Sobre os resultados do PISA

Gregório Grisa
4 min readDec 4, 2019

Respondi ao repórter Hugo Passarelli do Valor Econômico algumas questões sobre os resultados do Brasil no PISA. Transcrevo abaixo a íntegra dos meus comentários, a reportagem feita está aqui.

1 — Apesar da melhora das notas nas três áreas, notei que a OCDE considera que foi algo irrelevante estatisticamente por continuarmos na mesma faixa de proficiência. Você que é por aí, que os dados reforçam a estagnação do nosso ensino?

Estagnação é uma perspectiva macro, realmente o crescimento nos resultados do PISA ocorrem até 2009, depois ele não é tão significativo. Falar em estagnação pressupõe que se esteja analisando sempre a mesma coisa, da mesma forma, estamos falando de aprendizagem e educação que são muito dinâmicas, há mudanças nas provas, nas escolas analisadas, nos indicadores do país, por exemplo, o Brasil tinha uma taxa de escolarização líquida no ensino médio de 50% em 2009 e de mais de 68% em 2018, são mais alunos acessando essa etapa, com um padrão de aprendizagem similar. Isso não significa que não deveríamos ter resultados melhores, mas se olharmos para Argentina, Colômbia, Uruguai essas flutuações ocorrem. Eu tenho muito receio em fazer comparações e de falar “da educação como um todo” apenas com base no PISA, que tem seus limites. Temos muitas realidades no Brasil, mesmo analisando as diferentes redes (particular, federal, estadual) já podemos notar isso.

A aprendizagem aferida no PISA se consolida bem antes dos 15 anos. Estamos falando dos anos iniciais do ensino fundamental, apesar dos avanços nessa etapa no IDEB, por exemplo, eles não são suficientes em escala. Os muitos casos de sucessos ainda estão localizados. Desafio é expandir e garantir a implementação de políticas inspiradas nesses casos em todo país. A aprendizagem é uma urgência nacional, o grande nó para darmos um salto econômico, político e social como país. Mas ela não pode ficar sobre a responsabilidade exclusiva da escola, aí que uma política para primeira infância mais robusta seria fundamental, bem como medidas que ataquem a pobreza e a desigualdade de forma incisiva.

2 — Chamou a minha atenção o fato de ter se ampliado a diferença em leitura os alunos com melhor e pior perfil socioeconômico. Estou falando dessa informação: Em 2018, os alunos com melhores condições socioeconômicas tiveram, na prova de leitura, nota superior em 97 pontos ante os mais vulneráveis. No Pisa de 2009, a diferença entre os dois extremos sociais no Brasil era menor, em 84 pontos. É possível explicar isso de alguma forma?

Se pegarmos os dados da pobreza e da miséria entre 2009 e 2018, ambas cresceram. Isso tem impacto na educação, as condições de vida desses perfis socioeconômicos são muito diferentes e esse abismo se ampliou no período recente. Não que isso explique diretamente as nota das provas, mas é um contexto importante. O próprio sucateamento das redes de ensino que atendem estudantes mais vulneráveis pode ter piorado da recessão para cá. Por exemplo, os indicadores de matrículas em tempo integral no ensino fundamental caíram no período recente. Esse índice chegou a cair 46% de 2015 para 2016, o percentual de alunos em tempo integral passou de 16,7% para 9,1%.

Todas questões referentes a desigualdade estrutural que conversamos para reportagem do ENEM se aplicam aqui.

3 — O que você acha que fica de perspectiva para o próximo Pisa, especialmente considerando que o atual governo não está implementando, pelo menos até agora, nenhuma política que represente alguma mudança estrutural para o ensino público?

Mesmo não sendo estatisticamente significativo, houve aumento do escore brasileiro nas três áreas. Particularmente acho que isso pode ocorrer também no próximo PISA, uma leve melhora. Há muitas experiências interessantes Brasil a fora, infelizmente esse ano parece ter sido perdido no que tange ao papel do MEC. Programas paralisados, contingenciamentos que limitam a participação fundamental das universidades (tomadas como inimigas) na formação inicial e continuada. Nossos problemas são estruturais na educação, não há bala de prata. Sem um projeto de longo prazo, que pense na valorização dos profissionais, na atratividade da carreira (marca de todos países do topo de dos latino que mais avançaram), na formação inicial e continuada será muito difícil ter boas expectativas. Para isso precisaríamos de um MEC que participe mais do financiamento da educação básica, via ampliação da complementação do FUNDEB, que coordene políticas com diretividade política e técnica, tudo que não vimos até agora. O desenho de políticas que ao mesmo acolha e dê suporte prático e teórico aos professores, mas que defina metas e exija resultados não é possível no clima de confronto e diversionismo que a atual gestão promove.

É muito importante que as pessoas entendam que o PISA compara países muito diferentes, com sistemas de ensino com características e histórias diferentes. Esperar que um aluno brasileiro, que “custa” 3 vezes menos que a média de um aluno dos países da OCDE, tenha rendimento semelhante, com agravante das questões sociais e culturais, é ingenuidade. A China seleciona regiões para fazer a prova, assim como a Coréia, tem um plano de desenvolvimento científico e tecnológico ligado a qualidade da educação básica, não temos nada parecido com isso aqui.

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Gregório Grisa

Doutor em Educação e Pós-Doutor em Sociologia pela UFRGS | Professor do Instituto Federal do Rio Grande do Sul