Giulia Araújo
4 min readOct 21, 2021

— Oficial Helena, cancele todo o resto da minha programação pelo dia. — O lefou disse com a voz séria, ganhando um olhar de surpresa da oficial. Sentia a medusa tremendo levemente embaixo de suas mãos, e sabia que era ali que deveria se concentrar naquele momento.

— Mas senhor… — ouviu Helena argumentando, e a cortou com um sinal de cabeça.

— Helena. Cancele a minha programação pelo resto do dia. E por favor, retire-se — ele a viu assentir, pegando alguns papéis e a prancheta, que carregava sempre consigo, e saiu, fechando a porta em um baque surdo.

Ezequias conduziu Kira para o interior da sala, enquanto a aventureira continuava a chorar silenciosamente. Ele não sabia ao certo o que fazer, como agir. Deveria abraçá-la? Não, melhor não, afinal Kira não parecia muito fã de abraços. Então, talvez, entregar-lhe um lenço? Droga, deveria ter pedido à Oficial Helena trazer água…

Sua cabeça girava em pânico. “Pergunte a ela, idiota!”, uma voz soou em sua cabeça. Sim, sim, talvez perguntar a ela fosse a melhor alternativa. Ele respirou fundo, toda aquela linha de pensamento acontecendo em mero segundo, e olhou para a medusa à sua frente.

— Kira… eu… Quer dizer. Tem algo que… Hã… Você quer…?

Ela levantou a cabeça, os olhos mais tristes e conflituosos que ele já vira, e balançou a cabeça, negando. Ezequias a analisou por um momento, novamente pensando em abraçá-la. Uma das coisas que ele mais admirava nela era a maneira com a qual ela se portava, imbatível, como se nada fosse quebrá-la, não importando o que acontecesse, o perigo que enfrentasse.

Completamente o oposto dele.

— Não, Ezequias. Hm… desculpe-me. Eu acabei sujando sua camisa . — ela apontou para o ombro dele, onde uma pequena mancha escura, de lágrimas e fuligem, surgiu em sua camisa branca. Ele esfregou a mancha distraidamente, enquanto ela balançava a cabeça. — Eu devo ir, não quero lhe ocupar. Apenas vim, pois você precisava saber, e até mesmo porque não devemos voltar nas minas por alguns dias, ao menos até… bem. — ela falou, se direcionando para a porta.

— Kira, espere! — ele disse, sua voz saindo mais alta que queria, quase em um apelo. Ela olhou de volta para ele, as sobrancelhas levantadas em surpresa, seu rosto uma bagunça só. Ele pigarreou. — Hm, desculpe. Mas… Não vá, não agora… Não assim. Conte-me de fato o que aconteceu.

Ezequias gesticulou para que ela se sentasse no confortável sofá que instalara ao seu escritório, que agora servia mais como sua cama que a própria, por tantas noites que passara ali. Ele a ouviu suspirar, seguindo para o sofá, e ele a acompanhou, sentando-se ao seu lado.

E então ela falou.

Kira contou-lhe tudo, desde o início, quando o próprio passou a missão para o grupo de aventureiros. Sobre como foram emboscados na estrada, enquanto vários inimigos também os aguardavam dentro das minas. Contou-lhe que ouviu, quando voltaram pela segunda vez, diversas bombas explodirem enquanto ainda estavam no elevador, e como foram atacados por anões que estavam em uma sala contendo explosivos. Explosivos esses que explodiram quando Phantal conjurou uma bola de fogo, enquanto Alyssa ainda estava lá dentro.

— Ele não sabia que a sala estava cheia de explosivos, é claro… Tudo aconteceu tão rápido. Findo e eu conseguimos nos desviar e proteger da explosão a tempo, mas Phantal e Alyssa foram atingidos. Conseguimos estabilizar os ferimentos do Phantal e curá-lo a tempo, mas Alyssa… — a medusa balançou a cabeça, lágrimas voltando aos seus olhos. — Não conseguimos fazer nada. Nem ao menos… não sobrou nada. Ela apenas… sumiu no ar.

Ezequias se levantou, sentindo sua garganta apertar. Caminhou de volta à sua mesa, encarando as pilhas e mais pilhas de documentos à sua frente, os escritos se embaralhando enquanto sua visão turvava, um baque constante em seus ouvidos, repetindo e repetindo. Só então percebeu que aquele barulho era ele próprio socando a mesa, quando as mãos de Kira entraram em seu campo de visão, tocando as suas.

— Para, para… Eu sei… eu sei o que você deve estar pensando — diz ela desviando os olhos fendidos de seus próprios punhos feridos e procurando os olhos rubros do lefou. Um soluço saiu do peito dele, enquanto ele balançava a cabeça.

— A culpa é minha. Se eu não tivesse mandado vocês, Alyssa ainda estaria…

— Zek… Não foi culpa sua, você não podia prever o que aconteceu. Nós sabíamos do risco. A Alyssa sabia do risco. E… — Kira suspira, todo o cansaço, luto e tristeza a consumiam naquele momento. — Eu fico voltando e voltando, procurando por maneiras do que poderíamos ter feito diferente, que pudessem salvá-la, mas não há como. Ela… morreu.

Lágrimas voltaram a correr pelo rosto de Kira, seguindo a trilha que as outras lágrimas deixaram. Ela soltou a mão dele que segurava, envolvendo a si mesma em um abraço e abaixando a cabeça, lembrando a Ezequias o quão jovem ela ainda era, por mais que não parecesse.

Ele estendeu a mão para ela, procurando uma forma de confortá-la, mas ele deixou a mão cair ao lado do corpo. Não havia formas de confortá-la naquele momento. A amiga dela estava morta, e a culpa era dele. Kira estava sofrendo, e a culpa era somente dele.

E então, naquele escritório silencioso, interrompido somente pelos soluços baixos de Kira, Ezequias fez uma promessa a si mesmo, e também à medusa à sua frente.

Nunca mais Kira sofreria por sua causa. Ele faria de tudo para garantir aquilo.

Giulia Araújo

Rpgista, criadora do servidor Submundo de Valkaria e integrante do podcast Falha Final. Posto alguns contos e fanfics de vez em quando