Ética do amor livre em tempos de Covid

Gabrielle Dal Molin
4 min readApr 5, 2020

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DEIXANDO CLARO ANTES DE COMEÇAR O TEXTO: NÃO ESTOU DIZENDO PRA NINGUÉM SAIR DE CASA, VISITAR FAMÍLIA, NEM CRUSH, NEM NINGUÉM. SÃO REFLEXÕES MINHAS, CADA PESSOA FAÇA A SUA. NÃO SOU INFLUENCER.

A gente que discute NM de forma ampla, considerando as questões estruturais da monogamia, tudo que envolve o conceito de família dentro dessa norma e como construir os laços na contranorma, de repente teve que se deparar com essa situação de isolamento que trouxe novos elementos a serem pensados.

Antes de mais nada, sei que nem todes estão em condições de não precisar sair de casa para trabalhar. No meu caso foi mais simples, sou professora do estado, então parei rápido e já faz quase um mês que estou em casa, com rápidas saídas à praia aqui da frente em que não rola aglomeração.

Mas voltando, a imposição de uma quarentena na qual o ideal é que você só conviva com as pessoas que moram com você, trouxe pras pessoas que vivem relações não mono uma questão complexa, por que afinal, nossos amores, nossa “família extensa”, podem não estar na mesma casa que a gente. Quem vive anarquia relacional pode estar sozinhe e toda a sua rede atomizada e dispersa pela cidade ou por mais de uma. Quem vive poliamor, pode estar isolade com apenas uma pessoa da sua gama de relações (no caso de relação aberta, não acho tão difícil, porque esse momento vai ser só dar aquela pausa no Tinder rs). A pandemia, então, pode estar causando solidão e/ou problemas nas relações que não coabitam (nas que coabitam também).

Chego no cerne da discussão que é pensar, afinal o que significam esses laços, quem é considerado nossa família pela sociedade, como validar contatos com pessoas que não coabitam, mas que são tão importantes quanto as que estão na nossa casa, que estratégias podemos usar pra todes não se sentirem sozinhes de forma ética e segura?

A minha experiência pessoal está sendo a de que estou na mesma casa que o pai da minha filha, porque já morávamos juntes e ele também é professor da rede pública, então parou na mesma época que eu e só sai para ir ao mercado. Mas a mulher com a qual me relaciono, não mora aqui e trabalha numa empresa que só recentemente a liberou para o homeoffice. Ela é do grupo de risco, e eu, apesar de não ser, tenho uma bebê de 10 meses. Ela veio aqui em casa esses dias, mas só quando se completaram os 15 dias desde a última vez que ela tinha saído, andado de ônibus e tal. Foi custoso esperar, mas achamos, os três, que a medida mais segura deveria ser respeitada.

No entanto, eu penso que existem pessoas que não possam fazer isso, pessoas que se relacionam com gente que não poderá parar de sair, e aí somente a coabitação validará que esse contato próximo permaneça?

Eu amplio a questão: somente a coabitação valida laços familiares? Somente a validação desses laços é que permite uma confirmação da segurança dos nossos atos?

Outro dia eu estava lendo um texto do pessoal do CrimethInc, no qual logo de cara, existe a proposição de determinarmos quais riscos estamos confortáveis em assumir, uma vez que não é possível evitá-los por completo. Dessa forma, se algo der errado, a gente não se arrepende, porque sabe que tomou todos os cuidados que considerou necessários e que valeu a pena, pois se tratam de pessoas com as quais queremos compartilhar nossas vidas, pessoas que queremos proteger, cuidar, e numa proposição mais política, trata-se de defender nossa liberdade e a possibilidade de viver em uma sociedade na qual acreditamos.

Nesse sentido, eu penso que temos que nos atentar, não só quem vive em relações NM, mas de forma geral, que nos fecharmos em núcleos familiares tradicionais, esquecermos da ajuda mútua, não vai nos ajudar a sobreviver e passar por essa crise que não sabemos quanto vai durar.

Especificamente para quem vive NM, temos que tomar os cuidados básicos (tempo de isolamento, limpeza da casa e dos objetos, cuidados com a roupa e sapato que chega da rua), mas não podemos deixar que o fantasma da segurança da família burguesa nos assombre. Se na situação normal, o conceito da casa como um espaço privado livre dos perigos da rua já estava falido (se é que algum dia ele funcionou), agora que estamos experimentando essa nova realidade, temos que deixar as velhas respostas de lado e continuar apostando nas construções que fazem sentido pra nós.

Então, se eu puder elencar o que é fundamental para viver em tempos de pandemia, digo: amem todes amores, ajudem as pessoas vulneráveis, lavem as mãos e defendam o SUS.

Se quiser se comunicar comigo, mande inbox para o Instagram @gabspaceoddity 😊

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