Pedagogia de Prompt: inteligência artificial à serviço da aprendizagem

George R. Stein
7 min readNov 22, 2023

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Sobre a importância de conhecer a caixa de ferramentas (e escolher a ferramenta mais adequada) antes de sair consertando tudo com um martelo.

Um pouco de contexto

Pois, é….e lá se vai quase um ano que o público geral começou a ter contato com o ChatGPT. Até então o estado e as possíveis aplicações desta tecnologia eram desconhecidos do grande público. Ou seja, os grandes modelos de linguagem (LLM do inglês Large Language Model), com processamento de linguagem natural (NLP do inglês Natural Language Processing), com tecnologia generativa, que nada mais é do que ser capaz de gerar conteúdo (os famosos GPT, do inglês Generative Pretrained Transformers) eram uma “sopa de letrinhas desconhecidas” para todos que não estavam profissionalmente envolvidos no assunto. Inicialmente eu estava neste grupo, mas rapidamente isto mudou.

Ao perceber um potencial de transformação em todos modelos de instituição de ensino e nos processos de aprendizagem relacionados, comecei a pesquisar, experimentar e praticar esta nova realidade. Percebi que estava diante de um avanço tecnológico que muda radicalmente a maneira como a sociedade se relaciona com todo o conhecimento humano acumulado ao longo dos séculos e disponível em formato digital. Instituições de ensino, docentes e estudantes teriam agora um “super poder” de acessar uma quantidade absurda de informações e gerar conteúdo de maneira humanamente coerente e convincente (apesar de ainda incorreta).

Como Engenheiro de Produção por formação e Engenheiro de Aprendizagem por vocação, tendo recém concluído Doutorado em Educação como foco em formação docente em Mediação Docente Diferenciada (a tese está disponível aqui), inclui a Inteligência Artificial (IA) Generativa em toda e qualquer preocupação e atividade minha direcionada à inovação em aprendizagem.

Em menos de um ano a “febre do ChatGPT (que foi o primeiro chat inteligente a ser disponibilizado)” se transformou em uma “epidemia de aplicativos de IA Generativa” (levantamentos de instituições de tecnologia já apontam para mais de 16.000 destes). Somente em relação aos concorrentes diretos do ChatGPT, como agentes conversacionais inteligentes, já existem Google Bard, Meta Llama 2, Claude, Perplexity AI, entre outros.

Enquanto isto nas instituições de ensino

Durante este período, estive pesquisando e conversando com faculdades, escolas, redes de ensino e Edtechs (empresas emergentes com base tecnológica, como foco em Educação) brasileiras sobre as respectivas percepções quanto às oportunidades e riscos, a prioridade do assunto na agenda de inovação institucional e as ações já direcionadas para incorporar a nova tecnologia às respectivas ofertas educacionais. Foram dias e dias de conversas, pesquisa, palestras, experimentos, propostas, projetos e reflexões.

De maneira sintética, consolidei seis aprendizados principais:

1 — A IA Generativa irá, com certeza, transformar a oferta educacional de instituições de ensino;

2- O tempo e a prioridade da transformação irão depender de dois fatores: a) como o propósito da instituição de ensino está relacionado às mudanças sociais que a IA Generativa está causando; e b) as pressões que a instituição de ensino já sente dos agentes que são responsáveis pela sua continuidade como instituição;

3 — Parte cada vez maior dos estudantes das instituições de ensino já fazem uso de aplicativos de inteligência artificial e, na maioria das situações, sem um direcionamento estruturado por parte da instituição;

4 –Edtechs e corporações educacionais estão incorporando (ou planejando incorporar no futuro breve) algum tipo de funcionalidade de inteligência artificial generativa. Sendo que, na maioria delas, relacionadas a um tutor inteligente para suporte ou complementação às atividades usuais ofertadas;

5 — Docentes estão adotando práticas diversas relacionadas à adoção de inteligência artificial, principalmente baseados na iniciativa individual do que na orientação estruturada da instituição;

6 — Existe uma oferta crescente de cursos rápidos, guias e produtos digitais relacionados à inteligência artificial generativa aplicada à Educação, principalmente com foco na utilização instrumental e não na melhoria da aprendizagem.

O Manifesto pela Pedagogia de Prompt

Objetivo

Este Manifesto pela Pedagogia de Prompt, foi concebido como uma sugestão de um conjunto de princípios para servir como um “marco reflexivo” de desenvolvimento e utilização de práticas de IA Generativa que estejam à serviço da aprendizagem.

Baseado nos aprendizados acima e na percepção que a velocidade das mudanças tecnológicas tende a aumentar e dificultar a tomada de decisão, e consequente desenvolvimento institucional, decidiu-se propor um manifesto para direcionar princípios que possam ser adotados por docentes independentemente do direcionamento institucional. Não obstante, os princípios podem servir de base para reflexões e diálogos institucionais para viabilizar um direcionamento institucional para uma aprendizagem mais ética, significativa e efetiva, suportada por inteligência artificial.

Considerações iniciais

O propósito de instituições de ensino está obrigatoriamente relacionado à aprendizagem humana que ocorre principalmente por meio da interação social, sendo que a interação com professores tem papel fundamental como mediação da aprendizagem. Apesar da IA Generativa possibilitar inúmeras maneiras de se adequar conteúdo aos alunos, é na interação síncrona com os professores onde se dá as variações de contexto, a motivação e o feedback que tanto influencia a aprendizagem. Ao se trazer a IA Generativa para a Educação é essencial se considerar estes três aspectos: não é somente personalizando a oferta de conteúdo que se garante uma aprendizagem efetiva.

Apesar da velocidade de desenvolvimento de novas tecnologias de IA Generativa e da disponibilização destas ao público em geral, a inércia de se transformar instituições de ensino impõe um desafio. As inovações podem até estar presente em algumas ofertas educacionais por meio de iniciativas de alguns professores e alunos, mas não se observa na maioria dos casos uma orientação institucional e processos estruturados para seu uso efetivo a favor da aprendizagem.

Aqueles professores que percebem a necessidade de desenvolvimento profissional nesta área, encontram ofertas de formações principalmente orientadas para o uso instrumental da tecnologia, sem critérios para escolha de recursos e/ou planejamento com foco na aprendizagem. Para complicar, dado o predomínio do interesse comercial frente ao pedagógico, corre-se o risco de não se explicitar e cuidar dos riscos inerentes que o uso desta tecnologia traz. A falta de garantia de um conteúdo verdadeiro e validado, a existência de vieses e a ausência de fontes de referência são alguns dos riscos presentes e, mesmo sabendo que alguns deles podem ser mitigados e eliminados em alguns aplicativos, é fundamental explicitá-los e mitigá-los.

Simultaneamente, observa-se que fornecedores de conteúdo digital e tecnologia educacional já começam a oferecer produtos e serviços com IA Generativa “embarcada”, onde se observa uma potencial redução do valor da contribuição humana nos processos de ensino e aprendizagem. À medida que as soluções pedagógicas digitais vêm com algoritmos e assistentes que se propõem a assumir parte do papel de mediador dos professores, pode-se ter uma redução do desenvolvimento e do valor do professor nos processos e ensino e aprendizagem.

Felizmente observa-se um movimento tanto global, quanto já presente em alguns países, para direcionar o uso ético e efetivo da IA Generativa na Educação. Por exemplo, as Diretrizes para uso da Inteligência Artificial Generativa na Educação e Pesquisa, da UNESCO e o guia Inteligência Artificial e o futuro do Ensino e Aprendizagem — Insights e Recomendações (Escritório Americano de Tecnologia Educacional) são ótimas referências para implementação de políticas públicas e eventualmente até práticas institucionais a serem adotadas. Entretanto estas orientações são em um nível mais organizacional e não auxiliam docentes a escolher e direcionar as próprias práticas.

Neste contexto de IA Generativa, surge a “Engenharia de Prompt” como um conjunto de processos e técnicas para compor instruções ou comandos (mas que mantivemos como termo mais utilizado o anglicismo “prompts”) de modo a produzirem resultados mais próximos do resultado esperado.

Este Manifesto da Pedagogia de Prompt surge como um alerta para que, ao se levar os prompts para a Educação, a prioridade seja dada à Pedagogia: que as práticas docentes estejam adequadas ao contexto real encontrado no cotidiano de cada um, de modo que se possa enfrentar os desafios encontrados para propiciar aprendizagem, utilizando IA generativa com intencionalidade pedagógica, de maneira ética e efetiva.

Princípios da Pedagogia de Prompt

A IA Generativa na Educação apresenta uma infinidade de usos com benefícios tanto em atividades administrativas e operacionais para a preparação de aulas, quanto nas próprias aulas em atividades didáticas. Já existe uma série de publicações, guias, conjunto de dicas para prompts a serem usados na Educação.

Este conjunto de princípios foi concebido para anteceder e servir como direcionador para a escolha de prompts. Aqui estão apresentados de maneira geral. O detalhamento e orientação para uso prático estará detalhado em novas publicações.

Antes de se incluir a IA Generativa em práticas pedagógicas, sugere-se considerar:

1. A decisão pelo uso e a escolha dos recursos de IA Generativa deve estar alinhada como os direcionamentos institucionais e programas de curso,

2. O uso de recursos de IA Generativa deve vir acompanhado de ações que reforcem os aspectos não cognitivos de uma Educação Integral,

3. A decisão pelo uso e a escolha dos recursos de IA Generativa deve vir depois de um planejamento estruturado para a aprendizagem,

4. A IA Generativa deve contribuir para explorar melhor o contexto específico do grupo de estudantes, e as especificidades de cada um deles,

5. A IA Generativa deve favorecer a motivação dos estudantes para aprendizagem,

6. A escolha dos recursos a serem utilizados e o direcionamento dos prompts devem estar explicitamente associados às expectativas de aprendizagem previstas;

7. Além dos objetivos de aprendizagem previstos, ao usar IA Generativa em Educação, deve-se incluir objetivos específicos associados ao funcionamento, benefícios, limitações e riscos deste uso.

8. A utilização de recursos didáticos com IA Generativa deve alavancar a importância dos aspectos humanos na mediação docente diferenciada nos processos de ensino e aprendizagem.

Conclusão

Este manifesto não é um conjunto estático de regras, mas um guia em evolução: enfatiza a integração da Inteligência Artificial Generativa de maneira que aprimora a experiência educacional, valorizando a atuação humana dos professores e propiciando reflexões e orientações neste sentido.

O cenário da educação está mudando rapidamente com a chegada da Inteligência Artificial Generativa. Este manifesto tem como objetivo fornecer aos educadores princípios orientadores para navegar nessa transformação de forma intencional, ética e eficaz. À medida que a tecnologia continua a evoluir, é crucial para os educadores não apenas se adaptarem, mas liderarem esta transformação com sabedoria pedagógica.

O cerne da aprendizagem reside nas interações significativas entre educadores e alunos, e a Inteligência Artificial Generativa só será uma aliada poderosa se estiver condicionada à intencionalidade pedagógica por trás de seu uso. Por meio dos princípios delineados neste manifesto, convidamos os educadores a serem os arquitetos de um futuro onde pedagogia e tecnologia se integrem de maneira sinérgica para promover uma aprendizagem ética, significativa e efetiva que verdadeiramente prepara os alunos para os desafios e oportunidades da sociedade contemporânea.

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