Baco Exu do Blues, En Tu Mira e a possibilidade do homem negro demonstrar fraqueza
“Isso é um pedido de socorro”
Nos últimos dias, Baco Exu do Blues lançou seu tão aguardado álbum de estreia, intitulado “Esú”. Há uma série de resenhas e matérias muito bem escritas sobre esse trabalho, visto que não vejo a necessidade de fazer mais uma aqui. Quero falar especificamente sobre uma faixa, o interlúdio chamado “En Tu Mira”, e como ela dialoga com um tema que, embora venha crescendo, ainda é pouco debatido no Brasil: masculinidade negra.
A construção da masculinidade, sendo bem básico, são regras comportamentais estabelecidas aos homens, principalmente no âmbito emocional, financeiro e amoroso. São as “coisas de homem”.
Trazendo um recorte racial, essa construção é ainda mais forte relacionada a homens negros. O processo de escravidão, o racismo que se instaura de forma institucional e a animalização dos nossos corpos, bem como a criação de um estereótipo violento, relega ao corpo negro masculino uma obrigação de ser forte o tempo inteiro, não demonstrar muitos sentimentos. Um corpo feito para o trabalho, para o sustento e que suporta tudo calado.
Os problemas causados por isso são típicos: depressão, alcoolismo, suicídio etc..
Embora sejam problemas que atingem todas as parcelas da população, nós homens — sobretudo homens negros — temos extrema dificuldade em falar sobre esses assuntos, em conversar com alguém, procurar ajuda médica ou qualquer coisa do tipo. São feridas que acabam sendo internalizadas e que, quando vêm a tona, fazemos mal aos outros e a nós mesmos.
E o Baco representa isso de forma simples, objetiva e impactante na sua música:
“O flash está me cegando
O álcool está me matando
Minha raiva está me matando
Sua expectativa em mim, está me matando
Homem não chora
Foda-se, eu to chorando”
O verso traz toda angústia causada pela fama, pelo alcoolismo, pelo ódio que nós, homens negros, tanto sentimos do mundo. A expectativa dos outros que a gente não consegue lidar, porque, como homens negros, não nos permitimos errar, não nos permitimos ser fracos, nos sentimos responsáveis por tudo e todos a nossa volta. E tudo isso tendo que aguentar sem chorar, porque se “homem não chora”, homem preto menos ainda. E num desfecho trágico e infelizmente tão comum, depois de pedidos de socorro não ouvidos, Baco Exu do Blues se mata com um tiro na cabeça ao fim da música.
A música é um sinal de alerta não só aos homens negros, mas ao público em geral: não somos fortes o tempo todo. Temos nossos problemas, angustias, feridas, medos e receios. E em grande parte das vezes, não sabemos lidar com isso. Não sabemos pedir ajuda, pedir socorro. Nos camuflamos numa casca violenta, no álcool, nas drogas, aguentando as cobranças e o peso do mundo.
A coragem de Baco em expor suas frustrações serve de incentivo a todos nós, homens negros.
Somos humanos.