Sobre a necessidade de escrever

Giovana Cabral
3 min readSep 16, 2016

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“O coração tem razões que a própria razão desconhece” Aos pés da Santa Cruz

No mundo ideal, não perderíamos as pessoas que admiramos para que nunca sentíssemos por elas nenhuma ponta de desilusão. Isso em qualquer escala, nível ou grau de afinidade. A admiração é um combustível que move uma série de bons sentimentos. E as pessoas desprovidas dela acabam por perder um pouco do charme que é viver.

Para tentar amenizar uma dor dessas, peguei uma cerveja e fui pro quarto escrever. Ela estava quente, mas eu nem me importei porque por dentro eu estava fria. Mãos geladas, coração pálido. Descobri no segundo parágrafo que talvez eu seja feita para aproveitar o que de melhor a tristeza tem a oferecer em sua gama de serviços. Como se a tristeza fosse uma roupa que me caísse perfeitamente sem que eu tivesse que me preocupar com a etiqueta. Ela me cabe tão bem que entre as curvas sobram apenas lugar para as letras.

E algumas delas você lê agora.

O bom de ser assim, suscetível às palavras (e porque não dizer escrava delas?) é que o mundo se desenha mais fácil. É como se ao redigir fosse possível construir um manual de instruções do universo. Com o tempo, fui aprendendo a ler os sentimentos e entendê-los melhor. Não confundo mágoa com angústia, tristeza com decepção, agilidade com morosidade, procrastinação com preguiça, embriaguez com tempero líquido. Identificando essas fases, ao escrever, apenas as coloco pra fora. Me livro mesmo. Dou a elas a chance de me atormentarem para que uma folha em branco ganhe algum tipo de pigmento.

Eu talvez escreva para descrever assim como escrevo para desabafar ou desabar, mesmo que para quem leia esse início de frase soe como uma redundância. Pessoas que são assim como eu também são felizes. Não pense que a amargura aparente consiga apagar os momentos em que o contentamento mostra alguma possibilidade. Nós, pessoas que justificam a invenção do whisky, também conseguimos diferenciar felicidade e alegria, por incrível que pareça.

Com o tempo o tempo passa. E a passagem dele vem acompanhada de um vendaval que enche os olhos de terra impedindo que você veja logo ali na frente um orelhão. Isso mesmo, esses telefones públicos antigos cujos celulares motivaram o velório. E caso você consiga vê-lo não terá uma ficha sequer para utilizar esse artigo de museu. Mas, caso a sorte lhe seja companheira, me diz uma coisa: para quem você ligaria?

Metáforas, estórias, anedotas e tudo mais à parte, eu acho que eu não ligaria para ninguém, pois creio que ando ligando para muita coisa. Parece bobo “se importar”, não é mesmo? É tanta coisa que “dizem ser” mais importante. É tanta causa para brigar. É tanta vida para cuidar. É tanto ‘tanto’ disfarçando o nada.

Quando houver dúvidas de que talvez não haja algo para dizer, lembre-se de que existe muito para sentir, e sempre que o sentir prevalecer algo precisará ser dito.

Ou seja, algo precisa ser dito a todo instante.

Essa é só uma descrição floreada de um dia. Não qualquer dia, na realidade. É mais sobre um domingo de sol que entardeceu sem brilho. Ou ainda, sobre um domingo soturno que não revelou nenhuma luminosidade. Alguns Domingos são desse jeito, eles têm significado.

E assim, como uma cena controversa que ninguém espera, tivemos um triste 15 de setembro.

E que, incrivelmente, nem domingo era.

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