Ônibus da viação Santa Maria operando no BRT. (Créditos da foto: Diário do Transporte Coletivo RJ)

Mais Uma Empresa de Ônibus Fechou no Rio

É a oitava a interromper atividades desde a licitação de 2010

Guilherme Braga Alves
6 min readApr 27, 2017

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Em 2010, durante a gestão do prefeito Eduardo Paes (PMDB), a cidade do Rio de Janeiro teve, pela primeira vez em sua história, um processo de licitação do serviço de transporte por ônibus no município. A licitação, que dividiu a cidade em quatro áreas a serem atendidas por quatro consórcios diferentes, esteve recheada de suspeitas de fraudes. Em 2013, durante as Jornadas de Junho, tentou-se instalar uma CPI na Câmara de Vereadores do Rio para investigar possíveis irregularidades na operação dos ônibus. Por conta de manobras da base aliada do então prefeito, a CPI não alcançou seus objetivos.

Ônibus da extinta viação Rio Rotas. (Créditos da foto: Gustavo Bayde)

Não vamos tratar deste assunto, já amplamente debatido. Queremos chamar a atenção para um problema gravíssimo: o sistema de transportes de ônibus do Rio tende a quebrar. Na cidade, além da Santa Maria, já interromperam atividades desde a licitação a Algarve, Translitorânea, Andorinha Rio, Bangu, City Rio, Rio Rotas e Via Rio.

O sistema de transportes de ônibus do Rio tende a quebrar.

Com cerca de 8,4 mil ônibus em operação que rodam em 678 linhas diariamente, o sistema de ônibus municipais do Rio é extremamente complexo. No entanto, com um pouco de cuidado e alguns exames simples, podemos entender algumas possíveis causas para toda essa quebradeira.

Uma geografia complicada

Em primeiro lugar, a geografia. Se o Rio é abençoado por estar entre mar e montanha, isso também significa que a cidade se expandiu para muito longe. Campo Grande, seu bairro mais populoso, está a cerca de 50 quilômetros do Centro do município. Isso gera longas viagens diárias.

Como se já não bastasse este problema, a divisão dos consórcios de transporte só agravou ainda mais a disparidade entre os perfis das linhas de ônibus. Compare, nos mapas abaixo, as linhas do Consórcio Intersul e as do Santa Cruz. Atente-se especialmente à abrangência dos itinerários.

À esquerda, com linhas em amarelo, o mapa de abrangência dos itinerários do Consórcio Intersul. À direita, com linhas em vermelho, o Consórcio Santa Cruz. NOTA: dados são de 2015, portanto houve algumas alterações nas linhas da cidade. Contudo, o cenário macro, base para o nosso argumento, mantém-se o mesmo. FONTE: PMUS.

Como é possível perceber, os ônibus da Zona Sul precisam rodar menores distâncias. Isso significa mais passageiros, mais viagens e menos veículos necessários para garantir uma operação de qualidade.

Poderíamos ainda tratar de questões mais técnicas, como o IPK — índice de passageiros por quilômetro — ou o número de embarques por viagem. Deixemos isso de lado. Só tenha em mente, por exemplo, que uma linha expressa entre a Zona Oeste e o Centro percorre cerca de 50 quilômetros numa viagem de ida e volta pela pista seletiva da Avenida Brasil, sem que nenhum passageiro embarque e desembarque. Enquanto isso, um ônibus que vai da Gávea ao Centro, caso não tenha seu itinerário pelos túneis ou pelo Aterro do Flamengo, tem uma rotatividade de passageiros ao longo de toda a jornada. Ou, como meus amigos busólogos dizem, carrega mais fichas.

O que é preciso entender é que linhas mais longas tendem fortemente a ser menos lucrativas que linhas mais curtas, especialmente no Rio.

Os problemas criados pela racionalização

Ônibus da Transportes São Silvestre. Uma marca da história dos transportes coletivos no Rio. (Crédito da foto: Cia de Ônibus)

Aqui as coisas já parecem bem complicadas, mas elas pioram bastante. Especialmente após a racionalização das linhas de ônibus na Zona Sul. Isso porque empresas da região, que tinham um balanço sólido há décadas, como a São Silvestre e a Vila Isabel, viram os perfis de suas linhas serem alterados. Algumas linhas de pinga-pinga, mais lucrativas, deixaram de existir, enquanto outras foram redistribuídas entre diversas empresas. Isso faz com que essas viações estejam passando por crises. A São Silvestre, tradicionalíssima na cidade, vendeu ônibus novos e enfrentou uma paralisação de funcionários por atraso no pagamento de salários.

Os grandes grupos de ônibus

Precisamos incluir mais um elemento nessa equação. Isso porque a cidade tem grandes grupos de empresas de ônibus, cujo capital pertence a um mesmo controlador. Você certamente já ouviu falar de Jacob Barata, dono do Grupo Guanabara. Além dele, eu também destacaria os grupos Redentor e Real. Apontamos estas como as três grandes forças do transporte de passageiros por ônibus que atualmente operam no Rio.

Esses grupos, que operam em grande escala, tem linhas com perfis diversificados, além do poder político de barganha para negociar quais trajetos serão operados por eles. Embora isto não seja formalizado, é uma característica que se afirma ao analisarmos a divisão de itinerários no Rio.

Edifício da Guanabara Diesel na Avenida Brasil. A atuação do grupo vai muito além do transporte de passageiros. (Crédito da foto: LOPES457, Wikimapia)

Um quarto grupo existia na cidade, conhecido entre os busólogos como grupo Breda Rio. Composto por Translitorânea, Breda Rio, City Rio, Auto Diesel, Via Rio, Oeste, Algarve, Expresso Mangaratiba… [e provavelmente eu me esqueci de alguma outra viação], este grupo está praticamente extinto das ruas e avenidas cariocas, após suas empresas terem sido fechadas, uma a uma. Não é acaso que a maioria das empresas deste grupo operava muitas linhas com trajetos longos.

Em oposição a estes grupos, restam as empresas independentes, que parecem cada vez mais ameaçadas. Temos, além das já citadas São Silvestre e Vila Isabel, a Bangu e Santa Maria, que agora estão na lista das finadas.

E as linhas curtas da Zona Oeste?

Mas, se as linhas longas da Zona Oeste estrangulam as empresas que as operam, por que os linhas curtas, intrabairros, não são capazes de funcionar como elemento de equilíbrio?

A 864 — Bangu / Campo Grande é a linha que mais transporta passageiros na cidade. São mais de 800 mil embarques/mês.

Não temos uma resposta pronta, mas alguns palpites. Em primeiro lugar, as empresas do Consórcio Santa Cruz que já fecharam as portas, em sua maioria, não operavam muitas linhas intraregião. Ainda assim, quando operavam, estas linhas não eram as mais lucrativas do consórcio. Por outro lado, empresas que operam linhas internas com alta lucratividade, como a Auto Viação Jabour, praticamente não percorrem os itinerários longos do Consórcio. Cabe ressaltar que a Jabour faz parte do grupo Guanabara.

Vislumbramos alguma solução?

Considerando que o problema parece cada vez mais grave, e com cada vez mais empresas ameaçadas de fechar, é fundamental que o poder público atue para garantir que estas empresas sigam funcionando.

É claro que a primeira tentativa de resposta que vai ser dada é o aumento de tarifas. As empresas já usam o congelamento do preço das passagens, determinado pelo prefeito Marcelo Crivella (PRB), como justificativa para suas crises. Contudo, a crise chegou antes do congelamento, quando as tarifas não só eram reajustadas, mas este reajuste ocorria acima da inflação.

Nós acreditamos que é fundamental garantir uma integração entre os caixas dos Consórcios, para que os privilégios de algumas empresas na divisão de linhas seja diluído. Contudo, uma solução mais sólida — considerando o modelo de operação presente hoje — seria uma integração completa dos caixas. Com todo o dinheiro que entra nos ônibus, de Santa Cruz até a Urca, caindo no mesmo lugar para depois ser redistribuído proporcionalmente, o Rio poderá vislumbrar um alívio no seu transporte público.

Mas, se há uma resposta definitiva para a mobilidade de ônibus no Rio, ela passa por uma gigantesca reorganização deste sistema na cidade. Coisa que, considerando o prazo do contrato de licitação, ainda precisaremos esperar por um longo tempo.

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Guilherme Braga Alves tem 23 anos, é carioca de Campo Grande, graduado em Relações Internacionais pela UFRJ. Atualmente cursa Mestrado em Políticas Públicas em Direitos Humanos no NEPP-DH, onde pesquisa sobre Mobilidade Urbana e Direito à Cidade.

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Guilherme Braga Alves

Vida urbana, esporte, cinema, música, política & o que mais der na telha.