[Media Party] Games politizados para empoderar o público

Gabriel Galli
5 min readSep 1, 2016

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Este é o segundo texto sobre a Media Party, um evento organizado pelo grupo HackHackers Buenos Aires, que reuniu jornalistas, programadores, designers e empreendedores de várias partes do mundo para pensar o futuro da mídia. Veja os outros aqui.

/Mais uma foto bacana do Ramiro Chanes.

Paolo Pedercini é um desenvolvedor de games, artista e educador italiano que curte construir jogos que saiam do mainstream. Ele ficou especialmente motivado quando percebeu que muitos dos conteúdos que viralizam na internet podem influenciar a mídia e trazer assuntos à tona. E nós sabemos como é difícil receber atenção da mídia com tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo, né?

Os jogos criados pelo Paolo lidam com questões do mundo real, como o terrorismo ou os efeitos do sistema econômico na sustentabilidade do planeta. Ele deixa bem claro que são jogos extremamente engajados e vai além:

- Cada game representa uma posição política.

Pense em um jogo relativamente leve, como Sim City, em que os jogadores precisam construir uma cidade e administrá-la. A princípio não há nenhuma tentativa explícita de mobilizar em torno de uma causa, certo? Pois bem, o sucesso dos jogadores depende de construir uma cidade que siga uma visão prévia do que é uma metrópole bem construída e “correta”. Há sempre uma compreensão anterior de qual disputa é válida e qual enredo leva à vitória.

Uma das coisas que o Paolo valoriza nos games é a possibilidade de criar empatia sobre as situações quando você as vivencia. Sentir que suas ações mudam o rumo da história é diferente de apenas ler sobre um assunto. Essa impressão (e saliento “impressão”, por ser uma ilusão mesmo, já que as possibilidades em um jogo já são definidas previamente) da valorização da tomada de decisões é algo que coloca o jogador em um outro patamar de conexão com o conteúdo. Isso, claro, também pode ir longe demais. Precisamos nos questionar o quanto as pessoas querem vivenciar algumas realidades. E além disso, nem sempre é necessário um nível alto de realismo para gerar empatia para uma situação.

No jogo Unmanned o usuário simula um dia na vida de um piloto de drones. Entre outras coisas, ele precisa executar um ataque à distância que mata várias pessoas. Não é algo muito prazeroso de se fazer, vamos combinar. E não precisa mesmo ser algo gostoso de experimentar para trazer um efeito interessante. Colocar o jogador na posição de alguém que precisa decidir sobre um ataque traz a reflexão sobre o que você faria se estivesse no outro lado. Anos depois de ter sido criado, Paolo diz que ele continua relevante. É a mistura da atualidade do tema com uma história bem construída, não necessariamente com as tecnologias de ponta. O fato de termos uma ferramenta ou possibilidade nova por si só não garante o sucesso do conteúdo. A grande questão é como gerar conexão e atenção utilizando os recursos que temos.

O senso de empoderamento que os games trazem também pode, de certa forma, ser um problema, ele acredita.

- Você pode acabar tendo a noção de que pode controlar a própria vida. Na verdade, a maior parte das coisas que vivemos estão fora do nosso controle.

Foi para desafiar essa percepção que Paolo criou o game Every day the same dream em que se vive a vida de um homem que trabalha em um escritório e tem uma rotina irritantemente comum. Você basicamente precisa ir cumprindo tarefas como escolher a roupa do dia (não há muitas), ir para o trabalho de carro (não pode ultrapassar ninguém, já que está engarrafado), cumprir a jornada de trabalho (saindo e entrando no horário definido), até que você percebe que não tinha controle de nada. Poético, não?

Em outra experiência, ele criou um fake adversising game do McDonald’s, em que é precisa controlar a linha de produção e garantir que os hambúrgueres fiquem prontos. É uma mistura de jogo-da-fazendinha-feliz com Sim City, mas com efeitos amargos, como explorar pessoas e poluir o meio ambiente.

Acho que a grande contribuição da palestra do Paolo foi nos fazer pensar sobre as possibilidades de reinventar a reflexão sobre os diversos sistemas em que estamos inseridos. Pegar informações que já temos problematizadas (ou não) e construir uma informação, trazendo algum poder de decisão para quem estiver consumindo o conteúdo. No caso do McDonald’s, existem várias coisas criticáveis, do sistema de produção ao consumo, mas ele escolheu focar nos efeitos desse tipo de estrutura para o aquecimento global.

Que feio, seu diretor incompetente!

Gosto da provocação de transportar o poder de decisão do usuário para outros campos do jornalismo. Será que é possível construir experiências mais colaborativas na reportagem, do hard news aos textos longos? Fica a dúvida.

Se você gostou do texto, saiba que também escrevi sobre outras mesas:

Mais sobre a HackHackers Media Party no site oficial do evento.

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Gabriel Galli

Jornalista, Mestre em Comunicação Social, membro da ONG SOMOS (http://somos.org.br) e do grupo Freeda — Espaços de Diversidade (http://freeda.me)