Patriotismo, ou Rito de Amor e Morte — O belíssimo filme de Yukio Mishima

Gabriel Vince
4 min readFeb 26, 2016

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O escritor e dramaturgo Yukio Mishima é sem dúvida uma figura emblemática e icônica.
Com uma obra permeada o tempo todo de ritual, beleza, morte, amor e tradicionalismo, Mishima tem sua própria assinatura em seus livros.
Essas características são presentes também em seu filme, Rito de Amor e Morte, lançado em 1966.
Mishima utiliza-se da sua cultura japonesa para ilustrar seu argumento de defesa da identidade perdida do Japão com a conquista americana, seguida do seu progresso econômico longe das raízes e dos valores japoneses.

O manifesto de Mishima em sua vida se torna assustadoramente profético. O que se viu de lá pra cá, foi uma verdadeira americanização e ocidentalização do Japão. A cultura e a tradição ficou a serviço da economia, virou mera vitrine de turistas, em seu sentido mais profundo e milenar, simplesmente morreu.

A morte é tema recorrente em Mishima principalmente em suas últimas obras, o qual se destaca bastante neste filme.

A temática dos contrastes.

O que podemos destacar deste filme de imediato é o sofisticado trabalho de contrastes, não apenas temático como o filme se propõe em fazer, tendo um ritual de amor e outro de suicídio (morte), mas também no jogo de luz e sombra e até recursos técnicos como podemos ver abaixo.

A primeira imagem ocorre logo após o suicídio do marido, sangue escuro, que espirra no quimono branco da mulher, numa tela branca, na pureza. O segundo ocorre no golpe fatal da mulher, que deseja acompanhar o marido no rito. O sangue claro na roupa escura do marido. Temos uma forte relação entre a pureza da mulher se unindo harmonicamente na desonra de seu homem, como um militar fracassado.

A tradição, a cultura, os valores

Minimalista, organizado, com poucos elementos em cena, ficando praticamente apenas os dois atores do filme, quase estáticos, emulando o teatro Nô, o filme explora, sobretudo, a intensidade dos olhares e o rigor ritualísticos próprios das cerimônias de amor e morte.
Mishima usa e abusa da cultura japonesa para ilustrar seu argumento, sua insatisfação;
A honra, lealdade e patriotismo que governou a vida dos samurais antigos e os soldados do Exército Imperial, na véspera da Segunda Guerra Mundial encarna a verdadeira essência do que significava a Mishima ser japonês. O amor à essa tradição e o amor da família são quase inseparáveis, mas a lealdade vem em primeiro lugar.
Esta história faz muito mais sentido no contexto da cultura japonesa e da tradição. Os dois personagens principais cometem suicídio por média da morte samurai ritualística, Seppuku. Isso é de conhecimento comum ao povo japonês, enquanto parece horrível e grotesco para as pessoas do mundo ocidental. Muitas das dinâmicas internas que são normais na história também estão fazendo referência à cultura japonesa desde a pré-Segunda Guerra Mundial o Japão.
A imagética optada por Mishima é uma reminiscência calma, metódica, composta de estágios que o casal deve passar antes do suicídios.

O ritual de amor precede o ritual de morte, o próprio ritual de morte é cerimonioso.
Seppuku não é o ato em si, e talvez nem haja uma real separação entre o ritual de amor e o de morte nesse caso, mas o estado de espírito alcançado pelos samurais durante o estripação cerimonial. Mishima faz referência a este na seção quatro. Através da adesão aos costumes antigos, que devem ser recompensados pela reconquista da honra, por uma morte honrosa.

Ele deve se vestir com sua roupa de combate (pouco importa se é uma roupa típica de samurai, ou sua farda militar), se despir novamente, acariciar-se e impiedosamente rasgar seu abdômem, expondo as suas entranhas naquele cenário metódicamente limpo e preparado para tal ato. Ela, deve se arrumar diante o espelho e, da mesma forma impiedosa, furar a própria garganta como um sinal de lealdade a honra do marido.

Esta afeição pela ressurreição de um samurai ideal romantizado é o que Mishima esperava que o Japão iria reconhecer e voltar ao sistema imperial. “Patriotismo” é um exemplo particularmente importante para o sucesso de suas obras literárias em manter viva as suas opiniões.

Algumas imagens do filme

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Gabriel Vince

Escrevo sobre música, cinema, política e o que der na telha.