A noite espiritual santificadora de São Vicente de Paulo e a intercessão dos santos
Um testemunho único em que a perda da fé foi um processo de santificação.
Um dos trechos mais belos da vida de São Vicente de Paulo foi quando ele conheceu um famoso teólogo, amigo seu, que começou a perder a fé.
Segundo o santo em suas correspondências missionárias, ele era um homem que era conhecido por defender a fé católica, mas que, num momento de sua vida, viu-se assaltado por uma terrível “tentação contra a fé”.
O desgraçado doutor vivia uma “noite espiritual” e foi levado a violentas blasfêmias contra Cristo, experimentando tanto desespero que quase atirou-se pela janela. Ele, ainda, não era capaz de dizer o Pater sem ser acometido por horríveis imagens.
Vicente, assustado com a ideia de vê-lo morrer nesse estado, roga à Deus que transfira para sua própria alma a terrível provação do doutor.
Para seu desespero, o pedido foi atendido.
Durante um longo período, é São Vicente de Paulo que sente sua vida ruir e sua fé se desvanecer. Sua fé, segundo ele, não passava de uma casca vazia — basicamente, São Vicente passeou no Inferno.
Sabemos por biógrafos como ele saiu do túnel — pois nesse tempo, nem forças pra se expressar ele tinha. Em plena “noite espiritual”¹, manteve a convicção de que tudo aquilo não passa de uma provação que chegará ao fim. Nessa época, ele intensifica as obras de caridade, redobrando o amor aos pobres.
A intercessão dos santos
É interessante que essa “manobra” de São Vicente explica perfeitamente a diferença radical da dinâmica de salvação da alma no catolicismo e no protestantismo.
Enquanto no protestantismo, cada um é responsável pela própria salvação, São Vicente põe sua própria alma em risco de condenação eterna — para que o outro não se condene. Um escândalo para luteranos.
Isso ilustra o mistério central da fé católica: a intercessão.
O catolicismo romano valoriza muito a idéia de comunhão dos santos, a rede de vínculos e trocas que não se limita à Igreja visível, mas que une santos e pecadores, doentes e saudáveis, mortos e vivos, numa solidariedade espiritual que pode chegar ao autossacrifício pelo bem do próximo. Isso levado até as últimas consequências.
Você não se preocupa apenas com sua alma, mas com a alma do próximo. Sem interferir em suas escolhas, mas desejando tomar pra si seus sofrimentos. Entrando no Inferno, se deixando queimar, e saindo de lá carregando nos ombros um amigo.
São Vicente de Paulo é o catolicismo em pessoa.
¹ Noite espiritual ou, como diz São João Bosco, “noite escura da fé”, é uma aridez espiritual que acomete muitos cristãos ao longo da vida. Quando parece que estamos abandonados por Deus em nossas orações e quando sentimos que perdemos a fé.