O Reino do Sul — Manassés, Amon e Josias
Três reis que oscilaram entre a infidelidade extrema e a fidelidade radical
Raramente uma nação experimentou tantas e tão repentinas mudanças de sorte em tempo relativamente tão curto [1]
Da morte de Ezequias ao exílio na Babilônia passaram-se exatamente 100 anos. Destes, 78 anos tiveram a marca da infidelidade extrema contrastada com a da fidelidade radical. Tal marca é profundamente determinada pelo cenário internacional. O poderoso Império Assírio, em um século, perderia sua influência e daria espaço para o Egito, que por pouco tempo conseguiria manter certa predominância na Judeia, mas logo seria dominado pela Babilônia. Toda essa história começa com a chegada ao trono, em Judá, de Manassés, filho do estimado rei Ezequias, mas que vai na direção oposta do pai.
Manassés
Manassés, que chegou ao trono com 12 anos de idade, reinou de 687 a 642 a.C. Foi o reinado mais longo dentre todos os reis bíblicos e, ao contrário de seu pai Ezequias, ele é tido como um rei infiel e idólatra. Isso os textos de 2 Reis e 2 Crônicas deixam bem claro. Mas há um fator externo que justifica a crítica bíblica de idolatria. O império Assírio vivia seu auge, chegando inclusive a conquistar o Egito. Tamanho poderio bélico fez com que Manassés se tornasse mais um dentre os mais de vinte reis vassalos. Além disso, ele promoveu uma verdadeira carnificina em Jerusalém, muito provavelmente perseguindo os que cultuavam a Javé e os opositores à Assíria.
Além de levar o povo de Judá a pecar e fazer o que era mau aos olhos do Senhor, Manassés assassinou muitos inocentes, até encher Jerusalém do sangue deles, de uma extremidade à outra. (2 Reis 21.16)
A Bíblia enfatiza que a desobediência de Manassés o colocou nas mãos dos Assírios, como consequência de seus erros:
Por isso, o Senhor enviou os comandantes dos exércitos assírios, e eles capturaram Manassés. Puseram um gancho em seu nariz, o prenderam com correntes de bronze e o levaram para a Babilônia. (2 Crônicas 33.11)
No exílio, Manassés se arrepende e, alguns anos depois, ele retorna a Jerusalém, reconstruindo os muros da cidade, restaurando o altar de Javé e reorganizando o culto. A conversão tardia de Manassés, narrada em 2 Crônicas e não em 2 reis, pode ser uma tentativa dos cronistas de justificar um reinado tão longo por parte de um rei tão assassino e ímpio.
Amon
Após a morte de Manassés, assume Amon, seu filho de 22 anos, a quem 2 Reis e 2 Crônicas dedicam pouquíssimas palavras. Em ambos os relatos, a sentença é muito parecida: Amon foi mais infiel que seu pai, não restaurou o culto a Javé e foi morto por seus oficiais, que conspiraram contra ele e o assassinaram em seu palácio. O assassinato de Amon, no entanto, não se consumou em golpe de Estado, pois o povo reagiu, matando os conspiradores e proclamando Josias rei. Seu reinado durou de 642 a.C. a 640 a.C., o que nos revela o quão controverso deve ter sido o seu curto reinado a ponto de gerar uma conspiração contra ele.
Josias
Josias assume o trono em 640 a.C., num cenário de transição de poder no âmbito internacional. Os assírios começavam a perder sua influência e a Babilônia, que recupera sua independência em 627 a.C., conquista em 612 a.C. Nínive, botando um fim no Império Assírio e consolidando o Império Neobabilônico. A transição de poder permite o ressurgimento do Egito, que volta a dominar a Judeia, mas que permite uma certa autonomia religiosa e administrativa, embora Judá continuasse como reino vassalo, agora dos egípcios. É nesse contexto que uma criança assume o trono em Judá. Josias tinha apenas 8 anos de idade. É também nesse contexto que acontece a atividade profética de Sofonias e Jeremias e mais no final do reinado, Ezequiel.
O cenário internacional favorece Josias, que promove uma reforma religiosa, desencadeada pela descoberta do Livro da Lei no templo. A leitura do livro perante Josias provoca profundo arrependimento e desperta um senso de fidelidade e identidade nacional em torno da Lei de Deus. O livro encontrado por Hilquias, sumo sacerdote, provavelmente era o núcleo centra de Deuteronômio, dos capítulos 12 a 26 do atual livro do mesmo nome e que, muito provavelmente foi composta durante o reinado de Ezequias, mas com origem no Reino do Norte.
Caída em desuso e esquecida durante o reinado de Manassés, foi de fato “redescoberta” durante o reino de Josias e usada por ele como base para sua reforma política-religiosa. [2]
A reforma religiosa promovida por Josias é muito semelhante à de Ezequias, com uma diferença: muito mais radical. Josias promove a eliminação sistemática dos elementos de cultos que não fossem a Javé e a perseguição aos devotos de outras confissões que não a sua. Um só Deus, Javé, um só povo, Judá, um só Templo, Jerusalém. Como toda reforma radical, Josias enfrentou resistência da população, que não era muito favorável às exigências de um culto de fidelidade exclusiva.
Com os poderes maiores guerreando, Josias tem uma certa esperança de independência. Por conta das reformas religiosas, é muito provável que o espírito patriota tenha se intensificado, e Josias saiu para guerrear contra o Faraó Necao, que o assassinou na cidade de Meguido, dando fim ao reinado de Josias em 609 a.C
Conclusão
Ao longo de 78 anos, três reis fizeram de Judá um reino minúsculo e vassalo. Nada muito diferente de seus antecessores imediatos, mas com o cenário externo em transformação, o caminho agora era nebuloso. A Babilônia vinha com força para dominar toda a região, mas antes, ainda havia o Egito, que ditava as regras e colocava no trono quem ele queria. O fim do Reino de Judá estava próximo, e é o que veremos no próximo encontro.
[1] BRIGHT, John. História de Israel. Edições Paulinas. São Paulo, SP, 1978
[2] MAZZINGHI, Luca. História de Israel: das origens ao período romano. Editora Vozes. Petrópolis, RJ. 2017
O presente texto foi escrito para a aula da Academia Bíblica da Igreja Presbiteriana Independente de Tucuruvi, São Paulo, SP, escrito em 29 de janeiro de 2020
Índice das aulas
O índice é atualizado no artigo da primeira lição.