36.000 vezes uma Puta Burra

Taísa Machado
8 min readOct 1, 2018

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Há quatro anos eu estudo a ciência milenar de mexer com os quadris. Desde as perspectivas ancestrais até as músicas histericamente sexualizadas da cena contemporânea, quais particularmente eu adoro, sendo o funk a minha preferida. Mulheres rebolam, isso não é vanguarda, isso não é um privilégio do tempo presente, é um fato, mulheres rebolam, mulheres rebolam por muitos motivos o principal deles é que nós gostamos, a bunda é nossa e a gente faz o que a gente quiser! Mas foi na base da experimentação e da observação eu entendi uma coisa prática e profunda, mulheres rebolam porque quando a gente rebola nossa vagina se lubrifica, vou falar de um jeito que eu gosto mais, a xereca fica molhada.

Como eu não tenho um vinhozin pra tornar meu raciocínio mais sedutor serei direta, lá vai.

Das coisa que aprendi rebolando a minha bunda!

Sobre o Corpo:

1 — Rebolar lubrifica sua pussy! O que te ajuda a atingir o orgasmo na hora do ato sexual.

2 — Rebolar ajuda na prevenção de inúmeras doenças entre elas, bexiga arriada, infecção urinária e já soube de meninas que se livraram da candidíase com treino regular de movimentação de quadril.

3 — Fazer a musculação do assoalho pélvico previne fratura por quedas na terceira idade.

4- A bunda é o maior conjunto de músculos do corpo humano portanto exercita-lo rebolando não faz mal nenhum, inclusive é recomendado.

5 — Os movimentos espirais são polirítmicos, exige concentração e aumenta sua percepção motora.

6 — Rebolar auxilia a mulher a preparar o corpo para a gestação e o parto.

7 — Existem técnicas de rebolado que te ajudam a fertilizar o corpo como também existem técnicas de rebolado que podem expelir um feto do corpo humano. Sim é possível abortar dançando.

Da vida política cultural:

1 — Existem lugares no mundo onde diferentemente do Brasil o movimento de rebolar é algo sagrado que simboliza o valor e a força do corpo feminino, alguns países do Continente Africano e da Ásia mantém esse tipo de dança no campo da virtuose cultural. Danças como o Baikoko e Dança Polinésia são bons exemplos disso.

2 — Na antiguidade mulheres egípcias, turcas e mouras se reuniam para treinar o rebolado afim de preparar o corpo para o prazer sexual.

3 — A dança sempre de alguma maneira está ligada a religião do povo que a produz, se o povo acredita em Deuses que lidam de maneira saudável com a sexualidade vai ser mais fácil que o povo dance mexendo o quadril, se o Deus daquele povo reprime a sexualidade a dança vai ser mais dura, com movimentos mais retos e acima do quadril.

4 — A Perspectiva temporal define muito os hábitos culturais de um povo. A perspectiva temporal de um povo geralmente tem ligação com sua posição sócio econômica, países “com baixo desenvolvimento econômico” geralmente tem uma perspectiva temporal aplicada ao presente hedonista (e pode existir dificuldade de lidar com o futuro, vide a necessidade extrema de movimentos como o afrofuturismo no combate ao extermínio da juventude negra), o que torna mais fácil que a população se interesse por “eventos” e desenvolva costumes onde quem domina é o princípio do prazer, como as pessoas com perspectiva temporal voltada pro presente tem maior facilidade de se envolver com sexo e outras possibilidades de prazer rápido, como drogas, bebidas e euforia no geral é comum que territórios de “pobreza” culturalmente desenvolvam produtos artísticos com foco maior na sexualidade e em que o meio ambiente onde se desenvolva essa arte sejam territórios onde beber e alterar a consciência seja visto como uma coisa normal, isso deixa nítido que o funk carioca nasce no mesmo lugar que o samba, o carnaval ou porque não dizer o rock, na pobreza.

  • Entretanto diferentemente do funk em algumas culturas rebolar é ancestral o que dentro de um raciocínio de perspectiva temporal mantém esse costume dentro da ideia de presente expandido, que tem mais ou menos o mesmo conceito que o conceito da Ancestralidade uma ideia em que o presente, o passado e o futuro se fundem numa coisa só.

5 — Quando um produto é considerado “cultural” como a Dança do Ventre é vista no Brasil, a mulher não é julgada por dançar rebolando ou com roupas “sensuais”.

6 — Todas as mulheres são julgadas por dançar funk mas a diferença de raça e classe social altera a maneira como esse julgamento se dá:
Mulher branca dançando funk: Vulgar, indescente
Mulher preta dançando funk: Suja, Burra, Puta

7 — Em algum momento dos anos 2000 as mulheres tomaram esse simples movimento de dança que é o ato de rebolar e transformaram ele numa “fonte de poder” e se antes rebolar era vulgar e pouco expressivo culturalmente agora, para muitas mulheres, em escala global rebolar é um movimento de empoderamento, movimentos culturais como o Twerk, o Dancehall, o Funk, o Baikoko, o Soca Dance são gigantescos em seus países de origem e possibilitam a mulheres que gostam de rebolar a criação de um mercado de trabalho que envolve dançarinas, djs e produtoras de festas.

Dos saberes Espirituais e Energéticos

1 — Algumas culturas e filosofias acreditam que a Kundaliní é um estado espiritual que é ativado a partir de movimentos circulares da lombar (cocixx) , a partir da ativação da Kundalini você ativa mais seis chakras, que são centros de energia do corpo físico.

2 — Na África Oriental, em países como Uganda, os homens acreditam que o Baikoko a dança que faz mexer os quadris femininos tem poderes afrodisíacos e pode enfeitiça-los.

3 — Fazer movimentos espirais auxilia no alinhamento entre corpo mente e espírito pois das sinapses as moléculas de DNA tudo no corpo é espiral. Tudo torna-se uma unidade.

E se você não é hippie como eu e nenhum argumento desses te servir eu te digo que rebolar é bom porque quando eu rebolo eu transo melhor e transar é gostoso e é de graça.

No sábado dia 29/09 eu postei um vídeo com as alunas que me auxiliam nessa pesquisa que embora estude a ciência de rebolar como um todo tem foco na produção de dança que nasce do movimento funk carioca, no vídeo intelectuais, artistas e profissionais de diferentes segmentos rebolavam e depois de se satisfazerem com o prazer que é mexer livremente seu corpo ativando subjetividades da sua sexualidade sem medo de lidar com os estímulos urbanos gritavam em alto e bom som ELE NÃO, aderindo assim ao movimento de mesmo nome, puxado pelas Mulheres em repúdio as ações e a eleição do candidato a presidência Jair Bolsonaro.

Em menos de quatro horas como naquelas reviravoltas cinematográficas que só a internet nos oferece o vídeo tinha mais 36 mil compartilhamentos, alguém do time adversário compartilhou e isso gerou uma enxurrada de comentários misógenos, racistas e machistas. Como a maioria das meninas no vídeo eram negras, os mais falados como eu disse lá em cima foram “burra” “suja” “puta”

Foi um dia de risadas, pílulas de ódio e reflexões afinal não é todo dia que minha bunda e de minhas amigas e companheiras de pesquisa se torna o assunto de domingo daqueles que nos odeiam. Minha bunda desperta o ódio nos facistas e isso agrada meu espírito punk, o funk sempre me proporciona as histórias mais rocknroll pra contar.

A palavra Bunda nasce da palavra Mbunda que era como eram chamadas as Negras escravizadas trazidas a força de Angola que na época se chamava Reino de Mbundo, a expressão ganhou força pra denominar a aéra das nádegas graças a estrutura corporal das angolanas e sua maneira de andar, desenhando os passos com a balanço das ancas. Todo repúdio a palavra bunda, assim como o movimento de mexe -las é racista. Isso é tão profundamente instaurado no imaginário brasileiro que embora bunda seja uma das imagens que ele mais consuma ele ainda liga esse simbolo a sujeira, burrice e espaço de domínio e subserviência. Inclusive pessoas da militância negra também acham um absurdo que mais da metade das mulheres negras do país dancem funk, brega funk, pagodão, fit dance, tecno brega e mais tantas danças que lidam com a sexualidade e o movimento de quadril.

Mulheres que rebolam não tem absolutamente nenhum apoio social, porém mulheres negras estão sempre mais ferradas, enquanto a Lara Silva e Thainá Costa são as maiores instagrammes da dança funk no Brasil e são amadas por todos (o que é merecido já que elas dançam pra caramba) quem não lembra da fartura de críticas que o Bonde das Maravilhas (que dançavam tão bem quanto!) recebeu assim que chegou na cena com sua dança acrobática e bem sincronizada, hoje o grupo já tem quase dez anos, passou por turnês na Europa e em todo Brasil, essas meninas da periferia de Niterói, Estado do Rio de Janeiro modificaram a maneira como um país inteiro dançava, tipo um grande filme dos anos 80 passando na tv todo mundo começou a alongar e mostrar que a flexibilidade faz parte de um corpo saudável e sexualmente bem desenvolvido, a bunda ganha a habilidade de acompanhar a musica como sendo um próximo instrumento da orquestra e a simples exibição sem utilidade a não ser estética da bunda que dominou as telas dos anos 90 no Brasil e no mundo dão espaço há um corpo que treina, escolhe e produz.

Embora o dia em que eu fui 36.000 vezes chamada de puta, suja e burra tenha sido um dia loko não foi mais doido do que o dia em que eu passei uma tarde numa cobertura no Flamengo, zona sul do Rio de Janeiro dando aula pra uma turma de dez mulheres brancas, a maioria com mais de 40 anos ao som de MC Nick cantando “quero jatada de leite na cara!” cada vez mais mulheres de outras cores e classes sociais estão interessadas em sambar na cara da sociedade enquanto remexem seus popotis mas isso é assunto pra outro dia.

A real mesmo é que enquanto a imagem de uma mulher negra dançando não for recebida com empatia pela sociedade pesquisas como essa ainda serão necessárias, porque se o mundo não sabe lidar com a liberdade sexual de uma mulher negra ele ainda está preso as amarras do período escravocrata onde a sexualidade da mulher negra era negada e constantemente abusada. Esse tipo de chacota e repressão não é uma novidade, desde o Lundun, passando pelo samba, o tambor de crioula e o carimbó todas as danças e as mulheres que dançavam foram denominadas como vulgar, baixa expressão cultural e/ou prostituição.

Enquanto eles dizem que uma mulher que rebola a bunda e mantém firme suas opiniões políticas é burra eu digo a vocês que sexta feira que vem o tema da aula é a TECNOLOGIA DA BUNDA DEBOCHADA, aprenda como fazer a sua bunda ser o assunto de domingo da família tradicional brasileira. Vagas limitadas.

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Taísa Machado

Atriz e dançarina, focada em baile funk, curte praia e escrever sobre a vida, porque a vida, é loka.