O tempo

Giovanni Alecrim
De casa em casa
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5 min readSep 12, 2019
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A história acontece no tempo, é nele que se desenvolve tudo o que hoje conhecemos, mas nem todos contam o tempo da mesma forma.

Os autores bíblicos nunca pensaram no tempo em termos meramente abstratos. Gostamos de fazer do tempo um conceito geral englobando as noções cronológicas existentes. Os autores bíblicos jamais fazem o mesmo, não dando tal sentido a qualquer das palavras que empregam.[1]

A vida é medida em tempo. Desde o século 16 utilizamos o calendário formulado pelo Papa Gregório XIII (1502–1585) em 24 de fevereiro do ano 1582 em substituição do calendário juliano implantado pelo líder romano Júlio César (100 a.C.- 44 a.C.) em 46 a.C. Nem todo mundo segue o mesmo calendário. Os judeus, chineses, entre outros povos possuem sua própria forma de medir o tempo. O que veremos hoje é como o calendário Israelita funcionava.

Segundo Gênesis 1.14, Deus estabeleceu o sol e a lua para fazerem separação entre o dia e a noite e marcar as estações, os dias e os anos. O dia é medido pelo aparecimento do sol ao redor da terra, o mês, pelos estágios da lua ao redor da terra e o ano pela translação da terra ao redor do sol. O dia é a base de todo calendário. Começa com o sol, termina quando ele se vai. No entanto, quando vamos medir os meses, se tomamos o método lunar, o ano terá no final 354 dias, 8 horas e mais uma pequena fração de minutos, se tomamos o método solar ele terá 365 dias, 5 horas e uma fração de minutos. Em uma sociedade rudimentar isso pouco importava, mas quando falamos de uma sociedade mais elaborada, com Estado estabelecido, cobrança de impostos e definição e datas e festas, bem, aí a coisa já começa a complicar. O Egito, a Mesopotâmia e os árabes pré-islâmicos faziam uso do calendário lunar. Cada qual adequava a sua forma de marcar o tempo para compensar o descompasso com o calendário natural, quer incluindo mês extra de tempo em tempo, quer decretando dias a mais em algum mês. Dentro deste contexto está o calendário israelita, que sofreu influência de diversas civilizações ao longo do tempo.

O dia

A unidade básica é o dia solar. Durante muito tempo se contou o dia de manhã a manhã. Quando se queria indicar a duração de um dia de vinte e quatro horas se falava “dia e noite”. Há diversas referências bíblicas, nos textos mais antigos, que fazem menção ao dia dessa forma. No entanto, quando vamos para os textos mais recentes, vamos encontrar referências como Ester 4.16 que diz “jejuai por mim, e não comais, nem bebais por três dias, nem de noite nem de dia”. Aqui precisamos lembrar que há um dia especial na vida dos israelitas, o sábado. Como a medição do dia variava de tempos em tempos, Neemias para evitar a violação do sábado, estabelece o início da guarda do dia santo ao cair da noite, antes do sábado, e encerrava com o cair da noite do sábado. Cada época havia mudanças na forma de se medir o dia e definir quando ele começava e terminava. Não havia forma de se medir o dia de maneira fracionada, ou seja, o que conhecemos como horas, embora os israelitas tivessem, pela sombra, determinar as horas do dia.

O mês

Os egípcios contavam o mês a partir da manhã em que desaparecia o quarto da lua precedente, é provável que os israelitas tenham seguido este método, mas não se tem como afirmar. Dentro da evolução de como se marcar os meses, a única alteração foi na nomenclatura, que no início se usou a forma cananeia de se nomear, posteriormente, para não criar confusão com a religiosidade cananeia, se estabeleceram os nomes de origem hebraicas:

  • Nissan: 30 dias;
  • Iyar: 29 dias;
  • Sivan: 30 dias;
  • Tamuz: 29 dias;
  • Av: 30 dias;
  • Elul: 29 dias;
  • Tishrei: 30 dias;
  • Cheshvan: 29 dias, mas pode ter 30 nos anos completos;
  • Kislev: 30 dias, mas pode ter 29 nos anos incompletos;
  • Tevet: 29 dias;
  • Shevat: 30 dias;
  • Adar I: este é o mês adicional dos anos bissextos; tem sempre 30 dias;
  • Adar II: quando não é ano bissexto, é chamado apenas de Adar; tem sempre 29 dias.

A semana

Diferentemente dos egípcios, que dividiam o mês em três dezenas, os israelitas estabeleceram o período de sete dias para definir a duração de uma semana, tendo no sétimo dia o dia de descanso. No geral, os dias parecem não ter nomes específicos, exceto o sábado. O período de sete dias é uma forma recorrente de se marcar os dias. A festa do casamento era celebrada por sete dias. A Páscoa e a dos Tabernáculos depois do décimo quarto ou décimo quinto dias, duas unidades de sete dias. O mês era dividido pelas fases da lua, e o grupo de sete dias era o mais usado. Há o registro de um livro chamado Jubileus que dividia o ano em 52 semanas, 4 trimestres de 13 semanas.

O ano

Os israelitas tinham o conhecimento do ciclo de 364 dias que formavam um ano. Diferia de um dia em relação ao egípcio, 365 dias, porém, os israelitas tinham conhecimento disto e podemos perceber na menção aos 365 anos de Enoque, que segundo a tradição posterior foi favorecido com a revelação sobre como medir o tempo, e também no relato do dilúvio, que começa em 17 do segundo mês e termina em 27 do segundo mês do ano seguinte, o que indica que o narrador quis falar que o dilúvio durou um ano solar, e não lunar. Os anos, além de divididos por meses, também eram divididos por estações, num primeiro momento inverno e verão, o frio e o quente. Não se dividia as estações intermediárias.

A idade

A idade dos primeiros personagens bíblicos é controversa, não podemos interpretar literalmente tal numeração. Apenas para efeito de registro, cito von Rad em seu comentário ao Gênesis:

As longas vidas atribuídas aos patriarcas causam incríveis sincronismos e duplicações. Adão viveu para ver o nascimento de Lameque, o nono membro de sua genealogia; Sete viveu para ver Enoque ser levado e morreu pouco antes do nascimento de Noé. Noé viveu mais que o avô de Abraão, Naor, e morreu quando Abrão tinha sessenta anos. Sem, filho de Noé, viveu mais que ele e estava vivo quando Esaú e Jacó nasceram! [1]

Não é exclusivo da Bíblia o uso de idades de maneira figurativa, há relatos na cultura síria de que os primeiros reis deles viveram mais de duzentos mil anos.

Conclusão

A forma de se contar o tempo e se medir a duração varia de cultura para cultura, o importante para nós é entendermos que o tempo é onde a história acontece e, para compreender a história, é preciso compreender o tempo dela no tempo dela, ou seja, a forma como o povo via e compreendia a realidade ao seu redor naquele momento e como se relacionava com tudo o que havia. De certa maneira, vamos ao longo do curso olhar para esta realidade, tentando compreender o agir de Deus na história.

Notas

[1] Von Rad, G. (trans Marks, J. H.) 1961 Genesis — a commentary Philadelphia: Westminster Press

O presente texto foi escrito para a aula da Academia Bíblica da Igreja Presbiteriana Independente de Tucuruvi, São Paulo, SP, escrito em 11 de setembro de 2019

Índice das aulas

O índice é atualizado no artigo da primeira lição.

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Giovanni Alecrim
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