Jerusalém

Giovanni Alecrim
De casa em casa
Published in
7 min readOct 30, 2019

As origens da cidade sagrada

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Jerusalém é o lugar por excelência em que se desenrola a história da salvação [1]

Jerusalém. A mera menção ao nome da cidade localizada na Palestina desperta uma série de conceitos e sentimentos nas pessoas. Para os religiosos, lugar sagrado. Para os sociólogos, a convergência de sociedades. Para os arqueólogos, um parque de diversão! Para os historiadores, um terreno fértil de estudos. Todas as áreas do conhecimento encontram em Jerusalém uma linha de estudo e de pesquisa. Jerusalém é, de fato, uma cidade que não pode ser deixada de lado quando se resolve falar da história de Israel. Abrimos este parênteses no curso para falar um pouco da origem, geografia, nome e papel na história da salvação dessa cidade que é amada, desejada, cantada e poetizada ao longo do tempo. O fazemos num momento singular do curso. Davi a conquistou e a estabeleceu como sua capital, agora, antes de falarmos de como seu filho Salomão a fez crescer, vamos parar e olhar para o passado.

A origem

A origem de Jerusalém é incerta. Escavações feitas entre 1909 e 1911 encontraram cerâmicas e parte de um muro que datam de antes de 3.000a.C. havia, portanto, ali um povoado que era cercado por um muro que garantia sua segurança. Em 2.000 a.C. os amorreus entram em Canaã e tomam Jerusalém e os povoados vizinhos. Em 1.800 a.C. a cidade é indicada nos textos egípcios de execração — aversão — com o nome de URUSHALIMU, significando fundação do Deus Salem. Também no século XIV há referencias a URUSHALIMU nas cartas do Rei Abdi-Heba ao Faraó Amenofi IV. Até Davi, por volta de 1.000 a.C., a cidade permaneceu nas mãos dos cananeus.

Na Bíblia a primeira referência a Jerusalém se encontra em Gênesis 14.18. Ali, a cidade é nomeada como Salém e Melquisedeque é apontado como sacerdote do Deus Altíssimo, o que situamos historicamente por volta de 1.900 a.C. a 1.550 a.C., na chamada idade do bronze. Nesta. A próxima referência bíblica acontecerá somente em Josué. Não encontramos nenhum relato sobre a origem e formação de Jerusalém, a cidade já existia quando o relato bíblico a cita.

A geografia

Jerusalém está localizada num planalto calcário, cerca de 760m acima do nível do Mar Mediterrâneo e 1145m do Mar Morto, estando ligado à serra do lado Norte e nos demais lados cercada de vales profundos: no leste o Vale do Cedron, no oeste e no sul o Vale de Enom que, perto da fonte de Jó se uni ao Vale do Cedron e prossegue até o Mar Morto. O planalto é dividido em duas colinas de alturas e estruturas desiguais. Ambas as colinas são divididas em diversos cumes, que torna o terreno bastante acidentado.

A localização de Jerusalém a colocava como uma cidade de destaque, os textos bíblicos que a exaltam citam, via de regra, o fato dela estar em cima do monte e tal fator faria dela uma cidade santa, por estar próximo dos céus e ser a cidade escolhida por Deus para fazer habitação.

O nome

Assim como a origem, o significado do nome de Jerusalém é incerto. Em hebraico YERUSHALAIM, em grego HIEROUSALÉM, é incerta a origem do nome da cidade, o seu significado também é incerto. Há algumas teorias, dentre elas a de que é a soma dos verbetes “yerusha” e “shalom” (paz), ou seja, legado da paz. Há quem proponha que Shalom é uma corruptela de Shlom, Salomão, sendo então Legado de Salomão o significado. Há quem fundamente o nome na ida de Abraão a Shalem, acrescentando o prefixo Yireh, nome dado pelo patriarca ao monte do templo. Há ainda a interpretação que defende que Jerusalém significa cidade do deus Shalem, divindade ugarit responsável pelo crepúsculo. Cristãos tendem a fechar com a primeira hipótese, que aponta para o legado da paz, como também acrescentam ser a morada do Senhor.

Papel histórico

No Antigo Testamento Jerusalém é chamada por diversas expressões adjetivas: cidade santa, trono de Deus, lugar de salvação, montanha santa de Deus. Tais expressões indicam seu caráter na história da salvação. Os profetas não deixavam de fazer a relação entre Jerusalém e a obra salvadora de Javé. É no santo Monte, em Jerusalém, morada do Senhor, que a criação será reunida para a liberdade. Daí compreendemos o baque que foi para aquele povo a destruição da cidade em 587–586 a.C. por Nabucodonosor, em 167 a.C. pelos gregos e a invasão em 63 a.C. pelos romanos. Durante o exílio Jerusalém ganhou contornos de capital do reino escatológico. É para lá que vão convergir as nações da terra e o Dia de Javé será concretizado.

Os evangelhos tomam esta imagem construída no exílio e fazem a transposição da cidade para a pessoa de Jesus de Nazaré, não mais o local, mas o próprio filho de Deus é a redenção do povo. Após o Pentecostes, é de Jerusalém que se inicia o ofício apostólico e preparo para a expansão do cristianismo. Por fim, se a Jerusalém terrestre não possuí mais o esplendor do passado, a imagem da Jerusalém celeste é viva na mente dos cristãos, carregando consigo conceitos teológicos importantes, como a sua associação a Jesus, à Igreja e à cidade Santa, guardada em segredo e que aparecerá no fim do mundo, da qual podemos ter acesso no culto (Hebreus 12.18–24).

Jerusalém é vista, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, como a capital do Reino, onde o Rei viria para conduzir Israel como soberana entre as nações. Este desejo, no entanto, é vista com enfoques diferentes. Se no Antigo Testamento os profetas apontam para a concretização do Dia de Javé, um dia de juízo, no Novo Testamento os autores apontam para Jerusalém como a concretização de uma nova realidade, a que Jesus reinará sobre toda a criação de maneira definitiva, colocando um ponto final no sofrimento e na dor, religando a humanidade em definitivo com Deus. A diferença de enfoque está no aspecto de Jerusalém nestas duas narrativas. No Antigo Testamento Jerusalém é o palco onde o Dia de Javé ocorrerá. É para lá que correrão as nações do mundo. No Novo Testamento Jerusalém não é o palco, mas a morada final de todos nós.

É interessante pontuar que o Antigo Testamento registra que apenas três invasores conseguiram conquistar Jerusalém: Davi, Jeoás e Nabucodonosor. Nem mesmo Senaqueribe, poderoso imperador Assírio, conseguiu conquistá-la, preferindo cercá-la e cobrar dela impostos. No Novo Testamento Jerusalém está sob domínio romano, mas antes havia estado sob domínio do rei Dario, o Grande, que reconstruiu o templo, e em seguida passou para os gregos, primeiro com Alexandre, o Grande, depois com os reinados Ptolemaicos. Em 198 a.C. Ptolomeu V perde Jerusalém para Antioco III, do Império Seleucida. Pouco tempo depois, Jerusalém conquista certa autonomia, no quando da revolta dos Macabeus, que permanecem no poder até 63 a.C., quando Pompeu, com o pretexto de pacificar a guerra civil desencadeada pela sucessão do trono, invade a região. Em 37 a.C. Marco Antônio acaba com a dinastia hasmoneia e retira os descendentes dos Macabeus do trono, entregando- para Herodes, o grande.

Ainda sob domínio romano, Jerusalém foi conquista pelos persas e retomada pelos romanos. Após sucessivas revoltas judaicas, no século IV os romanos proíbem os judeus de entrarem em Jerusalém. Até o Século VI, diversas guerras e revoltas fizeram Jerusalém sair das mãos dos romanos, o que aconteceria em definitivo em 638 d.C. com a chegada do Califado Ortodoxo, conquistando e estabelecendo Jerusalém como a terceira cidade sagrada do Islamismo, depois de Meca e Medina. É nesse período que os judeus são autorizados a voltar para Jerusalém. Em 1099 Jerusalém é conquistada pelos cruzados, que mataram cerca de 40.000 pessoas, reduzindo a população de Jerusalém de 70.000 para 30.000 habitantes. Muçulmanos e judeus foram expulsos. Em 1187 Nácer Salá Adim Iúçufe ibne Aiube, mais conhecido como Saladino, retoma Jerusalém e permite a volta dos judeus à cidade. Em 1244 os tártaros corásmios saquearam Jerusalém e dizimaram a população cristã. Entre 1250 e 1517 Jerusalém permaneceu sob domínio mameluco, vindo a ser conquistada pelo Império Turco-otomano em 1517, permanecendo com eles por 400 anos. Em 1917, no contexto da primeira guerra mundial, o exército britânico conquista a região e em 1922 a Liga das Nações deixa a Palestina sob administração britânica. Em 1947 as Nações Unidas decidem que Jerusalém deve ser um corpo separado, ou seja, um lugar sob administração das Nações Unidas, o que não se concretizou de fato, pois na Guerra dos Seis Dias, em 1967, Israel anexa Jerusalém oriental e a unifica.

Conclusão

A cidade de Jerusalém passou por profundas transformações após a destruição do templo em 70 d.C. Ela perdeu seu papel de protagonista na história, voltando a entrar nos temas da história ocidental no quando das cruzadas e as lutas contra os muçulmanos. Mais recente, com o enxerto dos judeus após a Segunda Guerra Mundial, temos os conflitos que voltam a acontecer por conta de Jerusalém, uma cidade onde as três maiores religiões monoteísta do mundo se encontram e se reconhecem como num lugar sagrado e praticamente a sede de suas bases de fé. Dos Patriarcas a Jesus, dos Apóstolos a Maomé, as figuras religiosas que são associadas a Jerusalém e por ela passaram são muitas, o que só reforça o papel da cidade diante da humanidade.

Não podemos, diante do discurso político, nos esquecermos que a cidade de Jerusalém e o Estado de Israel em nada tem a ver com a Jerusalém e o Israel da consumação dos tempos. A interpretação de que o Israel atual é o Israel bíblico tem levado cristãos a praticarem a intolerância e a falta de amor para com o próximo. Não nos esqueçamos que não aguardamos o restabelecimento de Israel como potência, mas sim a volta de Cristo, que virá e, com ele, a cidade Santa, Jerusalém, vestida como noiva e triunfante sobre as nações, graças a seu noivo Jesus.

[1] von ALLMEN, Jean-Jaques. Vocabulário Bíblico, verbete Nomes Geográficos”. ASTE. São Paulo, SP. 2001

O presente texto foi escrito para a aula da Academia Bíblica da Igreja Presbiteriana Independente de Tucuruvi, São Paulo, SP, escrito em 28 de outubro de 2019

Índice das aulas

O índice é atualizado no artigo da primeira lição.

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Giovanni Alecrim
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