Desceu do trem às cinco em ponto e precisou desviar dos corpos que se arrastavam pela plataforma. Desatenta e cansada, tropeçou em um mendigo e quase deixou a bolsa cair. — Muita fome! Muita fome! — ouviu o mendigo esmolar, abraçando a bolsa com força num gesto de desconfiança. …

Os fregueses do café ficaram surpresos ao ler o cardápio da semana passada, que oferecia, entre outras coisas, morangos mofados. A sobremesa vinha acompanhada por um expresso: cortesia da casa de acordo com o gerente. O preço era o mais caro de todo o menu e pagaria dez expressos. …

mortadela da gorda — Pão. Queijo. Leite. Broa de polvilho. Cem gramas de mortadela da gorda. E volta com o troco, ou te sento a mão! Dora carregava a lista de compras tatuada no céu da boca, repetindo cada item por todo o caminho até a padaria da vila. Não podia confiar na…

“As notas são simples, cê só tem que imitar!”. Sentei ao seu lado naquele velho piano, aquele que veio da demolição e foi restaurado, como muitas outras coisas na casa que vieram da demolição e foram restauradas, colocadas ali de um jeito que fazia o cômodo parecer uma visita a…

tudo é difícil em mim: ser eu, não ser eu, ser. vezes sou demais, vezes me falta um punhado de eus, sempre me sobram dúvidas. não tenho em mim todos os sonhos do mundo, como tinha o poeta. tenho em mim é outra coisa: pressa.

se me quis, não sei desisti, desiludi, e abandonei.

Um era todo sonho. O outro, realidade. Se encontraram numa rua qualquer e viveram felizes enquanto durou o olhar.

sutura dentro de mim habita metade de um coração, a outra metade evita qualquer aproximação. quem dera pudesse ouvir pulsar nesse peito frio completo e sem se ferir o meu coração vazio. pulsa, chora, grita e dói, só há o que lamentar: metades que a dor corrói jamais vão se costurar.

despedida Logo você vai esquecer dos olhos meus, mas eu jamais hei de esquecer a cor dos teus. Dito isso, adeus.