Por que O Feminismo É Anticapitalista?

GIULIA FRATTESI
6 min readApr 1, 2018

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Vamos começar com uma verdade: não tem absolutamente nenhum jeito de ser feminista e a favor do capitalismo. O capitalismo e a misoginia estão de braços dados, quase como gêmeos univitelinos e ambos perpetuam um ao outro diretamente: o machismo sendo o veículo de lucro do capitalismo e o capitalismo o modo do machismo perpetuar na nossa sociedade.

Com a nossa entrada em movimentos liberais de passagem (a.k.a. libfem) presenciamos e reproduzimos muitas relativizações em relação ao movimento feminista, querendo nos posicionar como a favor do fim da opressão as mulheres mas não querendo ser tabelada como “radical demais’, portanto, nunca participamos de nenhuma discussão sobre a problemática do capitalismo na nossa estadia pelo movimento do patriarcado disfarçado de feminismo. Esse artigo tem como intuito de explicar como nosso posicionamento politico como anti-capitalistas enquanto feministas é essencial.

A própria ideia de que a entrada da mulher no mercado de trabalho representou um grande fator de empoderamento precisa ser questionada e criticada porque nós só saímos de casa porque o capitalismo precisou disso e julgou conveniente ter mais mão-de-obra trabalhando e gastando no mercado. O capital historicamente usou o poder do trabalho feminino e do trabalho infantil para reduzir custos. Muitas vezes escolheu reivindicar a renda familiar, na qual muitas vezes as mulheres eram excluídas do mercado de trabalho, em uma sociedade baseada inteiramente na desigualdade, ou seja, na exploração de um pequeno punhado de capitalistas sob uma grande massa de assalariadas, é possível algum tipo de igualdade? Por acaso as mulheres poderiam se emancipar e serem livres enquanto milhares de mulheres continuam sendo exploradas pelo capitalismo? A ideia de que possa existir igualdade em uma sociedade baseada na desigualdade é uma utopia.

O capitalismo que é A Mídia, que consequentemente é comandada pelo machismo (ressaltando que durante sua leitura do artigo é importante sempre associar o machismo e o capitalismo como duas coisas inseparáveis: não conseguiriam existir um sem o outro.) é o principal fator determinante da opressão de gênero e do papel de gênero da mulher na sociedade como submissa e sempre no final da hierarquia, esperando para servir e se adequar ao meio a sua volta, mas nunca podendo criar seu próprio meio.

Historicamente, a prostituição é vista como a primeira profissão do mundo, e ai fica a pergunta: como uma situação de estupro pago foi reconhecida mundialmente como uma profissão e não uma opressão? Banalizar e naturalizar a prostituição é uma violência histórica, defender que mulheres podem se prostituir é defender que homens podem comprar e abusar seus corpos. A prostituição transformada em profissão de fato legaliza a violência da apropriação material e simbólica dos corpos das mulheres.

A prostituição, ou seja, a venda de corpos, forçada ou não, é talvez a maior violência social cometida contra as mulheres. Esta violência é perpetuada por sua total banalização e reconhecida pelo capitalismo como uma opção da mulher justamente por ser algo que arrecada renda ao capitalismo e beneficia o homem.

É crucial entender a pornografia como forma de violência contra a mulher. A grande maioria do conteúdo é produzido e consumido por homens, com temas muito consistentes. As categorias dos conteúdos de dois dos mais populares sites de vídeos pornográficos revelam um sinistro padrão de infinitos cenários de dominância masculina e subordinação feminina, categorizados por atos específicos, partes do corpo feminino, raça e idade. Não é necessário um grande conhecimento de teoria cultural para compreender o significado social de imagens de mulheres sendo repetidamente penetradas em todos os orifícios ao som de “vagabunda”, “vadia” e “puta”. Entretanto, pensar além do discurso da “escolha”, do “empoderamento” e da “liberdade de expressão” que é usado pelos representantes da indústria para justificar tal conteúdo requer boa vontade e uma passada pelo feminismo liberal. Esse discurso é uma tentativa de distrair a atenção da natureza da pornografia mainstream e acusar os que se opõem a seus danos como censores, antiliberais e, como sempre, hipócritas. Todavia, um exame do conteúdo mainstream revela que esses argumentos são um pouco além de uma defesa de interesses econômicos do capitalismo e do homem: Em primeiro lugar, pornografia consiste em atos socialmente aprovados de violência direta contra a mulher. O que seria visto como violência sexual e brutalidade em outros contextos é o que acontece na pornografia, como mulheres sobreviventes confirmam.

Entretanto, pornografia não funciona simplesmente como uma arena na qual violência direta contra a mulher é aprovada e rotineira. Ela também funciona como uma forma do que o sociólogo Johan Galtung chama de “violência cultural”. Exibida nas histórias, a cultura expõe a si mesma – com seus textos, suas imagens – como “um aspecto da esfera simbólica que pode ser usado para justificar ou legitimar violência direta ou estrutural.” Uma das coisas nas quais a pornografia é extremamente eficiente é a promoção de um fluxo sem fim de narrativas nas quais mulheres são tratadas como objetos, violadas ou feitas para o sexo.

Evidências cada ver mais consistentes associam o consumo de pornografia extrema aos mais odiosos casos de violência sexual, estupro e assassinato. Como cita o serial killer Ted Bundy:

“Eu vivo na prisão tem um bom tempo agora e eu conheci muitos homens que eram motivados a cometer violência igual a mim e sem exceção cada um deles estava profundamente envolvido em pornografia.

Mas a violência cultural da pornografia geralmente é muito mais próxima de nossa realidade, tendo influência não só em homens mas também na forma em que nós mulheres vemos o sexo: performático, sempre, e feito para agradar somente o homem. Nos forçando muitas vezes a fazer, performar ou gemer em situações em que a única coisa que não estamos sentindo é o prazer.

A pornografia e a prostituição são uma fonte de renda gigante para o capitalismo, usando por meio disso a exploração e a opressão da mulher ao ser usada como mercadoria… e não só um combustível para o capitalismo, como também para o machismo, que por meio dessas duas opressões diretas perpetua a pedofilia e a opressão de mulheres periféricas.

Se o movimento feminista não enxerga esta situação, passa a ser inofensivo para o capital, pois assume que o objetivo final de sua luta é conquistar algumas demandas nesta sociedade sem transformá-la pela raiz. É por isso que a luta das mulheres, para ser consequente com a luta pela nossa verdadeira emancipação, precisa ser uma luta anticapitalista. Lutar pelos nossos direitos mais essenciais, que queremos agora e não amanhã, mas com uma perspectiva de quem não se contenta com algumas reformas nesta sociedade. E as mulheres brancas, que reconheçam seus privilégios e apoiem diariamente mulheres negras a levantar bem forte as bandeiras a favor dos direitos das mulheres negras, imigrantes, indígenas, as que mais sofrem com o trabalho precário e o preconceito de gênero, nacionalidade e de raça. Queremos acabar com o capitalismo e apostamos que a força das mulheres ao lado da classe trabalhadora, que deve levantar com força nossas bandeiras, é a única possibilidade de abrir espaço pra uma verdadeira emancipação.

O Radfem nasceu de um movimento de raízes de esquerda: é completamente focado no social e anti-capitalista. Feminismo não é buffet para a gente escolher o que convém ou não, e a luta do rad contra o capitalismo se baseia que o capitalismo é completamente misógino e hierárquico (e dele nasceram agressões contra as mulheres de classes mais baixas: prostituição, pornografia…). não tem como ser feminista e ser de direita. Feminismo é um ato politico, e de esquerda. Feminismo é anticapitalista porque, de fato, a opressão feminina gera lucro, mulheres tem seus corpos explorados e vendidos como mercadoria, mas somente o fim do capitalismo não acaba com o sistema de gênero, então não torna mulheres livres.

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GIULIA FRATTESI

feminista radical, anti-pornografia e apaixonada por sociologia e psicologia