O apogeu do Reino do Norte

Giovanni Alecrim
De casa em casa
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5 min readNov 27, 2019

Israel volta a brilhar e volta a oprimir

Edifício com colunas em Hazor

A revolta de Jeú se inscreve em um movimento mais vasto de desestabilização que envolve toda a região. [1]

A dinastia de Omri colocou no mapa internacional Israel, o Reino do Norte. Acordos e casamentos fortaleceram o poderio político e militar do Estado. Toda essa conquista resultou nas agruras internas do reino, com problemas sociais e diferenças gritantes entre o palácio e o povo. Os sacerdotes, aliados aos nobres do reino, invertem o eixo do poder e levam Jeú ao palácio, dando início ao período de apogeu de Israel. O contexto dos vizinhos não era diferente, em Damasco chegava ao poder, por meio de um golpe de estado, Hazael, e com anuência, talvez bênção, de Eliseu. Neste mesmo período, a Assíria começa a entrar m declínio, do que se aproveitará o bisneto de Jeú, chega ao poder que chega ao poder dentro deste contexto.

A chegada ao poder

A dinastia de Omri chega ao seu fim por meio de um violento golpe de Estado, encabeçado por Jeú e sob a unção de Elias. Ao exterminar toda a família de Acab, a começar por Jezabel, Jeú restabelece o culto a Javé, massacrando os profetas de Baal. Mesmo sob a bênção de Elias, e de Javé, ainda assim, a narrativa de 2 Reis 9 e seguintes deve ser contraposta a palavra profética de Oseias 1.4, onde Javé condena Jeú pelas mortes em excesso. São duas visões diferentes de um mesmo episódio e que revelam como as circunstâncias políticas são sentidas de maneiras diferentes por pessoas do mesmo período.

Embora seja o apogeu do Reino do Norte, todo apogeu é sucedido do declínio, e ele começa justamente quando Jeú se prostra diante de Salmanasar III. Temos este registro no obelisco negro e é a primeira representação de um rei de Israel e nela Jeú é identificado como “filho de Omri”. Não é um erro, como pode se supor, mas uma forma de nos mostrar que Jeú deve ser o sucessor natural, pois ele tem o apoio do império Assírio. Jeú é sucedido por Jeoacás e este por Joás, que é apontado, por uma evidência arqueológica, como um rei vassalo da Assíria.

Jeroboão II

Joás é sucedido por Jeroboão II, bisneto de Jeú, que consegue levar Israel de volta a uma situação muito próxima a conseguida pela dinastia de Omri. Jeroboão II é um dos reis que temos evidências arqueológicas bastante interessantes. Um selo jaspe foi achado nas escavações em Meguido com a inscrição “Shema, servo de Jeroboão”. Em 1910 foram encontradas em Samaria numerosas ostraka, fragmentos convexos de cerâmica com inscrições. Um deles é um recibo de transporte de azeite e vinho destinado ao palácio real em Samaria. Tal achado corrobora a informação de que Jeroboão II teve um reino próspero, chegando a conquistar as mesmas regiões da Transjordânia conquistadas pela dinastia de Omri.

O reinado de Jeroboão II merece destaque não apenas na questão política, mas principalmente na questão da atuação profética de Amós e Oseias, o que nos leva a olhar para os espectro social de Israel. Oseias parece revelar uma certa confusão política antes da chegada de Jeroboão ao trono, mas denuncia claramente as concessões dos reis de Israel, que ora se alinham com os egípcios, ora com os assírios. Além disso, Amós é quem vai denunciar como o povo era oprimido pelos chefes, fraudados pelos comerciantes, injustiçados pelos juízes e enganados por um culto de aparências feito pelos sacerdotes. O luxo do palácio apenas revela como este contexto era real:

Que aflição espera vocês que se deitam em camas de marfim e espreguiçam em seus sofás, comendo carne de cordeiros do rebanho e dos novilhos engordados no estábulo. Amós 6.4

O que Amós e Oseias estão denunciando é como o pequeno agricultor está sendo massacrado para que o luxo do palácio, e os acordos internacionais, sejam mantidos. Não bastassem as invasões de povos inimigos, as guerras e as calamidades naturais como pestes e secas prolongadas, ainda tinham que sustentar os luxos palacianos. Tudo isso é interpretado pelos profetas no viés da justiça de Javé. Embora tenha elevado novamente Israel a um patamar confortável na perspectiva internacional, o reinado de Jeroboão II é negativamente retratado pelos profetas, pois eles enxergam nas diferenças sociais e nas injustiças praticadas a mão opressora de quem quer viver no luxo às custas da dor do outro.

E o Reino do Sul?

Na metade do século oitavo, as dimensões de Israel e Judá juntos eram quase tão grandes quanto as do império de Salomão. E como parece ter sido aproveitada plenamente a posição na qual a região se encontrava, seguiu-se uma prosperidade desconhecida desde Salomão. [2]

Durante o apogeu do Reino do Norte, 841–743 a.C., Judá teve como reis Joás (835–796 a.C.), Amazias (796–781 a.C.) e Azarias (781–740 a.C.). É um período que o Reino do Sul experimenta certa estabilidade, mas nada comparado ao seu vizinho ao norte. De igual modo, a estabilidade política era alicerçada nas injustiças sociais. Isaías inicia seu ministério no ano da morte do Rei Amazias, também chamado de Uzias. É quando ele denuncia as diferenças entre os que tem muito às custas da opressão do mais pobre.

Durante esse período, damos destaque ao reinado de Azarias, que sendo contemporâneo de Jeroboão II, conseguiu certa prosperidade em Judá. Ele fortaleceu Jerusalém, reestruturou o exército e desenvolveu técnicas de defesa em caso do cerco da cidade. Feitos consideráveis, se levarmos em conta que Azarias assumiu o trono aos dezesseis anos. No fim de sua vida, com lepra, Azarias parece ter permanecido no controle do palácio.

Conclusão

Estamos diante de um outro caso no qual um período historicamente florescente e politicamente mais sólido que os precedentes, ou seja, o reino de Jeroboão II, é interpretado pelo texto bíblico, neste caso, pela mensagem profética de Amós e Oseias, como um período negativo, justamente por conta da existência da grande disparidade e injustiça social, ao lado de um considerável bem-estar, privilégio, contudo, de poucos [1]

Israel experimenta seu apogeu, Judá, estabilidade, no entanto, todas essas conquistas estão alicerçadas em uma frágil estrutura que combina vassalagem a impérios com opressão social interna, o que gera um ambiente muito propício para um declínio veloz dos reinos, e é o que acontece, primeiro, ao Reino do Norte, o que veremos no próximo encontro.

[1] MAZZINGHI, Luca. História de Israel: das origens ao período romano. Editora Vozes. Petrópolis, RJ. 2017

[2] BRIGHT, John. História de Israel. Edições Paulinas. São Paulo, SP, 1978

O presente texto foi escrito para a aula da Academia Bíblica da Igreja Presbiteriana Independente de Tucuruvi, São Paulo, SP, escrito em 27 de novembro de 2019

Índice das aulas

O índice é atualizado no artigo da primeira lição.

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Giovanni Alecrim
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