonomia para viver o parto como uma experiência. O parto passou a ser muito medicalizado, muito focado no poder médico de realizar intervenções.”

A visão de Halana é compartilhada por Liliane Gomes, de 27 anos. Ela sofreu violência obstétrica em 2013 em duas unidades de saúde, durante a mesma gravidez. Segundo conta, passou a atuar como doula para poder impedir que outras mulheres grávidas passem pela mesma situação.

“Eu penso que eles [médicos] acreditam que as mulheres em estado de vulnerabilidade não conseguem raciocinar por si mesmas. E aí eles aproveitam e assumem o domínio do corpo da mulher. É uma violência de gênero. Durante o pré-natal, ela [médica] ficava me aterrorizando, dizendo que eu ia matar a criança, que eu estava ganhando muito peso. Na verdade, eu estava com uma alteração nos triglicerídeos. Quando o neném nasceu, ele tinha uns vasinhos vermelhos nos olhos e eles ficaram falando que foi minha culpa, porque eu prendi ele na vagina. Aquilo me deixou em pânico.”

Liliane ressalta ainda a depressão pós-parto causada pelo episódio.

“Tive depressão pós-parto. Hoje eu faço tratamento. Quando acontece algum episódio de violência com alguma mulher que eu estou atendendo é como se estivesse acontecendo comigo de novo.”

Mas as práticas violentas não são cometidas só por homens. Obstetras mulheres também estão inseridas na cultura médica. Por causa disso, Alessandra pontua a necessidade do companheirismo entre essas obstetras e as gestantes.

“A maior parte das pessoas que me atendeu nesses hospitais foram mulheres. Então, [é preciso] a gente rever a relação entre nós mulheres e dar mais a mão uma para a outra, para crescer o amor entre nós e o respeito entre nós primeiro.”

Para acolher os relatos dessas mães e guiar pesquisas sobre o tema, a Associação de Doulas do Rio de Janeiro e a Defensoria Pública do estado iniciaram em setembro uma parceria, para a criação de um canal específico para receber denúncias sobre o tema. Em setembro e outubro, quatro mulheres procuraram o órgão. Matilde Alonso, a subcoordenadora de Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria, ressalta a importância do acordo, mas critica a tentativa de criminalização da violência obstétrica.

“Eu acho que é essencial, você dá visibilidade para o tema, facilita o acesso das pessoas para orientação. A gente está vivendo uma época que é muito [incentivado] penalizar e criminalizar as condutas, mas eu acho que não dá para criminalizar tudo, acho que essa não é a melhor solução. Eu acho que a gente tem que trabalhar mesmo com a educação. Sensibilizando as equipes médicas, formando novos médicos com outro olhar.”

Daphne também acredita que não se deve criminalizar práticas médicas.

“Esse tipo de coisa nunca deveria estar em lei. Isso é procedimento médico, tem outra tramitação. Eu acho que não se muda a cultura criminalizando. Para ocorrer diálogo, eu tenho que escutar o lado de lá e eles têm que me escutar. Se eu partir para a criminalização, eles vão se fechar em ostra, e aí que não vai mudar nada, eles vão continuar fazendo o que sempre fizeram.”

O canal criado pela Defensoria é uma das consequências do diálogo entre órgãos oficiais e movimentos da sociedade civil. Mas essa comunicação nem sempre é fácil. Câmara explica que os Conselhos Federal e Regional do Rio de Medicina realizam reuniões de rotina com instituições que têm visões diferentes desses órgãos. Mas ele ressalta que os encontros não geram resultados e que não há diálogo com movimentos civis considerados radicais.

“Como é que você vai dialogar com pessoas que só te atacam, te agridem? Não há por que ter diálogo com quem te ataca. Com alguns já houve reuniões. Na prática, cada um tem a sua coisa e não sai nada muito útil. Uma coisa é você conversar com instituições, outra coisa é conversar com movimentos de feministas radicais, que só te atacam.”

Halana pondera que não há uma acusação direta por parte dos movimentos sociais à classe obstétrica, já que a violência discutida seria estrutural. Mas, a médica afirma que algumas práticas cometidas por obstetras de forma individual devem ser consideradas violência e ser combatidas.

“Os médicos têm se sentido acuados, se sentem acusados eles próprios, na sua individualidade, de violentos. Quando a gente sabe que a violência obstétrica é algo estrutural, mas que há, muitas vezes, posturas individuais violentas também, que precisam ser coibidas. Infelizmente, essa é a linguagem que as pessoas entendem. Quando elas começarem a ser penalizadas, quando os hospitais começarem a ser penalizados, talvez, se caminhe mais na direção de entender que esse é um problema que precisa ser enfrentado, e não negado.”

Em meio às discordâncias sobre o tema, surge pelo menos uma certeza: é preciso uma mudança estrutural no sistema de saúde brasileiro, que deve vir com políticas públicas, educação e diálogo.

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