O fim do Reino do Sul

Giovanni Alecrim
De casa em casa
Published in
6 min readFeb 5, 2020

Duas invasões, um mesmo destino: Babilônia

Qualquer pessoa que tenha compreendido a natureza teológica nacional de Judá, como ela era popularmente entendida, verá que a nação estava totalmente despreparada para enfrentar a emergência iminente.[1]

Após a morte de Josias, Judá entra num período de grande confusão e profunda crise. Os movimentos internos procuraram manter suas posições, no entanto, a interferência do Egito foi decisiva na sucessão do trono de Josias. Necao, faraó que matara Josias, interferiu diretamente na sucessão em Judá, retirando Joacaz (609), que fora colocado pelos partidários das reformas, e enviando-o para o exílio no Egito. Em seu lugar ele coloca outro filho de Josias, Eliacim, mudando seu nome para Joaquim (609–598 a.C.).

Joaquim, ou Jeoaquim

Segundo o relato de 2 Reis, Joaquim foi um rei fraco e tirano. Aliado ao faraó, que era seu fiador no poder, ele tinha autonomia e força para fazer o que bem entendesse.

A fim de obter o ouro e a prata que o faraó Neco havia exigido como tributo, Jeoaquim cobrou dos habitantes de Judá um imposto proporcional às posses de cada um. (2 Reis 23.35)

No reinado de Joaquim que Jeremias faz sua crítica contundente contra o Templo como objeto mágico da espiritualidade judaica. É também com Joaquim os embates mais duros. As duras palavras do profeta o levam a ser preso pelo rei. No entanto, não podemos deixar de dizer que as intenções de Jeremias eram tanto religiosas quanto políticas. O profeta entendia que era melhor se submeter à Babilônia e evitar uma destruição maior, que ficar nas mãos do Egito e sofrer com a invasão babilônica eminente. Em 605 a.C. o Faraó Necao sofre uma derrota para Nabucodonosor em Carquemis, ficando toda a região da Síria e Palestina nas mãos da Babilônia. Joaquim se apressa em mudar de lado e paga tributo a Nabucodonosor. Passados poucos anos, em 601 a.C., o Egito conseguiu conter o avanço babilônico e, mais uma vez, Joaquim muda de lado. Nabucodonosor marcha contra Judá, a cerca e mata Joaquim. Temos, além do registro de 2 Reis 24, o relato das Crônicas Babilônicas sobre a invasão:

O ano 7 do mês Kislew o rei Akkad moveu seu exercíto na terra de Hatti, montou cerco contra a cidade de Judá e, no segundo dia do mês Adar, tomou a cidade e fez o rei prisioneiro. Colocou um rei que lhe aprazia, tomou um grande butim e o enviou à Babilônia. [2]

O filho de Joaquim, Joaquin, se rende e é levado ao exílio, juntamente aos nobres, sacerdotes e dirigentes de Jerusalém. Entre os exilados está o profeta Ezequiel. Nabucodonosor deixa no trono Matanias, a quem dá o nome de Sedecias.

Sedecias, ou Zedequias

O último rei de Judá independente, Sedecias (598–586 a.C.) não muda a forma de fazer política de Judá. Ora se submete a Nabucodonosor, ora ao Faraó Psamético II, sucessor de Necao. Em 594–593 a.C. Sedecias tenta formar uma primeira coalizão antibabilônica. Em 589–588 a.C. firma uma ilusória aliança com o Egito. 587 a.C. Nabucodonosor está de volta à Judeia, sitiando pela segunda vez a cidade de Jerusalém. Após dois anos de sítio, Jerusalém está tomada de doenças e fome.

Em 18 de julho, no décimo primeiro ano do reinado de Zedequias, a fome na cidade tinha se tornado tão severa que não havia mais nenhum alimento. Assim, abriram uma brecha no muro da cidade, e todos os soldados fugiram. Como a cidade estava cercada pelos babilônios, os soldados esperaram até o anoitecer. Então, passaram pelo portão entre os dois muros atrás do jardim do rei e fugiram em direção ao vale do Jordão. Jeremias 52.6–7

Todo esse cerco acontece sem nenhuma intervenção do Egito. Sedecias consegue fugir, mas é capturado e enviado ao exílio com o restante da corte, dos nobres e dos sacerdotes, não sem antes receber sua sentença ali mesmo, em Jerusalém:

Capturaram Zedequias e o levaram ao rei da Babilônia, em Ribla, onde ele recebeu sua sentença. Mataram seus filhos diante dele, depois lhe arrancaram os olhos, o prenderam com correntes de bronze e o levaram para a Babilônia. (2 Reis 25.6–7)

Sacerdotes e Profetas

Antes da monarquia, os sacerdotes existiam, mas não possuíam uma instituição bem delineada e fundamentada. Se voltarmos na história, os patriarcas apresentavam por si mesmos seus sacrifícios. No relato de Juízes há a menção ocasional a sacerdotes, sempre ligado a um santuário local. Ao que nos parece, não havia um ritual de ordenação sacerdotal. O sacerdote era escolhido como serviçal e guardião de um determinado santuário. Neste primeiro momento da história de Israel, os sacerdotes eram procurados para que proferissem os oráculos, ou seja, as palavras de Deus para a pessoa. O Urim e Tumim, objetos sagrados, eram usados para tirar sorte, dar respostas, sobre questões que careciam de decisões importantes.

Com o advento da monarquia, a função de proferir oráculos vai se tornando cada vez menos relevante e os sacerdotes passam a ensinar. Eles eram responsáveis por instruir o povo nas leis de Deus. A crítica dos profetas aos sacerdotes infiéis revela a importância que tinha tal função. Mais para frente veremos que esta função do ensino passou aos levitas e, posteriormente, para os escribas e doutores da Lei. Durante a monarquia, vemos a transição do papel do sacerdote. Saul, Davi e Salomão ofereciam, eles mesmos, os sacrifícios. Ao que tudo indica, a própria pessoa era responsável por sacrificar os animais no altar. Com o passar do tempo, essa função se tornará exclusiva dos sacerdotes e, já no século VIII a.C. não se vê mais menção a pessoas oferecendo seus sacrifícios no altar. O que ocorre é a sacralização do altar e da função de sacerdote, que se torna um mediador entre o homem e Deus. Não era de se entranhar que, uma vez que o sacerdote fosse mediador, ele tivesse uma relação estreita com o palácio real. O templo, tanto em Jerusalém, como no Reino do Norte, era morada do Rei e o sacerdote era seu funcionário.

Ao lado do sacerdócio temos outra instituição importante de Israel, os profetas. Não obstante a polêmica relação de Isaías e Jeremias com o palácio e os sacerdotes, não podemos pensar que um era em contraste ao outro. Havia profetas ligados ao palácio e ao templo, que proferiam seus oráculos, função que fora dos sacerdotes, e orientavam o rei e a corte em suas ações e decisões. Há uma clara diferença entre os profetas dos quais temos os escritos e os profetas do templo: os primeiros possuíam clara certeza de sua vocação e de quem era a mensagem que proferiam, os segundos trabalhavam por dinheiro. Os profetas pré-exílicos se caracterizam pela fé inabalável em Javé e na relação de Javé com Israel. São eles, portanto, os intérpretes das condenações de Javé e das palavras de esperança e restauração para Israel. Tudo isso pode nos levar a pensar que, uma vez que os profetas eram profundamente fieis a Javé, eles seriam obrigatoriamente contra os reis e a monarquia em si. Não é o caso. Vemos, por exemplo, Amós e Oséias se manifestando apenas quando o rei se afasta da fidelidade a Deus. Tidos pelo palácio como agitadores, tomados pela elite como baderneiros, antes de tudo, os profetas eram a consciência crítica da monarquia e de todo o povo de Israel.

Conclusão

A queda do Reino do Sul, consequência da ação desastrosa de seus reis, põe fim ao estado independente de Israel. A casa de Davi caía. Aqui, cabe uma consideração importante, mais ainda, uma rememoração. A palavra profética de orientação e correção foi ignorada pelas elites do Reino de Judá e Israel. Ambas foram deportadas, exiladas na Babilônia. A região está, portanto, desabitada? Não. Tem gente lá? Quem? O camponês, o pobre, a viúva, o órfão. Não é à toa que, na abertura de sua profecia, a palavra de Javé a Isaías inclui:

Aprendam a fazer o bem e busquem a justiça. Ajudem os oprimidos, defendam a causa dos órfãos, lutem pelos direitos das viúvas. (Isaías 1.17)

Aqueles a quem a elite deveria cuidar foi deixada em Jerusalém, para eles mesmos cuidarem de si. Quem era a elite? O Rei, os sacerdotes, os nobres, os funcionários do palácio, os ricos. A estes, restou se tornarem oprimidos na Babilônia, órfãos de suas terras e viúvos de seus bens materiais. Aqueles que colocaram sua esperança na espada, no ouro e na prata, agora eram estrangeiros, prisioneiros da Babilônia.

[1] BRIGHT, John. História de Israel. Edições Paulinas. São Paulo, SP, 1978

[2] MAZZINGHI, Luca. História de Israel: das origens ao período romano. Editora Vozes. Petrópolis, RJ. 2017

O presente texto foi escrito para a aula da Academia Bíblica da Igreja Presbiteriana Independente de Tucuruvi, São Paulo, SP, escrito em 05 de fevereiro de 2020

Índice das aulas

O índice é atualizado no artigo da primeira lição.

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Giovanni Alecrim
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