Um Livro Para Crianças Pode Mudar o Mundo?

Gabriel Oliveira
5 min readApr 13, 2015

As lições que aprendi sobre colaboração, design e inovação social com uma das minhas melhores amigas e seu projeto Tenho Dois Papais.



Me lembro como se fosse ontem o dia em que a Bela, minha colega magrela do curso de Design Gráfico me contou sobre sua ideia para o projeto de graduação. Era o penúltimo período da faculdade, uma época pré-apocalíptica onde escolhemos o último projeto para fazer antes de sermos despachados para o deserto árido chamado Mercado de Trabalho. Todo mundo com frio na espinha. Tinha de ser algo que fechasse com chave de ouro, pelo menos para os nerds como eu e ela.

“Vou fazer um livro sobre um menino que tem dois papais.” — ela contou em uma das constantes conversas onde discutíamos nosso planos para o momento final do curso.

De frio na espinha, passei a peito quente e sorriso no rosto. Quase esqueci o tema do meu próprio trabalho. Daquele momento em diante reivindico o título de torcedor número um do que iria se tornar, alguns meses depois, o Tenho Dois Papais. No fatídico dia da apresentação final da Bela, fiz questão de não só estar na primeira fila, como também passando os slides enquanto ela dava um show para a banca.

A Bela sempre foi uma amiga do peito, mas nem por isso nossa relação era tranquila naqueles tempos. No processo que é descobrir a si mesmo durante um curso de graduação, tivemos nossas discussões acaloradas e discordâncias sobre tudo ou nada. Havia sempre aquela competição para ver quem iria fazer o trabalho melhor que o do outro. Me marcou esse momento onde superar a Bela já não era importante pra mim, eu queria era estar junto e ajudar aquele trabalho incrível receber o conhecimento que merecia.

Nessa época eu já havia me engajado em estudar temas como inovação e design social, pensar as formas com as quais um designer pode contribuir para uma sociedade melhor. Só hoje, talvez com um pouquinho mais de maturidade, pude perceber que ela já estava alguns anos luz à minha frente — fazendo acontecer um projeto de relevância social. Agora posso me orgulhar de fazer parte dessa equipe e contribuir com as minhas habilidades para que esse livro consiga chegar até mais e mais pessoas.

Para quem não conhece o Tenho Dois Papais, o vídeo que fizemos para lançá-lo no catarse explica bem. Resumindo em poucas palavras, a pesquisa do famigerado TCC chegou ao conceito de ensinar às crianças a conviver com diversidade através de uma história sobre dois papais. A fórmula mágica nasceu na conceituação do projeto: Pessoas + Amor = Família.

Vivemos em um momento de transformações em nosso mundo. Por um lado, crueldade e intolerância são cada vez menos aceitas, cada vez mais desmascaradas. Minorias diversas ganham espaço e podem se expressar através da rede, se conectar com seus semelhantes e movimentar o mundo em direção a modelos que sejam mais igualitários. Por outro lado tem muita gente que se incomoda com isso, talvez sem ao menos saber porquê. Pessoas que tentam aprovar leis que tornem algumas pessoas menos merecedoras de serem tratadas como seres humanos, que propagam discursos que incitam ódio e violência. Mas para cada ato de violência, de desumanidade, crueldade, é possível criar o dobro em movimentos em direção ao amor, compaixão e à igualdade.

No processo de fazer um mestrado em design estudando inovação e impacto social, acredito cada vez mais que design social é isso: promover dignidade para as pessoas de uma forma propositiva. Acredito que o Tenho Dois Papais é uma prova viva disso, de dar espaço para que pessoas que são privadas de direitos e de reconhecimento mostrem que são simplesmente humanas como todas as outras. A palavra chave da profissão que eu e Bela escolhemos em nossa facultade é a síntese disso tudo: empatia. É sentir com as pessoas para tornar suas vidas melhores.

Alguns anos depois de nossa graduação, a Bela me convidou para ajudá-la a tocar o projeto para frente. Fazer o livro ser impresso, e quem sabe até viabilizar novos livros sobre outras temáticas (como o duas mamães, que já tem tanta gente pedindo!). Esse foi um segundo momento de sorriso no rosto pra mim, ter a oportunidade de participar de um projeto em que acredito tanto. Enquanto Bela é fera no design e se conecta com pessoas de uma forma carismática, eu tenho uma ótima desenvoltura para planejar ações e escrever textos. Aquela competição boba de nossos tempos de faculdade se tornou algo muito mais poderoso: colaboração. E foi nessa onda que trouxemos mais pessoas queridas com capacidades diferentes das nossas: psicologia, videomaking, programação.

Acredito que esse espírito colaborativo é que tem o poder de transformar o mundo. Temos vivenciado diversas manifestações aqui no Brasil nos últimos meses, cada uma reinvindicando atitudes e comportamentos variados do nosso governo. Enquanto essa é uma forma extremamente válida e necessária de mobilização social, existem mais e mais jeitos de fazer o mundo que queremos acontecer. Entrar em ação, criar um projeto, se unir às pessoas para colocar ações em prática ou apoiar uma causa em que você acredita são caminhos tão válidos quanto: e talvez mais propositivos e, porque não, positivos.

Um jeito bacana (e propositivo) de fazer um mundo melhor: clicar no botãozinho verde do lado do Tenho Dois Papais ☺

Podemos sim mudar o mundo, torná-lo melhor. É somente questão de agir, mas principalmente de se juntar a outras pessoas e usar o poder transformador do coletivo. É o que Bela fez quando me chamou para ajudar em seu projeto, e o que estamos fazendo ao levar o projeto para ser financiado no Catarse. Um livro que ensina crianças que ser diferente é uma coisa boa pode ser um passo minúsculo para o mundo caótico e complexo em que vivemos. Só que não somos os únicos. O pessoal do Imagina Coletivo está na ação para compartilhar conteúdo sobre transformação social na rede; a galera do Chega de Fiu Fiu já viabilizou um projeto para mudar o modo como as mulheres são tratadas em espaços públicos; o Beagá Cool está se mobilizando para agitar a cena cultural de Belo Horizonte e com uma pequena busca no Google você vai achar muitos outros projetos que estão aí para transformar o bairro, a cidade, o país.

Sejamos a mudança que queremos pro mundo, então. Vem com a gente?

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