O reino dividido
O ponto de partida para uma história de Israel enquanto reino.
Note-se o breve espaço dado a reis politicamente importantes em âmbito internacional como Omri, rei de Israel, ao qual o texto bíblico reserva apenas cinco versículos — 1 Reis 16.23–28. [1]
Pode parecer estranho, depois de tanto tempo, falarmos de um ponto de partida para uma história de Israel. O fato é que a partir da era pós-salomônica é que temos uma serie de dados para abordar historicamente o relato bíblico. O livro dos Reis reserva um extenso espaço, do capítulo 12 do primeiro livro até o capítulo 25 do segundo livro, para tratar dos reinos divididos até o exílio. Estamos falando de um período que se estende de 931 a.C. até 722 a.C. para o reino do Norte e 586 a.C. para o reino do Sul. O caráter do relato, tanto no livro de Reis quanto nos profetas, é sempre mais teológico que histórico.
As doze tribos
O povo de Israel, num determinando momento de sua história, que uns dizem ser após Jacó e outros dizem ser no quando da entrada em Canaã, foi agrupado em doze tribos, recebendo os nomes de cada um dos filhos de Jacó:
- Os filhos de Lia: Rúben, Simeão, Levi, Judá, Issacar e Zebulom.
- Os filhos de Zilpa, serva de Lia: Gade e Aser
- Os filhos de Raquel: José e Benjamim
- Os filhos de Bila, serva de Raquel: Dã e Naftali
Notem que, se pegarmos a relação das tribos de Israel, dois nomes não aparecem na lista acima, dos filhos de Jacó, a saber, Efraim e Manassés. Além disso, Levi não possui território, pois é dedicado a cuidar do culto a Javé.
Quando o reino se divide, a maioria das tribos se unem no reino do Norte: 1.Rúben 2.Issacar 3.Zebulom 4.Gade 5.Aser 6.Efraim 7.Manassés 8.Dã e 9.Naftali. Restando ao reino do Sul Judá, Benjamim e Simeão. No entanto, se formos ao texto bíblico veremos que lá se faz menção primeiro a apenas Judá como fiel a Roboão, filho de Salomão. Depois, acrescenta Benjamim. Simeão não é citado, pois seu território é praticamente todo dentro do território de Judá.
O que levou à divisão?
Dentre os historiadores não há um consenso de quando a divisão de fato começou. O que temos após a morte de Salomão é o culminar de uma série de fatores que levaram até ali. Dentre eles temos os altos impostos, o trabalho forçado, uma corte muito luxuosa e um certo privilégio às tribos de Judá e Benjamim no que diz respeito ao peso dos tributos. Isso vemos no pedido das tribos de Israel e, note, que ao final dessa conversa, temos apenas Judá como fiel a Roboão.
Os líderes de Israel convocaram Jeroboão, e ele e toda a comunidade de Israel foram falar com Roboão. “Seu pai foi muito duro conosco”, disseram. “Alivie a carga pesada de trabalho e de impostos altos que seu pai nos obrigou a carregar. Então seremos seus súditos leais.”
Quando o povo de Israel soube que Jeroboão tinha voltado do Egito, convocou uma assembleia e o proclamou rei sobre todo o Israel. Apenas a tribo de Judá permaneceu leal à família de Davi.
1 Reis 12.3–4, 20
Como se pode perceber, apenas o fato de Judá ter um território vasto e ser lá a sede do império, fazia com que o povo todo para lá fosse na hora de negociar. O que Jeroboão, em nome das tribos, queria era um governo menos autoritário e pesado. Roboão, no entanto, deu ouvidos aos jovens conselheiros, e não aos mais experientes. Já havia insatisfação, ela foi transformada em divisão.
As diferenças entre o Norte e o Sul
É interessante olharmos para o mapa da região e notarmos que o reino do Norte é mais amplo territorialmente, está localizado numa região de grande trânsito de viajantes, possuí rotas internacionais que cortam seu território ligando a Síria ao Egito. Possuí um acesso ao mar pelo vale de Jezrael. Era um território muito mais fértil e produtivo do ponto de vista agrícola que as montanhas rochosas do reino do Sul. Judá era um território reduzido, economicamente pobre e isolado do ponto de vista do plano internacional. Toda essa diferença se refletia nas riquezas e no poderio militar de cada um dos reinos. Quando Jeroboão vai confrontar Roboão, eles já possuíam um exército capaz de enfrentar e se impor sobre o do então rei de Israel ainda unificada. Outra grande diferença, talvez a principal, se refere ao plano étnico e religioso.
A população do Sul é mais homogênea, enquanto no Norte ainda existem núcleos de habitantes de origem e religião cananeia e o influxo das populações circundantes (fenícios, arameus e assírios) é muito forte. [2]
Vemos claramente como o teor teológico da narrativa de 1 Reis se apresenta, confirmando a afirmação de MAZZINGHI. No capítulo 12.25–33 narra a construção pelo recém aclamado rei Jeroboão de dois bezerros de ouro, um em Dã e outro em Betel, ou seja, nas extremidades do reino do Norte. Os bezerros simbolizavam o pedestal da divindade, que não necessariamente era Baal. Ao construí-los, Jeroboão elimina a necessidade de o povo descer para Jerusalém, no templo, para cultuar. O autor do livro dos Reis está nos mostrando que a parte fiel a Javé, mesmo que agindo de maneira contrária à sua vontade, é Judá, pois lá permanece a Casa de Davi.
Os primeiros anos
Os primeiros anos dos reinos do Norte e do Sul pode ser resumido em uma palavra: caótico.
O cisma foi seguido por duas gerações de guerra regional esporádica, que não levava a nenhuma conclusão, e durante as quais a posição de ambos os Estados piorava cada vez mais. [3]
Eram frequentes as incursões militares nas áreas de fronteira entre os dois reinos, no entanto, como enfatiza BRIGHT, não levavam a conclusão nenhuma, nada se modificava no cenário geral. Uma característica deste período é a instabilidade no reino do Norte no que diz respeito aos reis. Num intervalo de cerca de 40 anos temos quatro reis ocupando o trono: Jeroboão, Nababe, Baasa e Elá. Jeroboão e Baasa chegaram ao trono por meio de um golpe de Estado. Já Nadabe e Elá foram sucessores que foram assassinados com menos de dois anos de reinado.
Havia um fator que agravava ainda mais o conflito entre Judá (Sul) e Israel (Norte) e que era externo: o Egito. Sisaque, nobre da Líbia que fundou a Vigésima Segunda Dinastia do Egito, tinha como uma de suas esperanças a de reafirmar a autoridade egípcia sobre a Ásia. Num primeiro momento, antes ainda da divisão, ele dá asilo a Jeroboão e, pelo mesmo motivo, após a morte de Salomão, o permite voltar para que lute. A luta termina com o enfraquecimento de Israel e a divisão. É aí que Sisaque vê uma oportunidade e invade Judá e Israel, devastando toda a Palestina. Entraram pelo Negueb, e chegaram até o Edom. A tomada da região, no entanto, não permitiu a Sisaque consolidar o Egito na região. Conflitos internos o obrigou a reduzir as incursões. Judá, por ser mais fora do eixo de rota comercial, sofreu menos com as incursões do Egito, há ainda a hipótese de Roboão ter pago tributo, simbolizando uma vassalagem. Ao longo das incursões do Egito na região temos como reis de Judá Roboão, Abia e Asa. As lutas entre os reinos do Norte e do Sul continuaram durante esse período, mesmo que em menor escala, com um predomínio maior do reino do Norte, até que Asa, rei de Judá, se alia a Ben-Hadade, rei dos amorreus que residia em Damasco, o que obriga o reino do Norte a recuar em suas intensões.
Conclusão
A divisão do reino de Davi e Salomão acontece como fruto de diversos fatores que nasceram na consolidação do reino e que culminaram em uma separação, o que, em certa medida impediu uma guerra civil, mas não impediu uma guerra constante entre os dois reinos.
Ao se unir a Ben-Hadade, Asa inaugura um novo momento na política internacional dos dois reinos: o de se fazer alianças por interesse e conveniência. Esta prática será adotada constantemente em ambos os reinos e, por vezes, trará consequências trágicas para ambos.
[1] MAZZINGHI, Luca. História de Israel: das origens ao período romano. Editora Vozes. Petrópolis, RJ. 2017
[2] ibidem
[3] BRIGHT, John. História de Israel. Edições Paulinas. São Paulo, SP, 1978
O presente texto foi escrito para a aula da Academia Bíblica da Igreja Presbiteriana Independente de Tucuruvi, São Paulo, SP, escrito em 13 de novembro de 2019
Índice das aulas
O índice é atualizado no artigo da primeira lição.