Salomão

Giovanni Alecrim
De casa em casa
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7 min readNov 6, 2019

O rei da era de ouro de Israel

Salomão reflete a situação religiosa extremamente instável de seu tempo. [1]

A história de um reinado pode ser contada de diversas maneiras. Quanto mais antigo, mais provável que encontremos relatos positivos e exaltadores das figuras dos reis. Na Bíblia, no entanto, os grandes feitos sempre vêm narrados ao lado das falhas de caráter. Saul, Davi e Salomão fizeram grandes coisas, boas e ruins. Quando olhamos para Salomão, no entanto, possuí uma fama difícil de se mudar: a de um rei sábio. Teria sido ele mesmo sábio? O que fundamenta tal afirmação, o que a contrapõe? Vamos conhecer um pouco do reinado de Salomão e compreender sua importância na história de Israel.

Davi reinou de 1010–970 a.C. Em 970 a.C. Salomão assume o trono, reinando por cerca de quarenta anos. Um tempo de consolidação e expansão do Reino de Deus. Salomão era um tido como um homem de paz, o que aliás, é o significado de seu nome. O que é bastante interessante pensarmos nisto, pois ele é filho de Bate-Seba, portanto, nasceu em um contexto e fruto de uma situação nada pacífica. Salomão foi quem conduziu Israel ao auge, mas legou à nação a derrocada de uma dinastia.

A ascensão ao trono

Salomão era o décimo filho de Davi, portanto, longe demais do trono. Ainda por cima, era filho de Bate-Seba, a mulher com quem Davi cometera adultério e mandara matar o marido. Na linha de sucessão, Salomão sequer era contado. No entanto, é para ele que vai o trono, segundo promessa de Davi. Adonias, primeiro na linha de sucessão, vendo que seu pai estava doente, decide se autoproclamar rei e dar um banquete, “Mas o sacerdote Zadoque, Benaia, filho de Joiada, o profeta Natã, Simei, Reí e a guarda pessoal de Davi se recusaram a apoiar Adonias”. (1 Reis 1.8). Bate-Seba e Natã comunicam Davi que proclama Salomão rei. Após a morte do pai, Adonias tenta mais uma vez tomar o trono, mas Salomão tom a frente e executa todos os que se opuseram a ele e apoiaram seu irmão. No relato de 1 Reis 1–3, temos essa história com mais detalhes e, como é de se imaginar, escrita bem depois dos fatos ocorridos. Ao final de tudo, Salomão recebe a aprovação divina durante a noite passada no santuário de Gabaon. O que temos, nos três capítulos, é a legitimação teológica da subida de Salomão ao trono. Se Davi, seu pai, foi o rei que fez nascer Israel enquanto reino e nação, a Salomão coube a consolidação das instituições.

Salomão e o templo

A consolidação do reinado em Israel se dá em consonância com a construção do Templo. 1 Reis reserva do capítulo 5 até o 9 para registrar este feito. O Templo se tornaria o mais importante monumento de Israel até sua destruição pelos babilônicos na época do exílio. O edifício erguido sob o reinado de Salomão possuía como recintos principais o pátio externo, onde se ofereciam sacrifícios e o santuário, onde estava o Santo dos Santos, local que abrigava a Arca da Aliança. Não havia nenhuma inovação no que diz respeito a arquitetura, em comparação com os templos cananeus ou siro-fenícios. É preciso lembrar que 1 Reis 5 registra que “Homens da cidade de Gebal ajudaram os construtores de Salomão e Hirão a prepararem a madeira e as pedras para o templo”. Isto nos mostra que havia construtores de dentro e de fora de Israel, pagos pelo rei de Tiro, que recebia de Salomão o pagamento pela mão de obra especializada.

Não é possível precisar quando os cultos em outros santuários deixaram de acontecer, o que se sabe é, paulatinamente, após a conclusão do Templo, Jerusalém se tornou o local central do culto. Assim como seu pai, o rei Davi, Salomão conviveu com outros cultos, mas não só isso, ele prestou culto a outros deuses:

Salomão adorou Astarote, a deusa dos sidônios, e Moloque, o repulsivo deus dos amonitas. Com isso, Salomão fez o que era mau aos olhos do Senhor; recusou-se a seguir inteiramente o Senhor, como seu pai, Davi, tinha feito.

No monte que fica a leste de Jerusalém, chegou a construir um lugar de culto para Camos, o repulsivo deus de Moabe, e outro para Moloque, o repulsivo deus dos amonitas. Salomão construiu esses lugares de culto para que suas esposas estrangeiras queimassem incenso e oferecessem sacrifícios aos deuses delas. (1 Reis 11.5–8)

Poderíamos aqui pensar num desvio moral e religioso de Salomão, mas como citamos na abertura, Salomão reflete a situação religiosa instável de seu tempo e o casamento e culto a deuses estrangeiros é apenas um desses aspectos.

O palácio real

Outro elemento de consolidação da monarquia israelense é a construção do palácio, na qual Salomão investe treze anos, quase o dobro estimado para a construção do templo. Em torno do palácio se forma uma classe administrativa extensa, muito maior que a de Davi, e mais complexa. A consequência de tal estrutura foi a constituição de uma classe de funcionários responsáveis pela corte e governo do país, o que levou a criação de uma formação de novos administradores públicos. Não sabemos se em modelo de escola, ou de ensino por grupos, mas sabemos que tal busca pela teoria e capacitação levou, anos mais tarde, ao surgimento das primeiras obras sapienciais de Israel, como por exemplo as partes mais antigas de Provérbios. Embora a escrita em Israel tenha sido difundida mais por volta de VIII a.C., com a descoberta do abecedário Tel Zayit, datado de X a.C., atestou-se que alguma atividade escrita era comum em Israel, mesmo nos níveis populares, na época de Salomão.

Com o palácio e a consolidação da monarquia, duas grandes características se podem apontar do governo de Salomão. Primeira, a introdução de um sistema de impostos, essencial para a manutenção e investimento do governo, desenvolvido com base nos doze distritos, que são uma nova divisão que substituem as tribos, deixando para o passado a formação tribal e remodelando a forma de se ver Israel. Segunda, a criação de um serviço de trabalhadores públicos forçados, um grupo destinado ao serviço em obras públicas, sejam eles escravos, prisioneiros ou cidadãos livres. A introdução de tal sistema fez com que Salomão fosse visto como um grande rei, mas foi exatamente este sistema que levou, após sua morte, à guerra pela sucessão do trono e a divisão dos reinos.

Salomão, o construtor

Não só de Templo e palácio foi feita a herança arquitetônica de Salomão. Os arqueólogos encontraram em Jerusalém, Gezer, Hazor e Meguido estruturas da época do rei. Uma das características da arquitetura salomônica é o portal de seis câmaras, um tipo de portal construído na entrada principal das muralhas das cidades com espaço interno para os guardas. Tal características são, de fato, relevantes para a pesquisa arqueológica, pois enfim temos mais que o texto bíblico e os fragmentos de peças como evidências da atuação de um rei de Israel.

Salomão, o estadista

O rei Salomão também construiu navios em Eziom-Geber, um porto próximo a Elate, na terra de Edom, às margens do mar Vermelho. Hirão enviou uma frota com marinheiros experientes para servirem nas tripulações dos navios, junto com os marinheiros de Salomão. (1 Reis 9.26–27)

O que o texto de 1 Reis nos revela é uma expansão no comércio. Salomão investe na construção de uma frota com fim comercial, trocando produtos agrícolas, comercializando artesanatos, bigas e cavalos. Tamanha expansão comercial trouxe como consequência a entrada de outros cultos e de sabedorias vindas de outras partes. A literatura sapiencial é potencializada neste período. Embora não haja registro na historiografia egípcia do casamento de uma filha de faraó com um rei israelita, a Bíblia registra tal acontecimento. Toda essa profusão de acontecimentos, do comércio a expansão literária, dos muitos casamentos aos cultos a outros deuses, nos atesta que, diferentemente de Davi, Salomão preferiu a via diplomática à guerra.

Salomão, o sábio?

Não há consenso na pesquisa bíblica quanto a autoria de Provérbios, Eclesiastes e Cântico dos Cânticos. A tradição tende a atribuir a Salomão, porém é mais provável que se trate de coletâneas de sabedorias, quiçá do rei, quiçá de outros autores. O fato é que, toda a sabedoria atribuída a Salomão tem um profundo contraste com sua atuação como rei de Israel. Se tomarmos por base Provérbios 1.7, que diz que “O temor do Senhor é o princípio do conhecimento, mas os tolos desprezam a sabedoria e a disciplina”, fica difícil dizer que Salomão foi um rei sábio, pois ele se casou com várias mulheres para conseguir uma paz de Estado, cultuou os deuses de suas esposas e construiu para eles locais de culto, não soube administrar sua casa com o fim de deixar um herdeiro consolidado para o trono e ainda não ouviu seu povo quanto às queixa a respeito dos impostos, serviços forçados e a divisão dos distritos. Teria sido Salomão de fato um sábio? Não foi com pouca sabedoria que o reino se consolidou, no entanto, assim como seu pai foi o homem segundo o coração de Deus, mas cometeu assassinatos, foi conivente com o estupro de uma de suas filhas, cometido por um de seus irmãos, entre outras falhas importantes registradas na Bíblia.

Conclusão

O reinado de Salomão foi marcado por grandes feitos, conquistas importantes e um legado cultural e religioso que permanece até hoje. Legou também a derrocada da dinastia e a divisão do reino em dois. Se Davi unificou as tribos em sua liderança em torno da Arca da Aliança e Jerusalém, Salomão consolidou o aspecto religioso trazendo a Arca para o templo, consolidando assim a religião de Israel.

Davi e Salomão realizaram o que Saul não conseguira: uniram comunidade secular e religiosa sob a coroa. Samuel renegou Saul e o arruinou; mas foi Salomão quem arruinou Abiatar. [2]

É singular que um profeta tenha causado a ruína de um rei e que um rei tenha causado a ruína de um profeta, ainda mais quando sabemos que Abiatar era profeta funcionário de Salomão. Um rei que toma o lugar de um profeta leva seu povo à ruína. Foi isso que aconteceu após a morte de Salomão: as consequências de suas decisões administrativas causaram revolta e levaram a divisão em Israel e Judá.

[1] MAZZINGHI, Luca. História de Israel: das origens ao período romano. Editora Vozes. Petrópolis, RJ. 2017

[2] BRIGHT, John. História de Israel. Edições Paulinas. São Paulo, SP, 1978

O presente texto foi escrito para a aula da Academia Bíblica da Igreja Presbiteriana Independente de Tucuruvi, São Paulo, SP, escrito em 06 de novembro de 2019

Índice das aulas

O índice é atualizado no artigo da primeira lição.

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Giovanni Alecrim
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