Solidão a três

Gabrielle Dal Molin
5 min readApr 13, 2019

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Cheguei ao terceiro trimestre da gestação e nele estou encontrando tanto sensações novas, quanto já conhecidas. Se por um lado, em muitos momentos me sinto diferente fisica e emocionalmente, como se ao ver fotos de um ano atrás eu não me reconhecesse, por outro, aquela sensação de vulnerabilidade extrema que experimentei (e falei nesse texto) anda me visitando novamente.

Em uma semana eu chorei quase todos os dias, cada dia por uma coisa diferente: na segunda foi porque eu estava resfriada, na quarta foi por me sentir mal por estar com ciúme dela, na quinta foi porque eu fiz um exame e fiquei preocupada (feat ciúme plus meu terapeuta desmarcou a sessão) e na sexta juntou tudo e um grande peso se abateu sobre mim por sentir que carrego toda a responsabilidade pelo bem estar da minha filha e que estou sozinha nisso.

Na verdade, a semana toda eu me senti sozinha. Quando tive que levantar e fazer uma sopa para ver se arribava do resfriado, eu queria minha mãe. Quando saí do exame preocupada, eu queria qualquer pessoa que pudesse me abraçar e dizer que não era nada demais (ainda bem que pelo menos por WhatsApp minha parteira conseguiu me tranquilizar).

O tempo todo eu quis que alguém compreendesse de verdade o que eu estava falando, que pudesse se colocar não ao meu lado, mas dentro de mim, e que dividisse comigo a responsabilidade de ter que estar sempre bem e tomar as melhores decisões para mim e para minha filha. E nenhum dos meus dois amores conseguiu.

Racionalmente eu sei que não estou sozinha, tenho ele e ela que me apoiam de perto, tenho as duas mulheres que me acompanham desde já até depois do parto e tenho amigas e familiares, que próximas ou distantes, estão emanando boas energias e me ajudando com conselhos, dicas e ombros amigos. Só que a fragilidade que se abate sobre a mulher nesse período, mesmo cercada de amparo, é cruel.

A cada dia você sente seu bebê maior, mais vivo e as preocupações aumentam. Eu passei a gravidez toda sem ser uma mulher noiada, mantive muita coisa da minha vida na normalidade, não abri espaço para pensamentos negativos, histórias ruins, nem fiquei excessivamente cuidadosa e pretendo continuar assim. Mas de repente um resfriado, uma candidíase, um estado emocional instável me fizeram sentir o maior medo e o maior fracasso. Mesmo sendo amada por duas pessoas, eu me senti a pessoa mais sozinha do mundo.

Tive medo de perdê-la caso ela se envolvesse com outra pessoa e fracasso por estar indo contra alguns dos meus próprios princípios não monogâmicos. Medo do meu estado emocional atrapalhar o que ainda falta da gestação ou até mesmo estar influenciando minha filha, fracasso por não estar conseguindo vencer infecções.

E esse combo de medo e derrotismo foi se retroalimentando de forma que está sendo difícil conseguir bloquear os pensamentos. Em relação a minha saúde, estou me cuidando e tentando permanecer tranquila, sabendo que está tudo bem, que está sendo uma gravidez sem riscos e que tudo vai dar certo.

Mas em relação a ela, por mais que ela diga que nada mudou, que todos os nossos planos e desejos permanecem, que ela estar conhecendo outra mulher não influencia em nada (até porque diz que não tem planos de ter uma relação séria), está mais difícil não ficar imaginando que ela vai se envolver e que quando minha filha nascer ela vai acabar se afastando, porque eu não vou ter tanta disponibilidade quanto outra pessoa. E lá se vai por água abaixo todos os vislumbres de uma vida em família que estávamos tendo até então.

E esse medo de perdê-la me colocou num dilema entre o que eu acho justo e o que eu dou conta no atual momento da vida. Por tudo que eu acredito e que vim construindo até agora em ambas as relações, eu não consigo pedir pra elxs não ficarem com ninguém. Não acho que tenha esse direito, mesmo grávida, mesmo me sentindo fragilizada. Só que no fundo eu gostaria que essa fosse uma decisão que ela tomasse agora, por compreender que eu estou demandando mais cuidado e atenção.

De certa forma, ele já tomou essa decisão há algum tempo, mesmo que tenha chegado a transar com outra pessoa, não houve abertura para envolvimento afetivo. Mas dela, apesar de não estar envolvida de fato, pelo menos não ainda, eu não sinto que essa porta esteja fechada e é por isso que sempre me causou mais insegurança.

Tem outras coisas que influenciam como, o fato dele prontamente ter entendido o papel de pai, enquanto ela ainda está construindo o lugar dela nessa nova realidade e também as minhas questões quanto à bissexualidade, a preocupação em não ser uma mulher boa suficiente pra ela, o lugar em que a gravidez me coloca e tudo que escrevi nesse texto aqui.

O fato é que, racionalmente, ela se envolvendo ou não, eu tenho que confiar na nossa relação e nos sentimentos que eu sei que ela tem por mim. Até porque, relações acabam independente de não serem exclusivas. Sempre achei que seria saudável pra ela se ela tivesse outros vínculos, mas se isso acontecesse agora eu não ia conseguir lidar bem. E concluir isso me faz me sentir hipócrita, falhando na missão que eu mesma me dei.

Conversando com duas amigas, uma que vive relação mono e outra que vive não mono (e que passou por situação parecida na gravidez), percebi que para além de ter esse direito ou não, eu não posso me cobrar por estar sentindo o que estou, simplesmente porque já são muitas as coisas sentidas. Se eu sentir que preciso reivindicar mais espaço e até pedir que haja mais calma na construção de outros vínculos, que eu reivindique, eu não posso passar por cima de mim mesma, mesmo que isso signifique temporariamente passar por cima de um ideal muito caro a mim.

Porque o mais importante é o entendimento de que eu não estou sendo uma má poliamorista e sim de que esse momento é muito específico e passageiro para que os acordos continuem exatamente os mesmos.

Porque aprendi que se existe uma característica essencial da não monogamia é a não fixidez dos acordos. E é exatamente por isso que eu gosto de me relacionar assim e não penso em mudar.

Hoje é sábado e hoje eu não chorei. Pretendo continuar assim e ir tentando minimizar as paranoias, pra conseguir enxergar melhor o que é real e poder agir somente sobre ele.

Se quiser se comunicar comigo, inbox no Instagram @gabspaceoddity 🙂

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Gabrielle Dal Molin
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Written by Gabrielle Dal Molin

escrevo, dou aula, faço bruxarias.

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