Atração Brasileira: de Laura até Anitta

Gamer, você é machista
8 min readJan 19, 2018

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Mulher brasileira, símbolo de sensualidade lá fora. Latinas são vistas como calientes, corpos cheios de curvas avantajadas, e o padrão recai ainda mais nas brasileiras, por causa da ampla divulgação do nosso Carnaval, que, até 2016, mantinha a nossa “musa Globeleza” nua.
Em parte, brasileiras realmente são sexys. Só que não da forma rasa que tentam vender envolta de fetiches, e sim pelo nosso clima. É quase impossível vivermos em um país tropical usando roupas longas, em uma temperatura acima de 25 graus quase todos os dias.
As vestimentas viram shorts, um top ou blusa mais leve. Elas ressaltam curvas do corpo, mas sem razões eróticas. Isto pode ser apenas um dos fatores que levam a escolha de roupa da mulher brasileira. Suas crenças sobre conforto e do que seria adequado contam, seja por motivos religiosos, gostos e a individualidade dela.

Vejamos como exemplo a Anitta, talvez a cantora mais famosa do país. Ela prefere o curto. É o que a ajuda pelo esforço físico na dança, mantém o conforto possível durante o show, e ressalta a sensualidade que ela deseja e tanto defende em seus passos. Opção dela, e existem seus motivos. Mesmo assim, boa parcela conservadora continua julgando-a por seu modo de se vestir e dançar.
O momento é perfeito para discutir onde querem a expressão sexual da mulher, pois a comparação entre Laura, uma personagem fictícia de Street Fighter V, com Anitta, uma mulher real, existe.

Defensores da hiperssexualização da personagem, começaram a argumentar dizendo que ela seria uma representação bem fiel à realidade, pois é assim que várias brasileiras - especialmente cariocas -, se portam.

Cara, falar da fidelidade disso está errado de tantas formas… Vamos por partes:

1. Nossa realidade não extrapola leis da física.

Bem, se vocês me apresentassem alguma mulher com os seios superpoderosos, similar aos da Laura que conseguem ficar duros em um momento e depois balançam a cada passo, aí sim o argumento seria válido. Ainda temos o adicional de não extrapolarem, mesmo amarrados num pedaço de pano.

2. Street Fighter não segue a realidade, e sim uma visão estereotipada dela

A Capcom não usa bem a palavra estereótipos, e sim o eufemismo caricatura, o abuso de características para criar um personagem.
Uma caricatura em si tende a exagerar os traços de uma pessoa, diminuindo o que já for menor, e aumenta o que já é grande. No caso da Laura, ao criar uma personagem brasileira que automaticamente é do Rio, fala em churrasco toda hora e segue a visão fantasiosa do que pensam sobre o corpo e ousadia feminina, os desenvolvedores de Street Fighter não se preocupam em retratar nossa cultura com fidelidade, e sim reproduzir o que já vende.

Mulheres sambando aleatoriamente no fundo e a Laura oferecendo Churrasco. Super original.

Sim, brasileiras usam decote, muitas gostam de churrasco, mas não é só isso que as definem. Botar uma personagem e dizer que é brasileira só por esse conjunto de características conhecido internacionalmente, e não acrescentar nada de novo a quem a Laura é, se chama estereotipar.
Fica superficial, o foco volta para o corpo da mulher brasileira, e, como o contato de muita gente de fora conosco se vem através de mídias, esta vira a única imagem que possuem daqui.

Pra piorar um pouquinho a situação, o produtor do jogo Yoshinori Ono, veio ao Rio de Janeiro em 2011 para pesquisa. Ele disse que não viu exatamente o que pensava, e ainda preferiu adaptar Laura sobre a visão fantasiosa dos japoneses.

“Desde sempre ouvi que havia muitas mulheres lindas no Rio de Janeiro, mas não foi bem isso que vi quando fui pra lá em 2011. Para Laura, decidimos então trabalhar com a visão mais fantasiosa que os japoneses têm da mulher brasileira, não exatamente retratar a mulher brasileira com fidelidade. Ah, e tem um pouco das minhas preferências pessoais também”

(https://jogos.uol.com.br/ultimas-noticias/2015/10/09/visual-sexy-de-laura-e-exagerado-admite-produtor-de-street-fighter-v.htm)

Outro personagem também brasileiro que vem do Rio, usa o uniforme verde e amarelo, porém não se prende só a este conjunto, é Lucio de Overwatch.

As cores dele não vem só pela nossa bandeira, mas pelo amarelo ser o tom padrão da cura do jogo, e o speed, habilidade exclusiva, serem rajadas sonoras de neon vibrante.

Sua conexão com a música provavelmente veio do samba, o ritmo que ele usava para alegrar a comunidade e esquecer dos problemas dados pela crise Ôminca. Se apresentou em vários lugares, das ruas até shows pelo mundo inteiro, e virou uma celebridade internacional.
Ao presenciar Vishkar explorando a vizinhança, a empresa que prometia melhorar e reconstruir porções da cidade, mas acabou criando uma ditadura com péssimas condições de trabalho, Lúcio foi atrás de justiça. Ele roubou a tecnologia dos opressores e converteu no seu amplificador sônico, uma arma que promoveu a ação, a revolta popular, e expulsou a organização de seu território.

Aqui, um personagem brasileiro vem da comunidade, uma história fácil de apoiar, pois torcemos para que os talentos da favela consigam destaque. É uma realidade brasileira, existem traços da nossa cultura no personagem, e características parecidas com as da Laura, porém atribuindo profundidade ao Lucio.

Sai do estereótipo, e entra um campeão muito bem feito.

3. Ter uma personagem como a Laura não é sinônimo de liberdade sexual

A liberdade dentro de uma representação fictícia não existe, pois é projetada por uma equipe. No máximo, podem tentar reproduzir um ideal de liberdade. Essa equipe pensa no papel dela dentro do enredo, qual mensagem deve passar, e então no design da personagem para atrair o público. Os profissionais mais preocupados com o jogo, pensam no sentido, em como cada figura carrega um pouco da jornada e se encaixa na obra. Já outros modelos são confusos, e a maior preocupação é o foco em criar decotões e closes de câmera que deem para visualizar nádegas.

Mulheres reais como a Anitta, entre várias outras, podem ser parecidas com estes modelos de sexualização por tentarem ressaltar seus corpos, mas esta relação envolve muito mais consentimento e é mais responsável do que a primeira.

Ela é a artista do momento e gerou um hype imenso com Vai Malandra, justamente por apresentar mulheres seminuas, com pouca roupa, curtindo no Rio de Janeiro. E qual seria a diferença na forma como a Laura foi feita para o clipe da Anitta?
Anitta é julgada todos os dias pela parcela conservadora brasileira por acrescentar e defender seus shorts, rebolado e movimentos sexys. É uma mulher real tentando ter essa tal de liberdade, mas na hora da discussão, nenhum cara que põe a mão no fogo falando que a sexualização da Laura não importa, aparece para dizer “hey, é uma pessoa usando do próprio corpo, o que não prejudica ninguém! ”.

Quem realmente veio para normalizar a sensualidade do funk, comum no Rio, usando a influência como artista para diminuir o tabu sobre roupas curtas, sofre repreensão. Anitta não é reconhecida pelo mesmo público pela pauta de liberdade, mesmo sendo uma luta desde o começo da carreira. Velha história: ser sexy é legal quando é dirigido ao olhar masculino, mas se uma mulher tem o poder sobre a própria sensualidade e a usa como quer, rola julgamento até umas horas.

E, por último, o famoso “ah, mas em Street Fighter também temos homens com pouca roupa sem motivo”.

Sim. Temos. Inclusive, há a opção de o jogador escolher o Ryu com o torso totalmente exposto, mas a hiperssexualização não é contada a partir do quanto de roupa se usa, e sim pelo quanto tiraram um conceito do contexto só para torná-lo fisicamente atraente.
Existe esse mal dos extremos. Uma personagem poderia ser perfeitamente atraente, e ainda não ser só isso. Um elemento só anula o outro se for intencional.

Ryu está sem camisa, mas ainda parece um lutador forte.

Os músculos são enormes. O porte dos braços mantém equilibro na pose e as pernas estabilidade ao chão. As luvas ressaltam os punhos cerrados pelo contraste da cor, e a expressão facial sempre fechada, tensa, furiosa, transmite a virilidade. Os rasgos na calça e remendos também passam a ideia das feridas obtidas em combate.

Pronto. A essência do carateca prestes a socar alguém continua firme na leitura visual, mesmo com a diminuição das roupas.

Já a Laura, bem… Eu nunca entendi direito os sinais que ela faz com as mãos, ou porque resolveram avantajá-las, assim como a dos outros personagens. A faixa na cintura combinada com a calça dá uma ideia sobre ela lutar, mas aí temos duas bolas de seio ocupando quase o torso inteiro. Ela até parece focada no adversário em algumas facetas, mas em outros screens fica muito estranho o ar “provocante” que tentaram fazer. O letreiro “bonita” no croppet, também não é uma coisa muito digna de elogios.

É meio triste ver essa preguiça e descuido em um dos jogos mais famosos e icônicos de luta, que sobreviveu lá dos fliperamas até aqui. É a famosa rendição às fantasias de poder. Vomitam o que é considerado forte, poderoso, ao seguir também os ideais de gênero, não importando muito a individualidade de quem tentam criar.

Um cara seria forte, raivoso, sem tantas emoções, o macho-alfa.

A mulher poderia ser forte, mas gostosa, super atraente, usando isso no combate e em poses de fetiche.

Enfim, o problema nunca é a pouca roupa, e sim as falsas simetrias da refutação.

Personagens podem ser sexys, caricatas, criadas só para tirar sarro, mas o cuidado com o solo em que você está pisando é importante.

Olhar para o contexto social e fazer personagens femininas que se baseiam só em sensualidade e hábitos adaptados de forma irresponsável - de um povo que já não é muito bem visto lá fora -, é maldoso demais.

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