O caso de Greta Gerwig e a invisibilidade de diretoras nas premiações hollywoodianas.

Gabriela Holanda Bessa de Lima.
6 min readJan 8, 2018

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“And here are the all-male nominees”

Em 08 de janeiro de 2018 aconteceu a 75º edição do Golden Globes, uma premiação realizada pela Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood, e que é considerada equiparada ao Oscar em termos de relevância.

De todas as edições já realizadas do Globo de Ouro, houveram apenas 5 indicadas ao prêmio de melhor direção. Sendo em 1984, com Barbra Streisand em Yentl, o primeiro e o único ano em que uma mulher ganhou tal prêmio, há “apenas” 34 anos. No Oscar não é muito diferente, com apenas 4 mulheres indicadas durante suas 90 edições realizadas, e somente uma vencedora em 2010. Mas por quê somente Kathryn Bigelow e Barbra Streisand foram as primeiras — e únicas até agora — diretoras do mundo a ganhar um Oscar de Melhor Direção e o Globo de Ouro de Melhor Direção?

Em 2017 tive a honra de ter realizado a hashtag #52filmsbywomen, um projeto que incentiva o consumo de, pelo menos, um filme por semana, durante um ano, que seja dirigido por uma mulher. Mas, antes de entrar em contato com as discussões que levantam questões como a falta de representatividade da mulher na indústria cinematográfica ou a invisibilidade de trabalhos realizados por diretoras mulheres, principalmente fora do espectro de Hollywood, eu não compreendia muito bem o porquê desse projeto ser tão importante e também qual a relação entre o machismo e a falta de indicações de diretoras em premiações como estas.

Qual a importância de consumir mais produção cultural de mulheres? Por que assistir a estes filmes? Por que focar e discutir a produção cinematográfica feminina?

São muitos os argumentos, porém, primeiramente, devido a representação do feminino no cinema, mais especificamente, do que deve ser o feminino para a sociedade e como ela é retratada nos filmes, e como esse retrato é fundamentalmente calcada pela visão de homens. Uma das coisas que mais senti falta durante toda a minha trajetória cinematográfica foi a caracterização de personagens femininas que fossem reais, que não fossem um símbolo sexual ou a mãe dona de casa perfeita que está sempre feliz. Há sempre uma pressão para que as personagens femininas sejam simpáticas aos olhos do público, o que não acontece com os personagens masculinos. E assistindo a filmes que são dirigidos por mulheres, eu considero o contrário, a maioria de suas personagens são mulheres fortes, independentes, reais, com sentimentos caóticos e que refletem sobre sua realidade e não somente estão preocupadas em como o homem da trama está.

Faltam papéis relevantes para mulheres no audiovisual, faltam papéis que quebrem o dever-ser do feminino, que incluam mulheres que não sejam o padrão que querem que nós sejamos. E falo isso como uma regra. Logicamente, há exceções variadas, como a personagem de Frances Mcdormand em Three Billboards Outside Ebbing Misouri, que é um filme dirigido por um homem, entretanto, apesar da representação da mulher no cinema estar sendo revolucionada, ela está em poucos e lentos passos, e o que o que vemos no cinema, na grande maioria das vezes, são personagens femininas não relevantes, ou que somente aparecem em tela como uma amante ou uma parceira romântica do homem principal, que é bem escrito, e incrível.

E isso também é condicionado por outro fator importante: as mulheres não são levadas a sério nessa indústria. Para Hollywood, as mulheres ainda são consideradas um risco, não se supõe que uma personagem feminina possa levar o público masculino aos cinemas, e quando mulheres estão no comando de uma direção elas são constantemente intimidadas e questionadas. Sobre isso, lembro de um relato corajoso da Anne Hathaway que demonstra as entrelinhas e a sutileza de como as mulheres são enxergadas na sociedade mundial. Em uma entrevista, a atriz fala sobre como foi trabalhar com a Lone Scherfig em Um Dia (2011), conta que não entendia o motivo de ela estar sempre questionando o trabalho da diretora, de não ter compreendido o fato de não ter se dedicado completamente a um filme que foi dirigido por uma mulher, até que percebeu como ela foi influenciada pela criação machista de nossa sociedade.

“É algo que eu pensei muito quando recebia roteiros que seriam dirigidos por uma mulher”, disse. “Quando eu recebia um roteiro, quando via que um filme seria dirigido por uma mulher, eu procurava o que havia de errado com ele. E quando eu via que um filme era dirigido por um homem, eu focava no que havia de certo nele. Eu consigo reconhecer que fazia isso e que não quero mais continuar fazendo isso. Antes de perceber isso, tinha tentado muito trabalhar com diretoras. E eu ainda tinha esse tipo de pensamento enraizado em alguma lugar”.

Para demonstrar ainda mais a relação adversa das mulheres com o cinema, os filmes feitos por mulheres nem sempre são acessíveis, estreando na sala de cinema mais próxima de você. É preciso correr atrás deles, seja através de torrent, ou indo conversar com a direção do seu cinema local. Além da falta de oportunidades de dirigir, produzir ou escrever, as cineastas ainda precisam enfrentar a falta de confiança da equipe envolvida no projeto que estão trabalhando e também a não aceitação da distribuição dos filmes feitos nos cinemas de todo o mundo.

Mas, passando agora para o conjunto de problemas do Golden Globes de 2018.

Elenco de Lady Bird dirigido por Greta Gerwig fotografando com seus prêmios de Melhor Filme e Melhor Atriz em Papel Principal.

Durante essa edição, Greta Gerwig recebeu o prêmio de melhor filme de comédia ou musical por “Lady Bird” (2016), porém, apesar disso, não recebeu nenhuma indicação ao prêmio de melhor direção.

Então acabamos encontrando um impasse e uma i-lógica. Como um filme conseguiria o prêmio de melhor filme, um dos maiores prêmios da noite, onde sequer a diretora fora reconhecida por seu trabalho e sequer foi indicada?

Essa incongruência raramente acontece nas premiações sindicais e me fez refletir sobre a importância de discutirmos sobre o assunto.

O que me veio a mente foram diversos comentários dizendo que se não fora indicada é porque na verdade a diretora não mereceu, ou na verdade, os outros diretores tiveram um desempenho melhor que ela. Porém, comentários como esse, parecem-me irracionais. Além do contraditório resultado entre Melhor Filme e falta de indicação no prêmio de Melhor Direção. Lady Bird é um dos trabalhos favoritos de 2017, é o amor da crítica, por um certo tempo conseguiu superar Toy Story em críticas positivas no site Rotten Tomatos. Foi reconhecido pela melhor atuação, melhor direção e melhor roteiro em diversas outras premiações e foi invisibilizado em uma premiação como o Golden Globes. (O que também me lembra um pouco a injustiça de “Toni Erdmann” de Maren Ade e a ausência, mais uma vez, de diretoras indicadas no Oscar de 2017).

Incentivar as mulheres na direção é também a valorização do que é feminino e do que é ser mulher. É reconhecer o trabalho de maneira equânime ao reconhecimento do trabalho do homem. Essa situação não é uma circunstância que afeta apenas a indústria do entretenimento, mas que transcende como entendemos a política, a cultura e o social.

O texto acaba por ser um pouco do desabafo de uma consumidora de cinema, mulher, que se sente sub-representada nessa indústria e que torce que daqui a alguns anos a situação desprezível das mulheres na direção evolua, mesmo que pouco. E que venha o Oscar 2018.

Link de um bom site para discutir a presença da mulher no audiovisual: http://mulhernocinema.com.

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Gabriela Holanda Bessa de Lima.
Gabriela Holanda Bessa de Lima.

Written by Gabriela Holanda Bessa de Lima.

Estudante de direito, apaixonada por cinema (ainda mais se feito por mulheres) e viciada em fazer listas inúteis.

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