Remanescentes e refugiados
O lado menos conhecido do período do exílio
Além dos que foram deportados para a Babilônia, milhares devem ter morrido nos campos de batalha, de fome ou de doença; alguns — e certamente mais do que sabemos — foram executados, enquanto outros procuravam salvar suas vidas fugindo. [1]
O exílio foi um dos principais eventos na vida do povo judeu na antiguidade. Colocado como um divisor histórico e um marco na formação do povo. Por conta disso, se é levado a pensar que todo o povo de Judá e Israel foram levados para o exílio na Babilônia, o que não é verdade. Ficaram na Judeia os pobres e uma parte ainda conseguiu fugir, vindo a viver como refugiados em outros países.
Os remanescentes
Há um vazio de referências no que diz respeito ao que aconteceu na terra de Judá após a deportação da corte, elite e sacerdotes. Jeremias 40.11–12 nos dá uma ideia de que, após a saída dos deportados, ainda havia gente lá e os que haviam fugido para terras mais próximas retornaram para Judá. No entanto, o cenário era de profunda tristeza e destruição. A população que, no início do século, era de mais de 250.000 fora reduzida a pouco mais de 20.000 pessoas, na estimativa mais otimista e já contando com os primeiros refugiados voltaram. Lamentações 5 desenha um cenário que é de fato desolador:
Arriscamos a vida à procura de alimento, pois a violência tomou conta do deserto.
O Templo havia sido destruído, reduzido a ruínas e cinzas, no entanto, ainda permanecia como local sagrado e para lá peregrinos se encaminhavam para oferecer sacrifícios e cultuar. Jeremias 41.5 nos dá uma mostra disto:
oitenta homens chegaram de Siquém, Siló e Samaria para adorar no templo do Senhor. Tinham raspado a cabeça, rasgado as roupas e se cortado e traziam ofertas de cereal e incenso.
Tal relato nos revela que havia uma forma de culto a Javé acontecendo ali. Por mais que houvessem homens justos em Judá, não havia uma liderança forte e nem quem os ajudassem. Tal qual seus irmãos na Babilônia, eles se lamentavam pela destruição e só podiam sonhar com uma restauração de sua situação. Há que se considerar que a lealdade desse povo fora profundamente abalada e, sem liderança e sem quem respondesse por suas angústias religiosas, é de se supor que o javismo praticado em Judá, nesse período, já tivesse perdido suas características mais puras. Pelo menos é o que atestam os profetas da época.
Os refugiados
Primeiro é preciso dizer que me aproprio do termo refugiado para uso nesse período. Eu sei que é anacrônico, pois o conceito de refugiado possuí diversos critérios que somente na era atual são contemplados. No entanto, alguns desses conceitos como acolhimento, permissão de moradia e reconhecimento do Estado estão, em certa medida, presentes no cenário do século VI a.C.
A tensão do momento imediato após o exílio era grande. Após o assassinato de Godolias, alguns dos remanescentes decidiram partir para o Egito. Tendo consultado Jeremias, receberam a resposta de negativa quanto a partida, eles leram o profeta consigo para o Egito, estabelecendo-se na cidade fronteiriça de Tafnes. O próprio texto de Jeremias, no capítulo 44, nos dá a entender que nem todos os judeus permaneceram ali, mas entraram pelo Egito, tendo grupos em Migdol, Mênfis e “no sul do Egito”. Estes últimos permaneceram ali e, mais tarde, juntou-se a eles os imigrantes dos dias dos Ptolomeus, formando uma grande comunidade judaica no Egito. É interessante apontar a existência, no Século V, de uma colônia militar judaica em Elefantina, provavelmente estabelecida pela Vigésima Sexta Dinastia.
Os judeus do Egito formam um grupo bastante peculiar. A ida de judeus para a região e o estabelecimento deles por lá antecede 587 a.C. Pelo fato de eles mesmos se identificarem como judeus, torna viável se crer que eles foram para lá partindo da Judeia e não de Samaria. Segundo Bright, é muito provável que eles tenham vindo dos arredores de Betel.
Além do Egito, temos o relato, como já pontuamos acima, de refugiados em Moab, Edom e Amom. Além destes, é natural supor que outras regiões receberam refugiados, como a Galileia, Samaria e Transjordânia. Não se tem, no entanto, informações além disso.
Conclusão
Embora não houvesse ainda nenhuma diáspora em toda a terra, iniciava-se uma tendência irreversível. Israel começava a espalhar-se entre as nações. Jamais Israel seria contérmino com nenhuma entidade política ou área geográfica. Qualquer que fosse o futuro, não haveria qualquer possibilidade de uma volta completa ao passado. [1]
O povo de Judá havia se espalhado. Reagrupar este povo tornou-se uma missão possível apenas para os poderes divinos. Não se teve mais, desde então, nenhum local onde os judeus pudessem ser encontrados somente ali. O povo espalhado representava o fim da nação, mas não do povo. As características marcantes do povo judeu foram preservadas em certa medida em todos os ramos do judaísmo. As diferenças teológicas e rituais passaram a existir naturalmente, por conta da evolução da própria comunidade em cada lugar. A pureza da religião era reivindica por um grupo e este grupo estava de malas prontas para voltar para Judá. A mudança no cenário político mundial permitiria tal viagem.
Com Ciro inaugura-se uma nova fase política: ao invés de um governo despótico e ditatorial ele permite aos vários exilados presentes na Babilônia…que retornem às suas pátrias restaurem suas cidades e templos, mantenham ou recuperem as próprias tradições religiosas onde foram interrompidas. [2]
[1] BRIGHT, John. História de Israel. Edições Paulinas. São Paulo, SP, 1978
[2] MAZZINGHI, Luca. História de Israel: das origens ao período romano. Editora Vozes. Petrópolis, RJ. 2017
O presente texto foi escrito para a aula da Academia Bíblica da Igreja Presbiteriana Independente de Tucuruvi, São Paulo, SP, escrito em 26 de fevereiro de 2020
Índice das aulas
O índice é atualizado no artigo da primeira lição.